"Macunaima", appareceu em 2ª edição, o que aliás não quer dizer
que esteja ganhando publico. Mario de Andrade continua sendo um
literario muito pouco lido, apesar de seu valor. E a culpa é delle.
Mario pegou um geito de escrever que seria popular si não fosse
precioso. Elle faz parte de um pequeno clube fechado de gastronomos
que ha em São Paulo. E faz gastronomia na linguagem tambem o
paladar do povo é simples. Si Mario de Andrade fosse preparar um
vatapá, elle faria um vatapá tão bem feito, tão em regra, tão profundamente
bahiano, seguindo tantas recommendações de regras especialistas,
que nenhum bahiano gostaria do vatapá delle. Foi para a extrema
esquerda da língua. Reagindo contra a aristocracia do phraseado
solenne e a hierarchia difficil dos pronomes, elle cahiu no populismo
mais difficil e precioso. Em "Macunaima" isso se explica, isso faz
parte do livro. A linguagem, ahi, está combinando com a acção, com
o espirito do livro. Está direito. Apesar disso eu estimaria que
alguem fizesse um livro com todo esse material precioso de "Macunaima",
todo esse mundo de lendas e de falas brasileiras, de um geito que
fosse accessivel ao leitor commum. Um livro onde um brasileiro se
embrasileirasse mais, se reconhecesse e se apprendesse. Pelo facto
de ser um livro differente dos outros, muitos exageram o valor de
"Macunaima". Impressionados pela montanha de suggestões e de "achados"
do livro, começam a dizer que elle será uma obra classica. Esquecem
que na verdade é um bloco de onde poderia sahir um verdadeiro livro,
é uma façanha, uma proeza grande e bonita de inteligencia, e nada
mais. Eu digo "e nada mais" porque isso para um sujeito com as possibilidades
de Mario de Andrade, é mesmo muito pouco. Para usar a linguagem
do seu heróe elle "experimentou força". Prova que tinha muita. E
quasi que ficou nisso. Mas deixemos o autor e vamos ao heróe, que
não tem nenhum caracter. Na verdade tem algum. Tem, por exemplo,
uma sympathia continua. É medroso, preguiçoso, mentiroso e sem vergonha,
mas não é mau sujeito. O que elle quer é gosar, como aquelle macado
da anedota. Eu gostaria que elle fosse um pouco mais consistente,
pois em certos pedaços do livro sinto que o heróe anda no vacuo.
Mas depois reage porque já ganhou uma figura propria, já tem o seu
caracter e se impõe ao autor. O que prejudica uma certa continuidade
do heróe é ter o autor mettido no livro, que deve ter sido feito
às pressas, umas coisas que são interessantes em si, mas que ficam
deslocadas. O heróe tem de viver essas coisas, e vive a contragosto.
Sente-se que elle "não está em casa". Ha, na realidade, material
que poderia ser jogado fóra com proveito, porque destôa do resto.
Sente-se a pressa do trabalho. O autor, em certos momentos, foi
impressionado pelos processos de acção do heróe, esquecendo, que,
quanto mais absurdos forem os personagens e mais louca fôr a acção,
mais prudente o logico deve se manter o autor encarregado de contar
aquella desordem. Acho que o proprio Mario deve sentir hoje esses
defeitos de "Macunaima" que, por outro lado, elle não póde corrigir,
porque não ha nada que seja um facto mais consummado que um livro
que a gente já escreveu.
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