OS PARADOXOS DE GUILHERME DE ALMEIDA


Publicado na Folha da Manhã, quarta-feira, 7 de outubro de 1925

Neste texto foi mantida a grafia original

Depois de um série de estampas nacionalistas, uma evocação da mythologia grega

Franzino, quasi todo nervatura e sensibilidade, Guilherme de Almeida, à semelhança dos velhos instrumentos gregos, que resoavam à menor caricia das aragens, vae-se desmanchando em poemas, em rythmos, em poesias, deslumbrando-nos com a sua multiplicidade literaria, trabalho ainda não visto em poetas nossos. Com os olhos ainda maravilhados pelo "Encantamento" e pelas fortes refracções do "Meu", eis que hoje todo nos enchemos de viva alegria com as paginas do seu novo poema, cujo prefacio, a transbordar de subtilezas engraçadas, aqui deixamos para que a todos surprehenda com as suas flagrantes contradicções.

"Si um homem conseguisse exprimir o que sente, perderia a faculdade de pensar.

É para não dizerem o que sentem que os homens pensam.

Uma creatura sincera dá a impressão de que está dizendo o que sente.

Sinceridade é falta de espírito.

A arte é puramente espiritual. Ella não diz verdades: diz mentiras bellas. Não adianta nada dizer verdades: quem ouve fica apenas sabendo. Não é preciso que alguem "fique sabendo"; é preciso que todos "fiquem imaginando".

A verdade é o tédio da imaginação.

Saber é um horror. Uma cousa só é bella emquanto não é sabida: o céu, a alma... Não ha suggestões possiveis no binomio de Newton.

Si a natureza fosse bella, a arte não teria razão de ser.

A natureza é o que de ha mais verdadeiro; a arte é o que ha de mais falso. Mas, entre uma incommodativa aurora boreal e o scenario do Principe Igor, um homem decente não hesita: vae direito ao scenario de Bakst.

Porque é preciso que exista a verdade e que exista a belleza, sinão não poderia haver homens de máo gosto e homens de bom gosto.

Uma cousa só tem razão de ser emquanto encerra uma intenção de belleza. A verdade não tem intenções.

É muito mais bello acreditar numa mentira do que numa verdade.

Para que a verdade fosse bella, foi preciso pôl-a dentro de uma linda mentira: a cisterna da lenda.

Em rigor, não ha verdade nem mentira: ha pessoas que acreditam e pessoas que não acreditam. A gente só tem necessidade de acreditar nas cousas incriveis. Ninguem tem vontade de que "aconteça" um romance de Zola; todos têm vontade de que "aconteça" um conto de Perrault.

Porisso é que ha deistas. Deus é perfeitamente inverosimil. Os atheus são homens que com certeza já viram Deus.

A arte é assim: a arte é como Deus. Todos os homens, querendo assemelhar-se a Deus , criam ou destróem. É o que justifica haver artistas e haver criticos. Aquelles criam suggerindo; estes destróem explicando.

Quando um artista não é comprehendido, naturalmente é porque um critico já tentou explical-o.

Explicar é completar. Sómente as cousas incompletas é que são perfeitas, porque não satisfazem. Uma grande obra de arte é sempre incompleta: tem a perfeição de não satisfazer, isto é, de não cançar nunca.

Mas não ha nada mais inutil do que discutir arte. Só se discutem convicções. Em arte não ha convecções. O facto de ter um homem uma convicção prova, quando muito, que elle foi inferior a quem o convenceu.

O artista é um sêr absolutamente superior."


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