PLÍNIO E NELSON

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 1999

Neste texto foi mantida a grafia original

Carlos Heitor Cony

Rio de Janeiro
— Pouco entendo de teatro. Mas sempre achei curioso que dois dos maiores autores contemporâneos, aqui no Brasil, tivessem a mesma visão contundente da realidade. Em forma panorâmica, no caso de Nelson Rodrigues. Em "close" no caso de Plínio Marcos, que morreu semana passada.
Ao contrário do romance e do conto, dos quais é primo em primeiro grau, o teatro brasileiro, na expressão desses dois autores, é de um pessimismo lancinante. Na chamada prosa de ficção, ainda há espaço para o otimismo, a mensagem positiva, a reflexão existencial, a análise que procura ser desapaixonada de nossa condição humana, nela se incluindo a curiosa espécie da condição brasileira.
Tal como na economia, temos no teatro brasileiro uma espécie de "custo Brasil". A exceção seria, certamente, o Ariano Suassuna, que é intemporal, isento de taxas, não precisa passar pela alfândega.
No caso de Nelson e Plínio, as aproximações são óbvias. Eles viram a comédia humana em forma de tragédia, Nelson atingindo o universal, Plínio se detendo no local. O primeiro às voltas com a classe média, serviçal histórica das classes superiores da sociedade. O segundo na ralé, nos subúrbios da marginalidade.
Na linguagem, o pudor de Nelson que evitava o palavrão. Em Plínio, a escancarada violência verbal do nosso tempo.
Nelson sofria e fazia seus personagens sofrerem porque aspirava à dignidade e, em alguns casos, à santidade. Seu universo não conhecia a fome.
Plínio desprezava a dignidade e se lixava para a santidade. A fome e a miséria, física ou moral, substituíam os valores burgueses da obra de Nelson.
Ano passado, em Paris, durante o Salão do Livro, cruzei diversas vezes com Plínio nos corredores do hotel. Apenas nos cumprimentávamos. Nunca nos falamos. Mas eu o admirava.
 

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