SAÍDO DO CIRCO, AUTOR ENCENOU O "LIXO SOCIAL"

Publicado na Folha de S.Paulo, terça-feira, 20 de novembro de 1999

Neste texto foi mantida a grafia original

Nelson de Sá
da Reportagem Local


Há dois meses, Plínio Marcos recebeu o repórter e a fotógrafa Lenise Pinheiro para o que seria um perfil do dramaturgo, em cartaz com uma ótima montagem de "Barrela", sua primeira peça, que estreou 40 anos antes.
Falou pouco, estava já abalado por uma isquemia, resultado do diabetes, que já havia causado um infarto. Ele confundiu datas e informações e só ficou à vontade quando chegou a sua mulher, a jornalista Vera Artaxo.
Então, brincou, voltou aos julgamentos irônicos de colegas do teatro e dos presentes, falou de futebol, riu bastante. Volta e meia, tinha de ser apoiado no sofá, pois estava sem domínio sobre o lado esquerdo do corpo. Canhoto, mostrou-se contrariado, triste, ao dizer que não conseguia escrever.
Mas contou as suas histórias, ele que, de uns cinco anos para cá, voltou a se fascinar pelo circo, onde começou. Escreveu contos semi-autobiográficos e peças tendo o circo por tema, como "O Truque dos Espelhos" (ed. Una, 99) e "O Assassinato do Anão do Caralho Grande" (ed. Geração, 96).
Quando se fala em Plínio Marcos, em sua dramaturgia de miseráveis e prostitutas, carregada de palavrões, em seus originais cheios de erros de português, até em seu aprendizado no circo, não poucos duvidam. Ele seria o autor de si mesmo: Plínio Marcos como personagem de Plínio Marcos.
Há dois meses, questionado se havia recriado seu passado, a reação foi aquela que se poderia esperar: acredite no que quiser. Ator da primeira montagem de "Barrela", o advogado Fernando Fortes, que fazia o Portuga, diz que é tudo verdade. "Ele era absolutamente primitivo, semi-analfabeto, não sabia comer com garfo."
Plínio Marcos vinha do Macuco, bairro portuário de Santos. Estudou só até o quarto ano primário. Ainda adolescente, começou a trabalhar como palhaço, com o nome Frajola. Ficou cinco anos em circos, inclusive um de ciganos, e aprendeu _é o que ele dizia_ a escrever para teatro.
"O circo me ensinou essa magia do conflito", declarou ele, em outra entrevista, há seis anos. "No circo a gente via as peças que funcionavam, aquelas peças do Gastão Tojeiro." "Barrela" veio daí, ainda no circo, inspirada diretamente por uma notícia de jornal sobre um jovem que, depois de ser estuprado na cadeia, já solto, matou um a um os estupradores.
Foi sempre esse o universo da dramaturgia de Plínio Marcos, durante as quatro décadas seguintes, bem como essa a sua qualidade mais flagrante: o conflito definido, explorado até a última frase do texto, o que torna as suas peças quase irresistíveis.
Miséria urbana
"Navalha na Carne", talvez a mais conhecida delas, mostra uma prostituta brutalizada no seu cotidiano de amor e dependência de um gigolô violento. Neusa Sueli, a prostituta, é uma das grandes personagens já criadas pela dramaturgia brasileira, tendo sido interpretada por, entre outras atrizes, Tônia Carrero e Vera Fischer.
"Dois Perdidos numa Noite Suja", outro dos textos maiores do dramaturgo, apresenta dois mendigos também desesperadamente agarrados um ao outro, em ligação de ódio e fraternidade. É sua peça mais encenada até hoje.
Autor paradigmático da miséria urbana, ele está para São Paulo como Nelson Rodrigues está para o Rio de Janeiro. Plínio Marcos também viveu outros personagens, para além do teatro _como dramaturgo e, vale lembrar, também como ator. Era fascinado por futebol, tentou ser jogador, jogou até com os irmãos de Pelé.
Também foi jornalista, ultimamente escrevia para um jornal de Santos. Durante o regime militar, ao mesmo tempo em que tinha peças censuradas, era demitido, entre outros, por Folha e "Veja". Não guardou rancor. Em entrevista de 93, ele dizia:
"Perseguido o caralho. Eu não sou nenhuma mosca-morta. Eu fiz por merecer. Fui uma pessoa que aproveitou bem a fama. Eu apedrejei carro de governador, quebrei vidraça de banco. Foi uma farra. Não teve mau tempo."

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