Nelson Ascher
Crítico da Folha
A publicação, numa magnifica edição
fac-similar, de "O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo...
- Diário coletivo da garçonnière de Oswald
de Andrade - São Paulo, 1918" [pronuncia-se Oswald,
com textos de Mário da Silva Brito e Haroldo de Campos e
transcrição de Jorge Schwartz, não é
apenas uma proeza editorial da Ex-Libris, mas também a prova
de que, 65 anos após a Semana de Arte Moderna, o modernismo
alcançou finalmente a dignidade e as honras de um fenômeno
cultural merecedor de luxo e de história. O livro é,
além disso, o principal documento da pré-história
do movimento e reconstitui os elos perdidos entre a vida pregressa
de Oswald e sua obra posterior.
Conforme explicita Mário da Silva Brito em seu texto, o diário
foi composto por Oswald e seus amigos entre 30 de maio e 12 de setembro
de 1919 [leia texto de Haroldo de Campos na contracapa deste encarde],
na "garçonnière" do futuro autor de "Memórias
Sentimentais de João Miramar", na r. Líbero Badaró,
67, 3° andar, sala 2. O diário compõe-se de virtualmente
tudo: observações esparsas, recados, bilhetes, cartas,
caricaturas, recortes etc. e, a rigor, como observa o historiador
do modernismo, é "precursor de várias obras que,
graficamente, tentam inovar as formas de comunicação".
A personagem central, verdadeira alma do diário e musa da
"garçonnière" é uma jovem normalista,
Deisi (D. Maria de Lourdes Castro de Andrade, conforme seu obituário),
amante de Oswald, idolatrada pelos frequentadores da "garçonnière",
dona dos segredos de uma vida misteriosa que gerava curiosidade
e angústia em seu Miramar (que é como Oswald já
se assinava então). Precursora real de todas as musas modernas
e modernistas, bem como vínculo entre elas e a "mulher-fatal"
do fim-do-século, Deisi morreu precocemente, com dezenove
anos, em agosto de 1918, devido a um aborto que lhe infeccionara
o útero, logo extirpado numa operação que não
conseguiu evitar a infecção dos pulmões.
O livro, que será lançado na quinta-feira, entre 18h30
e 21h30 no Masp, é resultado de um longo trabalho de Frederico
Nasser, editor da Ex Libris e responsável pelo projeto gráfico.
Com essa publicação fecha-se um ciclo na história
da cultura brasileira, em cuja circulação entra, consagrada
e finalmente, a criação mais marginal de um movimento
marginalizado durante quase meio século.
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