EM BUSCA DO MODERNISMO PERDIDO


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 28 de julho de 2001


Cynara Menezes
da Reportagem Local


Um modernista praticamente desconhecido volta à tona com o relançamento de "Domingo dos Séculos", ensaio iconoclasta e cheio de humor publicado por Rubens Borba de Moraes (1899-1986) em 1924 e fora de catálogo desde então.

Mais conhecido como bibliógrafo —foi diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo (hoje Mário de Andrade, de quem foi amigo de infância) e da Biblioteca Nacional—, Moraes foi uma espécie de "boa praça" do movimento, irreverente e brincalhão.

Na organização da Semana de Arte Moderna de 22, era, como se definiu, um "executive office", espécie de empresário dos artistas envolvidos. Durante a Semana, porém, foi contaminado pelo tifo e teve de ficar em casa, enquanto São Paulo pegava fogo.

Participaria da criação das revistas "Klaxon", "Terra Roxa e Outras Terras" e da primeira fase da "Revista de Antropofagia". Mas, embora "Domingo dos Séculos" tivesse sido elogiado até por Sérgio Buarque de Holanda, não se aventuraria mais pela literatura. "Os que gostavam de fato de literatura continuaram", contou, poucos anos antes de morrer. "Descobri que não tinha nenhum talento literário e que não me interessava fazer literatura. O Carlos Drummond de Andrade diz que é mentira, que eu tenho talento, mas não tenho." Se dedicaria, então, às bibliografias. Seu trabalho mais famoso, a "Bibliografia Brasiliana", é considerado por críticos "um monumento de erudição".

Já o "Domingo" é um ensaio despojado. "A palavra para defini-lo é jovialidade. É um livro alegre, me diverti muito quando li", diz a professora de literatura da Unicamp Maria Eugênia Boaventura, uma das maiores especialistas brasileiras no período, para quem a obra se aproxima, pela leveza, de alguns livros de Mário de Andrade, como "Paulicéia Desvairada".

O nome do livro, relançado em edição fac-similar, ou seja, com a grafia da época preservada, vem do que, acredita seu autor, se tornou a arte: "Arte moderna, arte de domingo, de quem 'digere bem' e vai dar seu passeiozinho, sorrindo, sem preconceitos", escreve. Como estudou na Suíça, embora jovem, Moraes voltou já conhecedor de nomes até então pouco divulgados por aqui, como os de Marcel Proust ou Henri Bergson, além de Rimbaud, sobre quem tece, à sua maneira, uma biografia. E é muitas vezes profético. "Mais tarde, quando os críticos de então quiserem citar um representativo do nosso século, citarão Proust", diz, dois anos apenas após a morte do autor de "Em Busca do Tempo Perdido". Ou, quando nem internet nem globalização sonhavam em aparecer: "Hoje, que os jornais e os livros de qualquer país são lidos em toda a parte, neste século admirável em que os povos parecem que se acotovelam, é impossível ao homem culto não deixar transparecer no seu falar a influência da língua de seus irmãos".

DOMINGO DOS SÉCULOS.
De: Rubens Borba de Moraes.
Editora: Giordano/ Imprensa Oficial
112 págs.

Trechos

"Não se deve rir de um poema dadaísta, caçoar de um quadro cubista e não se deve dizer: "Não gosto". (...) Gosta-se de empadinhas de camarão, de bombons, de mulheres gordas, mas não se gosta de arte moderna: compreende-se."

do livro "Domingo dos Séculos", de Rubens Borba de Moraes

"O modernismo existe, é inútil revoltar-se. (...)Ouço daqui seus gritos de protesto. Não grite tanto; atrapalha minhas idéias."

IDEM


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