O
samba, esta musica contagiante que há muito deixou
de ser patrimonio exclusivamente nacional, para tomar
conta dos salões mais adiantados do mundo, tem
suas origens nos cantos e danças que os escravos
negros da Africa trouxeram para o Brasil, na epoca do
trafico. Esses negros, de religião primitivissima,
promoviam, em louvor de suas divindades, grandiosas
festas publicas, que se constituiam de complexas cerimonias
e rituais. A macumba e o candomblé eram festas
desse tipo, e consistiam essencialmente na pratica de
sacrificios de animais sagrados. Essa cerimonia era
acompanhada de festins, danças e muita musica,
de ritmo singularmente sensual e frenetico.
Embora algo deturpados em sua originalidade, podem-se
assistir ainda hoje, no Estado da Baía - onde
a tradição negra é mais acentuada
- a essas danças, e ouvir-se, em modulação
já um tanto estilizada, essa musica de ritmo
energico, que é, em suma, o samba em sua forma
primitiva. Os principais instrumentos utilizados - de
percussão em sua maioria - eram o "corá",
o "contin", a "mola", o "tantan",
etc., os quais se originaram nos instrumentos que hoje
se usam para marcar o compasso do samba, e que são
o pandeiro, o tamborim, a cuica, o reco-reco, etc. Citam-se
ainda como instrumentos primitivos o urucungo e a morimba,
que eram os realmente musicais.
"O candomblé da Baía - assevera o
escritor português Hugo Rocha - é uma cerimonia
musical (na sua triplice expressão: musica, canto
e baile) afro-brasileira de tradição ritual
e de inspiração diabolica, e não
sofre duvida que é mais uma expressão
folclorica da magia negra". A sua orquestra compõe-se
de três instrumentos principais, que são
o atabaque, o agogô e a cabaça. "O
chefe do candomblé - explica Edison Carneiro
- acrescenta à orquestra, quando nagô ou
gegê, o som do ADJÁ, uma ou duas campanulas
cumpridas que, sacudidas ao ouvido da filha, ajudam
a manifestação do orixá, e, quando
Angola ou Congo, o som do CAXIXI, um saquinho de palha
trançada cheio de sementes".
A
origem da palavra
Quanto
à origem da palavra SAMBA, e de seu significado,
há controversias entre os estudiosos. O etnografo
e o folclorista lusitano Edmundo Correia Lopes (citado
por Hugo Rocha) ocupa-se de um dança da Guiné
portuguesa a que os indigenas chamam samba e que é,
sem duvida - afirma - parente proxima do samba do Brasil,
o qual, se não descende, em linha reta, daquela,
tem, pelo menos, a mesma origem. A afirmação
de que o vocabulo designa um ritmo fula, indaga o autor
acima citado: "Mas será SAMBA realmente
o nome de um toque tradicional? Para tal a razão
conhecida parece-me pouco generica. O nome que à
cantiga, veio de uma palavra que nela se repte, sempre
ou VARIAS vezes no fim da primeira frase, é o
nome do cantador e ator da mimica que representa a provocação
de uma rapariga a um rapaz, motivo frequente das danças
profanas. O rapaz chama-se Samba. Samba, provocado a
dançar, reproduz os movimentos da provocadora,
ideal, porque a dança é o solo, podendo
ser repetida pelo coro".
Outros investigadores reconhecem na palavra Samba um
vocabulo de origem bantu, e dão-no como designativo
de um determinado movimento de dança. Ou seria,
tambem, um derivado do verbo "Kumba", usado
com significado de "namorada". Este é
um sentido que parece não estar longe da realidade,
porque de fato o tema do Amor - do amor impossível
ou contrafeito, sobretudo - é o que predomina
nas composições desse genero. De resto,
no que respeita ao aspecto sensual da musica, todos
os autores estão mais ou menos acordes. "O
Samba é dança essencialmente feminina,
mais combativa que erotica" -, diz Edmundo Correia
Lopes.
Quase todos os ritmos de danças populares brasileiras
- o maxixe, os cocos, o frevo, os recortados - têm
influencia africana, total ou parcial. De todos, porem,
o mais caracteristico é o samba, que permanece
ainda como padrão da nossa musica popular.
Samba
rural e urbano
Da
mesma forma que se distingue, hoje, o "frevo de
rua" do "frevo de salão", assim
tambem ocorre com o samba, que se divide em rural e
urbano, segundo as caracteristicas que os seus proprios
nomes indicam.
Tal como acontece com o maxixe, o samba urbano criou-se
e se desenvolveu no Rio. Divide-se em duas modalidades
mais ou menos distintas, segundo explica Oneyda Alvarenga
em seu recente livro "Musica Popular Brasileira".
Uma é o samba que vive nos morros do Rio de Janeiro,
onde habitam as classes pauperrimas da população.
Cultivam-no especialmente as Escolas de Samba, em que
"por volta de 1922" começaram a se
organizar os ranchos carnavalescos. "Em 1933 -
informa Mario de Andrade - os negros falavam indiferentemente
"samba" ou "batuque".
"Das descidas do Samba de morro à cidade-
prossegue Oneyda Alvarenga - pelo carnaval, surgiu a
outra modalidade do genero, criada por compositores
populares de nomes conhecidos, muitos dos quais ligados
intimamente aos meios musicais dos morros. Esta modalidade
do Samba carioca parece ter nascido na segunda decada
deste seculo". É a que constitui hoje o
tipo caracteristico da dança de salão
e que, com a invasão da rumba cubana, teve a
sua coreografia ligeiramente modificada.
Cabe ainda, aqui, uma referencia ao samba-canção,
de tipo estilizado, e que não se presta para
a dança. "A especie é perigosa e
cai frequentemente na mais franca banalidade açucarada".
G. P. R.