CAPOEIRA

Publicado na Folha da Noite, sábado, 18 de fevereiro de 1961.

Neste texto foi mantida a grafia original

RUBEM BRAGA

Leio com interesse um livrinho de 1927, editado na Bahia, "Ginastica Nacional", que talvez não seja inutil nestes tempos. O autor chama-se A. Burlamaqui, mais conhecido por Zuma, um belo rapaz que pretende elevar à dignidade do boxe e do jiu-jitsu o nosso jogo da capoeira. Faz o historico dessa luta e explica seu nome pelo fato de ser nas capoeiras do interior que os negros, quando apareciam os soldados para prendê-los, aplicavam esses golpes. A capoeira tem, assim, uma "origem santificada", pois está ligada aos primeiros esforços para a libertação dos escravos no Brasil. Nas fotografias que ilustram o livrinho, os jogadores aparecem de peito nu, calções até os joelhos e botina. O regulamento diz que devem ser usadas botinas, pois sapatos caem do pé no decorrer da luta. Muito humanitariamente, prescreve que as botinas não devem ter botões e sim cordões e não devem ter na sola pregos salientes, nem chapas de metal. O mais que podem levar são barras transversais, ou rosetas de borracha que não salientem mais de cinco milimetros. Os golpes são numerossos, e com eles "poderemos acometer os demonios". A rasteira, com sua variedade "corta-capim"; o "rabo de arraia", com o qual "o nosso Ciriaco venceu o japonês com seu jiu-jitsu"; a cabeçada cujo efeito é "demasiado terrivel"; o "facão", a "banda de frente', o "baú", que é dado com a barriga; o "rapa", a "tesoura", a "queixada', que consiste em um ponta-pé no queixo; o "dourado", o "escorão", em que se simula um recuo para dar um ponta-pé na barriga do sujeito; a "baiana", o "passo de cegonha", o "tombo de ladeira", a "xulipa", a "chincha" ("corre-se para o inimigo como a abraçá-lo, e, agachando-se rapido, puxa-se as pernas dele, abaixo dos joelhos, ajudando-o a cair com uma cabeçada"), o "me esquece", o "voo do morcego" e o "suicidio". Este ultimo é original e terrivel, porque se o inimigo estiver armado de punhal ou faca, suicida-se infalivelmente." O autor até sente escrupulos em contar sua tecnica: "talvez faça mal em descrevê-lo". Felizmente o livrinho ensina tambem os contra-golpes, alguns violentos. E, para finalizar, ensina os chamados "golpes de tapeação", como a pisadela no pé do adversario, o olhar falso, o gesto de fingir que se vai tirar com o pé qualquer coisa do chão, para que o adversario se descuide um instante. E ainda este golpe, evidentemente pouco elegante, "finge-se que se vai cuspir no adversario, fazendo-o fechar os olhos e aí aproveita-se a occasião dando-lhe o merecido castigo." Nas gravuras, os jogadores aparecem não apenas de botinas como de meias e ligas, o que tambem não me parece muito elegante. Mas nem a capoeira, nem a politica são, afinal de contas, coisas de muita elegancia.

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