RUBEM BRAGA
Acordo
cedo e vejo o mar se espreguiçando; o sol acabou de nascer. Vou
para a praia; é bom chegar a esta hora em que a areia que o mar
lavou ainda está limpinha, sem marca de nenhum pé. A manhã está
nítida no ar leve; dou um mergulho e essa agua salgada me faz
bem, limpa de todas as coisas da noite.
Era
assim, pelas seis e meia, sete horas que a gente ia para a praia
em Marataises. Naquele tempo diziam que era bom para a saude;
não sei se ainda dizem. Para mim tem um sabor tão antigo e todo
novo, essa praia bem de manhã. Para um lado e outro diviso apenas
dois ou três vultos distantes. Por que não vem mais gente à praia?
Muita gente, é claro, tem de estar na cidade cedo; mas há um numero
imenso de funcionarios e pessoas de muitas profissões que nesta
cidade onde se dorme tão cedo parece ter algum preconceito contra
acordar cedo. Basta olhar qualquer edificio de Copacabana e Ipanema;
às dez horas começam a se apagar as luzes, e meia hora depois
da ultima sessão de cinema há edificios inteiros completamente
às escuras. O grosso da população ressona provincianamente às
onze horas. Mas para vir à praia todo mundo parece ter medo de
ser provinciano.
O
leve calor do sol me reconforta. Chega uma senhora gorda com dois
meninos e duas meninas. Senta-se no raso, e as duas crianças menores
sobem pelos seus ombros e sua cabeça, chutam agua e espuma, todos
se riem na maior felicidade. Suas roupas de banho não são elegantes;
devem ser como eu, gente do interior. Aparece depois um rapaz;
mas é um atleta. Faz alguns minutos de ginastica, dá um mergulho,
volta a fazer exercicios com a maior eficiencia. Esse não é de
nossa raça, os vagabundos matinais. Está ali a negocios: negocios
de saude ou atletismo, em todo caso negocio.
Eu,
a senhora gorda e as quatro crianças nos entendemos. Levo duas
crianças um pouco mar a dentro, para receberem algumas lambadas
de onda. Dão gritos, dão risadas, sentem medo, sentem coragem.
Somos gente do interior e somos, seguramente, boa gente.