AS ORIGENS DO SAMBA

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 06 de agosto de 1950

O samba, esta musica contagiante que há muito deixou de ser patrimonio exclusivamente nacional, para tomar conta dos salões mais adiantados do mundo, tem suas origens nos cantos e danças que os escravos negros da Africa trouxeram para o Brasil, na epoca do trafico. Esses negros, de religião primitivissima, promoviam, em louvor de suas divindades, grandiosas festas publicas, que se constituiam de complexas cerimonias e rituais. A macumba e o candomblé eram festas desse tipo, e consistiam essencialmente na pratica de sacrificios de animais sagrados. Essa cerimonia era acompanhada de festins, danças e muita musica, de ritmo singularmente sensual e frenetico.
Embora algo deturpados em sua originalidade, podem-se assistir ainda hoje, no Estado da Baía - onde a tradição negra é mais acentuada - a essas danças, e ouvir-se, em modulação já um tanto estilizada, essa musica de ritmo energico, que é, em suma, o samba em sua forma primitiva. Os principais instrumentos utilizados - de percussão em sua maioria - eram o "corá", o "contin", a "mola", o "tantan", etc., os quais se originaram nos instrumentos que hoje se usam para marcar o compasso do samba, e que são o pandeiro, o tamborim, a cuica, o reco-reco, etc. Citam-se ainda como instrumentos primitivos o urucungo e a morimba, que eram os realmente musicais.
"O candomblé da Baía - assevera o escritor português Hugo Rocha - é uma cerimonia musical (na sua triplice expressão: musica, canto e baile) afro-brasileira de tradição ritual e de inspiração diabolica, e não sofre duvida que é mais uma expressão folclorica da magia negra". A sua orquestra compõe-se de três instrumentos principais, que são o atabaque, o agogô e a cabaça. "O chefe do candomblé - explica Edison Carneiro - acrescenta à orquestra, quando nagô ou gegê, o som do ADJÁ, uma ou duas campanulas cumpridas que, sacudidas ao ouvido da filha, ajudam a manifestação do orixá, e, quando Angola ou Congo, o som do CAXIXI, um saquinho de palha trançada cheio de sementes".

A origem da palavra

Quanto à origem da palavra SAMBA, e de seu significado, há controversias entre os estudiosos. O etnografo e o folclorista lusitano Edmundo Correia Lopes (citado por Hugo Rocha) ocupa-se de um dança da Guiné portuguesa a que os indigenas chamam samba e que é, sem duvida - afirma - parente proxima do samba do Brasil, o qual, se não descende, em linha reta, daquela, tem, pelo menos, a mesma origem. A afirmação de que o vocabulo designa um ritmo fula, indaga o autor acima citado: "Mas será SAMBA realmente o nome de um toque tradicional? Para tal a razão conhecida parece-me pouco generica. O nome que à cantiga, veio de uma palavra que nela se repte, sempre ou VARIAS vezes no fim da primeira frase, é o nome do cantador e ator da mimica que representa a provocação de uma rapariga a um rapaz, motivo frequente das danças profanas. O rapaz chama-se Samba. Samba, provocado a dançar, reproduz os movimentos da provocadora, ideal, porque a dança é o solo, podendo ser repetida pelo coro".
Outros investigadores reconhecem na palavra Samba um vocabulo de origem bantu, e dão-no como designativo de um determinado movimento de dança. Ou seria, tambem, um derivado do verbo "Kumba", usado com significado de "namorada". Este é um sentido que parece não estar longe da realidade, porque de fato o tema do Amor - do amor impossível ou contrafeito, sobretudo - é o que predomina nas composições desse genero. De resto, no que respeita ao aspecto sensual da musica, todos os autores estão mais ou menos acordes. "O Samba é dança essencialmente feminina, mais combativa que erotica" -, diz Edmundo Correia Lopes.
Quase todos os ritmos de danças populares brasileiras - o maxixe, os cocos, o frevo, os recortados - têm influencia africana, total ou parcial. De todos, porem, o mais caracteristico é o samba, que permanece ainda como padrão da nossa musica popular.

Samba rural e urbano

Da mesma forma que se distingue, hoje, o "frevo de rua" do "frevo de salão", assim tambem ocorre com o samba, que se divide em rural e urbano, segundo as caracteristicas que os seus proprios nomes indicam.
Tal como acontece com o maxixe, o samba urbano criou-se e se desenvolveu no Rio. Divide-se em duas modalidades mais ou menos distintas, segundo explica Oneyda Alvarenga em seu recente livro "Musica Popular Brasileira". Uma é o samba que vive nos morros do Rio de Janeiro, onde habitam as classes pauperrimas da população. Cultivam-no especialmente as Escolas de Samba, em que "por volta de 1922" começaram a se organizar os ranchos carnavalescos. "Em 1933 - informa Mario de Andrade - os negros falavam indiferentemente "samba" ou "batuque".
"Das descidas do Samba de morro à cidade- prossegue Oneyda Alvarenga - pelo carnaval, surgiu a outra modalidade do genero, criada por compositores populares de nomes conhecidos, muitos dos quais ligados intimamente aos meios musicais dos morros. Esta modalidade do Samba carioca parece ter nascido na segunda decada deste seculo". É a que constitui hoje o tipo caracteristico da dança de salão e que, com a invasão da rumba cubana, teve a sua coreografia ligeiramente modificada.
Cabe ainda, aqui, uma referencia ao samba-canção, de tipo estilizado, e que não se presta para a dança. "A especie é perigosa e cai frequentemente na mais franca banalidade açucarada".

G. P. R.



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