CARIOCAS NO SAMBA PAULISTA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, domingo, 5 de dezembro de 1976
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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Plínio Marcos
B.
Lobo
No
tempo em que cordões de Carnaval eram a alegria do povão
da Paulicéia, já havia grandes compositores, carnavalescos,
passistas, porta-bandeiras e mestres-salas cariocas fazendo e acontecendo
na nossa capital. B. Lobo era um deles. O grande B. Lobo, compositor
de "Abre-Alas":
Ô abre alas
ô abre alas
deixa o Capela passar
Escuta o rufar do meu tambor
O regimento do samba chegou, ô-ô-ô
Já famoso nas rodas de samba do Rio de Janeiro, manjadíssimo
na Lapa e bem chegado em qualquer pagode, o B. Lobo, por razões
dele, resolveu emigrar pra São Paulo. E veio com tudo que
tinha. Um terno e sapato marrom e branco. Segundo ele mesmo, foi
o primeiro crioulo a usar sapato fantasia aqui em São Paulo.
Se destacou logo que desembarcou, por essa bossa. Foi andando pela
rua e não demorou pra polícia se apresentar:
- Documento, negão.
Ele não se fez de rogado. Alfaiate de profissão, não
era nenhum vadio. Mas, mesmo assim, os homens estranharam ele e
deram um alô:
- Com esse sapato todo afrescalhado, tu não vai ter boa vida
por aqui.
B. Lobo não queria complicação. O primeiro
engraxate que viu era um negrinho cheio de truques. B. Lobo deu
as ordens:
- Tinge esse pisante de preto e com capricho.
O engraxate obedeceu e, enquanto trabalhava, batucava um samba na
caixa. O B. Lobo se impressionou:
- De quem é esse samba, moleque?
Meio encabulado, o negrinho deu a autoria:
- É meu.
- Teu mesmo?
- É.
- Como é teu nome?
- Toniquinho.
E era o Toniquinho mesmo o engraxate. Toniquinho Batuqueiro, nascido
e criado no Pau Queimado, sobrinho do Zé Almofadão,
genial curuzeiro, e neto do Velho Silvério, maior tocador
de tambu de todo o Brasil, além de ser um famoso macumbeiro.
B. Lobo conheceu o Toniquinho e se sentiu em casa. São Paulo
tinha samba. Samba da pesada. Então, ele se instalou e nunca
mais foi embora.
Talismã,
o seu Mumu
O
Talismã de Rocha Miranda, Seu Mumu pros íntimos, é
sem favor nenhum um dos maiores artistas populares do Brasil. Fez
de tudo. Poeta de uma pureza rara, compositor de grande sensibilidade,
escultor primoroso, que sempre ganha nota dez com os seus carros-alegóricos,
tocador de violão, cantor, humorista e tudo mais. Como veio,
nem ele sabe explicar direito. Dizem que foi depois de um fracasso
que teve no Circo do Dudu, lá no Rio de Janeiro. Anunciaram
o Talismã e ele entrou todo cheio de manha, com seu violão.
Mas, antes de anunciar a música, a platéia começou
a exigir que ele cantasse um jingle do Detefon, que era muito tocado
nas rádios. O Talismã não queria. Não
tinha nada que ver com o jingle. Mas, a platéia insistia,
insistia e, pra evitar que quebrassem o circo, ele cantou. Saiu
do espetáculo arrasado. Pegou o ônibus e veio embora.
Quando deu por si, estava em São Paulo. Quando deu por si,
já estava fazendo samba pro Camisa Verde e Branco. Foi metendo
a mão. Quando o Talismã chegou em São Paulo,
o forte eram os cordões. Escola de samba saía na base
de muita cor, valendo fantasia de toureiro, pirata da perna de pau,
jardineiro e dominó. Talismã se assustou. Pensou em
ir embora. Mas não foi. Hoje está inteirinho em São
Paulo.
Jangada
Marco
Aurélio Guimarães, o Jangada, jornalista atualmente
trabalhando no Placar, é uma das maiores autoridades do samba
no Brasil. Compositor, carnavalesco, diretor de harmonia de várias
escolas do Rio de Janeiro, como Unidos de Lucas, Aprendizes de Lucas,
Vila Santa Teresa, Independentes do Zumbi, veio pra trabalhar como
jornalista. Chegou dizendo que São Paulo não dava
samba, arrumou muitos atritos, mas acabou indo ver o samba da Paulicéia
de perto. Gostou de alguma coisa, de outras não, mas entrou
em tudo. Não vai mais embora. É uma figura folclórica,
briga por qualquer coisinha, mas é uma alma boa que não
vacila em ajudar sambistas e escolas de samba pequenas. Não
tem preço a contribuição que o Jangada vem
dando ao samba aqui em São Paulo.
Silvio Modesto
Silvio Modesto é considerado o mais completo sambista carioca
em São Paulo. Mestre-sala nota dez, compositor inspirado,
excelente ritmista e um dos maiores partideiros do Brasil. Veio
pra São Paulo pra desafogar, que a maré não
estava pra peixe lá na Carioca. Veio se virando com os bilhetes
premiados. Naquela de jogar a sorte grande no pé do otário
e dizer que foi o destino. Encontrou por acaso o Jangada. Já
se conheciam de velhos carnavais. Firmaram uma parceria e vêm
sempre juntos. É outro carioca que não pensa em ir
embora nunca mais.
Marina Luíza
Nascida
em Vila Isabel, acordada, como ela mesma diz, na Praça
Onze, é uma senhora porta-bandeira que começou nos
blocos do Rio de Janeiro: Bafo da Onça, Estrela do Botafogo,
Além do Horizonte, Inocentes do Lema, Morro de Fome Mas
Não Trabalho, Não Empurra Que É Pior, Come
e Dorme. Depois, pegou estandarte de rancho e depois, só
depois de muitos carnavais, é que conseguiu ser porta-bandeira
da gloriosa Escola Mocidade Louca de Botafogo. Ganhou a bandeira
no meio da batalha, dançou com mestres-salas famosos como
Catira, Bulcão, Mário, Haroldo, Aluísio.
Depois, veio pra São Paulo, com o grupo do Solano Trindade.
Aqui conheceu o Wilson de Moraes, arquiteto e sambista, casou
e ficou. Com o Wilson de mestre-sala, saiu anos e anos pelo Camisa
Verde e Branco da Barra Funda. Agora estão na Barroca.
Vem
chegando mais
Muitos
sambistas do Rio de Janeiro estão vindo pra São
Paulo. Delegado, Balalaica, Nega Pele já têm desfilado
em São Paulo. Há muitos anos atrás, Mano
Décio e Silas de Oliveira faziam sambas-enredo pra escola
Acadêmicos do Tatuapé. E muitos outros sambistas
do Rio colaboram com o samba de São Paulo.
A influência dos cariocas já é facilmente
notada nas escolas de samba de São Paulo. Mas, naturalmente,
não se deve essa influência apenas à presença
desses sambistas. Por exemplo, se dependesse do Jangada, com certeza
o samba rural (paulista) seria integralmente preservado. Mas o
rádio e a televisão divulgam apenas o samba carioca.
Aí, já viu. As escolas do Rio de Janeiro, durante
o ano inteiro, cantam seus próprios sambas de quadra e
aqui as nossas escolas cantam o samba carioca, ou o sambão
fabricado em estúdios. Mas, de qualquer maneira, as nossas
baterias ainda guardam alguma coisa do ritmo pesado, que era característica
dos cordões.
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