Carlos Heitor Cony
Rio de Janeiro Pouco entendo de teatro. Mas sempre achei
curioso que dois dos maiores autores contemporâneos, aqui
no Brasil, tivessem a mesma visão contundente da realidade.
Em forma panorâmica, no caso de Nelson Rodrigues. Em "close"
no caso de Plínio Marcos, que morreu semana passada.
Ao contrário do romance e do conto, dos quais é primo
em primeiro grau, o teatro brasileiro, na expressão desses
dois autores, é de um pessimismo lancinante. Na chamada prosa
de ficção, ainda há espaço para o otimismo,
a mensagem positiva, a reflexão existencial, a análise
que procura ser desapaixonada de nossa condição humana,
nela se incluindo a curiosa espécie da condição
brasileira.
Tal como na economia, temos no teatro brasileiro uma espécie
de "custo Brasil". A exceção seria, certamente,
o Ariano Suassuna, que é intemporal, isento de taxas, não
precisa passar pela alfândega.
No caso de Nelson e Plínio, as aproximações
são óbvias. Eles viram a comédia humana em
forma de tragédia, Nelson atingindo o universal, Plínio
se detendo no local. O primeiro às voltas com a classe média,
serviçal histórica das classes superiores da sociedade.
O segundo na ralé, nos subúrbios da marginalidade.
Na linguagem, o pudor de Nelson que evitava o palavrão. Em
Plínio, a escancarada violência verbal do nosso tempo.
Nelson sofria e fazia seus personagens sofrerem porque aspirava
à dignidade e, em alguns casos, à santidade. Seu universo
não conhecia a fome.
Plínio desprezava a dignidade e se lixava para a santidade.
A fome e a miséria, física ou moral, substituíam
os valores burgueses da obra de Nelson.
Ano passado, em Paris, durante o Salão do Livro, cruzei diversas
vezes com Plínio nos corredores do hotel. Apenas nos cumprimentávamos.
Nunca nos falamos. Mas eu o admirava.
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