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              "Em arte não há progresso. O progresso só existe para as coisas 
              materiais e na bandeira brasileira... Os modernos também passarão, 
              como passaram os românticos. Ninguém é dono do tempo." Tal inequívoco prognóstico não partiu, como se poderia imaginar, 
              de algum conservador irritado com as diabruras dos garotos de 22, 
              e sim de alguém bem próximo a eles, uma espécie de executive manager 
              conforme sua autodefinição da Semana de Arte Moderna 
              de 22, Rubens Borba de Moraes, um dos cérebros mais privilegiados 
              da terra do jaburu.
 A frase acima foi escrita em setembro de 1922. Inserida num artigo 
              escrito por Rubens de Moraes para a revista "Klaxon", porta-voz 
              oficial dos modernistas de 22, dá a exata dimensão a que estava 
              circunscrito o movimento. Dimensão essa que Mário de Andrade analisaria, 
              posteriormente em janeiro de 1940. "O modernismo" sentenciava 
              Mário "tinha de se completar, intervindo na política também. 
              O modernismo foi um toque de alarme. Todos acordaram e viram perfeitamente 
              a aurora no ar."
 Foi justamente o que aconteceu. Para Rubens Borba de Moraes, mais 
              do que um movimento artístico promulgado em nome de uma nova ordem 
              (ou desordem), a Semana serviu, prioritariamente, para que os jovens 
              candidatos a gênio de 22 "tomassem consciência do problema político 
              do País". Curiosamente, o então jovem Rubens de Moraes hoje 
              com 83 anos e morando numa isolada e belíssima chácara em Bragança 
              Paulista previra o rumo dos acontecimentos. Chegou, na época, 
              até a escrever um artigo para 'Klaxon', citando Bergson, em que 
              dizia algo como "ninguém tem tempo a perder para escrever 500 páginas, 
              como Zola ou Eça de Queirós".
 "Foi assim que, logo após a Revolução de 24, fundamos uma sociedade 
              com o objetivo de esclarecer a população sobre o voto de cabresto 
              e as maquinações do Partido Republicano. Dessa sociedade, da qual 
              participavam 12 pessoas inclusive o Mário e o Oswald 
              nasceu o embrião do Partido Democrático, o início de um esforço 
              conjunto para se repensar o Brasil a fundo."
 Os jovens neófitos da política tupiniquim, tomaram, posteriormente, 
              parte na Revolução de 30, "como conspiradores", explica Rubens. 
              "Eu, pessoalmente, cheguei a ir até Buenos Aires para convencer 
              o Luís Carlos Prestes a chefiar a Revolução. Ele me disse que iríamos 
              servir de comida para os políticos e rejeitou o convite".
 Não demorou duas semanas após Getúlio tomar o poder, e os modernistas 
              de 22 reconhecerem que "não era bem aquilo que desejávamos". Oswald, 
              com toda a certeza, era um exemplo singular de fascinação pelo poder. 
              "Queria, a todo custo, ser senador, mas o Prestes não o levava muito 
              a sério". Os outros, desiludidos, resolveram unir esforços que convergiam 
              para o desenvolvimento cultural do país. "Tivemos, então, a idéia 
              de fundar a primeira escola de Sociologia e Política do Brasil. 
              O Roberto Simonsem entrou com o dinheiro e a repercussão política 
              foi grandiosa. Posteriormente, criamos o Departamento de Cultura 
              de São Paulo (hoje Secretaria Municipal), em 35, com o apoio do 
              Fábio Prado (primo-irmão de Paulo Prado, que apoiou a realização 
              da Semana de 22).
 Em 37, com o golpe, Fábio foi substituído por Prestes Maia na Prefeitura 
              de São Paulo. "O Prestes obstruiu muitos dos nossos planos, entre 
              os quais a instalação de bibliotecas nos bairros da cidade".
 Na época, Rubens assumia a direção da Biblioteca Municipal e preparou 
              sua vingança. "Ele mandou esculpir uma estátua de uma mulher com 
              um livro sobre o ventre e me encomendou uma epígrafe". Rubens não 
              titubeou. Foi buscar inspiração na "Divina Comédia", de Dante, mais 
              especificamente no inferno dantesco "percam todas as esperanças 
              todos os que entram aqui...". Prestes Maia não gostou e Rubens foi 
              demitido.
 Como se vê, o humor cáustico era característica marcante dos meninos 
              de 22. Concessões, só para amigos. "O Graça Aranha, por exemplo, 
              era um bocado convencido e, nas vésperas da morte de 'Klaxon', resolveu 
              que os dois últimos números da revista seriam dedicados a ele. Chegou 
              e foi logo ditando, para mim, o artigo que deveria escrever em seu 
              louvor!" Mário foi um dos únicos a recusar a imposição de tão discutível 
              elegia. Oswald era suficientemente cínico para não levar a sério 
              o homenageado. "Imagine que não poupava sequer os amigos mais íntimos, 
              que haviam lutado em 32, como Guilherme de Almeida, classificando 
              seus poemas de ufanistas". De qualquer modo, mesmo com a separação 
              do grupo, as brigas entre Mário e Oswald, as consequências da Semana 
              de 22 ainda são visíveis. Como disse o autor de Macunaíma, "a literatura 
              brasileira aí está bastante sã. Adulta já? Quase adulta..." (janeiro 
              de 1940).
 
 
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