Plínio Marcos
Entre
as cinquenta e duas escolas de samba e mais os blocos de São
Paulo devem ter desfilado uns dez mil sambistas. E nos quatro dias
de Carnaval um milhão de pessoas deve ter assistido a esse
desfile. É muito pouca gente desfilando e muita gente espiando,
contida por cordões de isolamento, cercas e polícia,
sem poder participar. Isso não é lazer. Assistir a
um espetáculo mal acomodado, sem ter direito a entrar no
espetáculo não é lazer. Mas, isso é
o que vem sendo feito em nosso País. Acabam com os campos
de futebol de várzea e se constroem estádios. Acabam
com as peladas e se reduzem todos os peladeiros a meros assistentes
nos grandes estádios. Não dão espaço
pra quadras de samba e põem o povo pra assistir ao desfile.
Os bailinhos, os timecos de esquina, as festinhas das comunidades
dos bairros estão desaparecendo. E o homem nas grandes cidades
vai ficando cada vez mais tenso.
Diziam
nas rodas de samba que a Barroca Zona Sul tinha feito um despacho
de duas mil galinhas, que a Vai-Vai defumou o bairro inteiro do
Bexiga, que a diretoria do Camisa Verde e Branco da Barra Funda
fez um forte trabalho na cachoeira, que o charuto do Juarez da Cruz
da Mocidade Alegre estava cruzado com cinza de cemitério,
que o Paulistano da Glória fez muito padê e que teve
escola que até deu um boi em pé na macumba. Se é
verdade, não sei. Mas, todas essas escolas desfilaram muito
bem. O Carnaval só não foi um sucessão por
causa da desorganização da Secretaria de Turismo.
Mas, essa deu crepe. O Caboclo Jaraguá, que pegou seu serviço,
não funcionou.
A Escola
de Samba Paulistano da Glória trouxe a sua bateria tocando
jongo-macumba, que é a batida conhecida por caxambu. Ver
uma coisa dessas em escola de samba hoje em dia é raro. Muito
raro mesmo. Será que a comissão julgadora consegue
ver isso? Será que a comissão julgadora percebe a
importância que tem pra cultura popular brasileira uma escola
de samba como o Paulistano da Glória?
Agora, aqui em São Paulo é moda a escola homenagear
um artista, fazendo da vida dele seu enredo. Só que a vida
desses artistas cantados pelas escolas de samba dá a impressão
de que nem foram vividas. Lamentável a homenagem da Escola
de Samba Morro da Casa Verde a Cacilda Becker. Outra coisa que é
moda é o artista homenageado com enredo vir de carro-alegórico.
Joel de Almeida, homenageado pela E. S. Meninos Lá de Casa,
e Procópio Ferreira, homenageado pela Mocidade Alegre do
Bairro do Limão, foram alegorias dessas escolas. Sobre isso,
Procópio Ferreira me disse:
- A escola estava bonita. Mas só tinha dois mil componentes.
Não dava nem pra formar a ala das minhas ex-mulheres.
Mais uma vez fica provado que a intelectualidade brasileira só
não é júri de programa de Silvio Santos e Chacrinha
porque esses não conhecem os intelectuais e não os
convidam. Mas, no Carnaval, quando os intelectuais são convocados
pra julgar escola de samba, vão correndo e vão por
um cachê tão mixo, que seria recusado por Zé
Fernandes, Wilza Carla, Elke Maravilha, Pedro de Lara e por qualquer
outro julgador profissional.
Uma comissão julgadora naturalmente julga o que vê
pelos seus padrões culturais. A intelectualidade de um país
subdesenvolvido como o Brasil recebe formação importada,
do jardim da infância até a faculdade, e acaba sendo
completamente ignorante em relação à cultura
popular. Aí, se colocada na posição de julgar
a arte popular, comete verdadeiros crimes. E quando esse julgamento
então vêm acompanhando de prêmios pros considerados
melhores e castigo para os que são considerados piores, o
crime contra as manifestações espontâneas são
muito mais horripilantes, porque o povo que sempre foi condicionado
pelos colonialistas a achar que é inculto, se acanha diante
dos elitistas, sente vergonha da própria arte e tenta imitar
a cultura de consumo importada, na vã esperança de
agradar seus censores intelectuais. É isso o que vem acontecendo
com nossas escolas de samba. Anos a fio, julgados por intelectuais
elitistas, os sambistas viam, pálidos de espanto, seus valores
mais autênticos serem menosprezados nas notas dadas pelos
júris. Aí, os sambistas, balançados nas suas
raízes culturais, nas suas crenças, começaram
a duvidar das suas mais autênticas formas de expressão.
Sendo dia e noite engravidados pelos olhos e ouvidos pela cultura
de consumo que ocupa nossos veículos de comunicação,
os sambistas e os artistas do povo se confundiram totalmente e foram
procurar socorro em intelectuais e na periferia da intelectualidade
encontraram gente querendo aparecer mais do que carro-alegórico.
Resultado: hoje o que menos interessa na escola de samba é
samba. Fantasia com paetês, vidrilho, lantejoula e missangas,
alegorias com cascata e crocodilo contam mais do que samba-enredo
e que samba no pé. E com essas e outras, o sambista vai afastando
das escolas. Os compositores de samba-enredo das escolas vão
sendo marginalizados e em seus lugares vão aparecendo os
catitus, que já desgraçaram a marchinha de carnaval
e que agora vão fazendo o mesmo com o samba-enredo. Esses
catitus, mancomunados com os agentes das gravadoras (quase todas
multinacionais) e disc-jóqueis corruptos, fazem uma máfia
que determina o que o povo deve cantar ou não. E o Estado,
o Governo, que devia ser o primeiro a zelar pela cultura do povo,
ajuda a esmagar as manifestações espontâneas,
censurando o que é autêntico, o que representa a realidade,
e incentivando com subvenções tudo aquilo que agrada
turista, intelectuais paternalistas e que naturalmente não
incomoda socialmente.
Nada pode ser mais absurdo do que um bailão pra sessenta
mil pessoas. Nada pode ser mais absurdo do que sessenta mil pessoas
dançando ao som de um toca-fitas. Nem os maiores artistas
de vanguarda, nem os maiores mestres da ficção poderiam
imaginar um negócio tão absurdo como um bailão
onde sessenta mil pessoas dançam ao som de um toca-fitas.
Só mesmo a Prefeitura de São Paulo é que podia
ter essa idéia anã de fazer um bailão gigante.
Ali, no meio do baile, as pessoas se tornam tensas em grau extremo,
ficam terrivelmente agressivas, querem entrar nesse baile armadas,
vão certas de que terão que se defender, vão
certas de que terão que agredir. A Prefeitura de São
Paulo, em vez de bolar um carnaval pra descontrair o povo gasta
uma tremenda fortuna pra abilolar esse povo de uma vez.
Fora esse bailão pra sessenta mil pessoas, no Anhembi, fora
o desfile de escolas de samba na Avenida Tiradentes e em alguns
poucos bairros, a Prefeitura não fez mais nada. Mesmo pra
fazer só essas coisas, a Prefeitura gastou uma fortuna. E
mesmo gastando uma fortuna pra fazer essas poucas coisas, a Prefeitura
se sentiu obrigada a contratar uma firma particular, a Jaraguá,
pra organizar o Carnaval. Diante disso tudo, a gente pergunta: pra
que servem os milhares e milhares de funcionários públicos
da Prefeitura de São Paulo? Pra que servem os funcionários
da Secretaria de Turismo e Fomentos do Município, à
qual o Carnaval está afeto? Será que eles só
servem pra contratar a Companhia Jaraguá pra fazer a coisa
pra eles?
O simpático Cláudio Lembo, presidente da Arena, disse
no microfone de uma emissora que realmente algumas críticas
ao Carnaval de São Paulo procediam, mas que ele achava que
todos deveriam colaborar enviando sugestões ao prefeito.
Juro por Deus que eu pensava que o Senhor Prefeito lia jornal, porque
a imprensa não faz outra coisa a não ser dar sugestões
pra um carnaval melhor. Mas, mesmo nosso prefeito não perdendo
tempo lendo jornais, eu gostaria de informar que uma firma comprou
e pagou pareceres do Rossini Tavares de Lima, do Zé Ramos
Tinhorão, do Walter Silva (Picapau), do Caetano Zama, do
Derli, presidente da UESP, sobre o carnaval dessa cidade, e os vendeu
posteriormente para a Prefeitura. E segundo me consta, esses pareceres
foram todos enfurnados. Ninguém ali recomendou bailão
com toca-fitas pra sessenta.
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