RUBEM
BRAGA
Leio
com interesse um livrinho de 1927, editado na Bahia, "Ginastica
Nacional", que talvez não seja inutil nestes tempos. O autor chama-se
A. Burlamaqui, mais conhecido por Zuma, um belo rapaz que pretende
elevar à dignidade do boxe e do jiu-jitsu o nosso jogo da capoeira.
Faz o historico dessa luta e explica seu nome pelo fato de ser
nas capoeiras do interior que os negros, quando apareciam os soldados
para prendê-los, aplicavam esses golpes. A capoeira tem, assim,
uma "origem santificada", pois está ligada aos primeiros esforços
para a libertação dos escravos no Brasil. Nas fotografias que
ilustram o livrinho, os jogadores aparecem de peito nu, calções
até os joelhos e botina. O regulamento diz que devem ser usadas
botinas, pois sapatos caem do pé no decorrer da luta. Muito humanitariamente,
prescreve que as botinas não devem ter botões e sim cordões e
não devem ter na sola pregos salientes, nem chapas de metal. O
mais que podem levar são barras transversais, ou rosetas de borracha
que não salientem mais de cinco milimetros. Os golpes são numerossos,
e com eles "poderemos acometer os demonios". A rasteira, com sua
variedade "corta-capim"; o "rabo de arraia", com o qual "o nosso
Ciriaco venceu o japonês com seu jiu-jitsu"; a cabeçada cujo efeito
é "demasiado terrivel"; o "facão", a "banda de frente', o "baú",
que é dado com a barriga; o "rapa", a "tesoura", a "queixada',
que consiste em um ponta-pé no queixo; o "dourado", o "escorão",
em que se simula um recuo para dar um ponta-pé na barriga do sujeito;
a "baiana", o "passo de cegonha", o "tombo de ladeira", a "xulipa",
a "chincha" ("corre-se para o inimigo como a abraçá-lo, e, agachando-se
rapido, puxa-se as pernas dele, abaixo dos joelhos, ajudando-o
a cair com uma cabeçada"), o "me esquece", o "voo do morcego"
e o "suicidio". Este ultimo é original e terrivel, porque se o
inimigo estiver armado de punhal ou faca, suicida-se infalivelmente."
O autor até sente escrupulos em contar sua tecnica: "talvez faça
mal em descrevê-lo". Felizmente o livrinho ensina tambem os contra-golpes,
alguns violentos. E, para finalizar, ensina os chamados "golpes
de tapeação", como a pisadela no pé do adversario, o olhar falso,
o gesto de fingir que se vai tirar com o pé qualquer coisa do
chão, para que o adversario se descuide um instante. E ainda este
golpe, evidentemente pouco elegante, "finge-se que se vai cuspir
no adversario, fazendo-o fechar os olhos e aí aproveita-se a occasião
dando-lhe o merecido castigo." Nas gravuras, os jogadores aparecem
não apenas de botinas como de meias e ligas, o que tambem não
me parece muito elegante. Mas nem a capoeira, nem a politica são,
afinal de contas, coisas de muita elegancia.