A VOLTA DE PLÍNIO MARCOS

Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 6 fevereiro de 1977

Neste texto foi mantida a grafia original

Plínio Marcos

Eis-me de novo escancarando as minhas mal-traçadas linhas na imprensa nacional. Estou de volta sem mágoas e sem rancores. Não voltei pra cobrar agravos e menos ainda pra afrontar alguém. Estou aqui apenas com as mesmas finalidades de sempre: defender o feijão com tranqueira e defender pontos de vista. Se conseguir inquietar meus leitores, melhor ainda. Voltei depois de longo tempo afastado do jornalismo por motivo de força maior, aliás, de força muito maior.
Fiquei de fora em tremenda dureza. Foi um tempo difícil, que só não foi mais difícil porque tive bons amigos que me garantiram o taco e pagaram pra ver, como, por exemplo, foi o caso desse grande jornalista e belíssima figura humana que é o Mino Carta, que se arriscou a me levar pra revista Veja, depois de três meses em que eu estava desempregado. Fiquei lá um tempo. Fui despedido e não foi ele, Mino Carta, diretor da revista, que me despediu.
Então, ele saiu junto. Teve entra-sai e sai-entra. Mas, a verdade é que ele largou um empregão em termos de grana por ser um jornalista íntegro, que não aceita interferência na sua redação. Saiu, foi dar duro, formar sua própria revista, ISTO É, que sem dúvida já pegou. Eu podia ter ficado lá com ele. E moralmente, fiquei. Mas estava me faltando gás pra escrever a respeito de mil e um assuntos. A prensa era muito forte, pra eu ficar abrindo todo o baralho.
Pra escrever qualquer coisinha, a barba crescia. Não me agradava. Sabe como é, eu escrevo e gosto paca de escrever pra jornal e revista. Mas, tenho mil peças, romances, contos pra escrever. E quando escrever pra jornal e revista fica penoso, é melhor parar porque atrapalha o resto. E foi por isso que não fiquei na ISTO É. Saí pra outra. Fui brincar de ser ator. Fui chamado pra fazer um papel de São Francisco de Assis, no Canal 2, Tevê Cultura. Gravei uma parte, me pagaram e me mandaram embora, alegando que eram ordens superiores. Aí, a barra pesou mesmo. Ninguém me dava emprego em televisão. Falavam que os homens não deixavam. Que havia ordens pra não me darem emprego. O Carlos Alberto de Nóbrega, essa santa criatura, escutou isso e, como toda pessoa justa, ficou indignado. Foi tirar satisfação com um general amigo dele. Era tudo mentira. Não havia ordem nenhuma. As pessoas não me davam emprego na televisão porque não queriam. Ele, Carlos Alberto, me deu um cachê. Ótimo cachê, só pra provar que podia. E daria outros, se não tivessem feito tudo pra ele se cansar e pedir demissão. O Sílvio Santos também toda hora me chamava pra participar do seu programa e faturar um cachê. E lá podia. Os outros, os bons meninos, é que não queriam que eu entrasse pra televisão. Paciência. Eles, os bons meninos, meus colegas de ofício, é que não queriam. Mas eu não estava órfão. Muita gente se apresentava pra me ajudar. De todos os meus setores de atividade, vinham os alôs, os "estamos aí". Do teatro, Juca de Oliveira, Flávio Rangel, Osvaldo Loureiro, Paulo Pontes, Etty Fraser, Marlene França, o Bucka, o Osmar Rodrigues Cruz, a Ruth Escobar e tantos e tantos outros. Do futebol, o Tobias, o Estevão (mesmo de perna quebrada), o Eli, o Bô, o Helinho queriam até fazer jogo beneficente. O Toniquinho, o Zeca da Casa Verde e outra patota do samba queriam rachar seus poucos ganhos comigo.
O Geraldão, que sabe mais de mim, é que não deixou. E fomos em frente. Eu editei um livrinho lá na Símbolo, "Reportagem Maldita - Querô". E saí vendendo nos botecos desta cidade. A Walderez trabalhava e a gente levava. Os estudantes começaram a me chamar pra fazer coferências e shows e me davam uma grana, compravam meu livro e lá ía eu, pra dizer: que um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão mais autênticas jamais será um povo livre; que são 170 filmes estrangeiros que passam na televisão de São Paulo por semana; que isso amesquinha o mercado do artista brasileiro, que se vê constrangido a se calar, a não discutir os aspectos culturais da sua profissão e que não reage coletivamente contra a importação de cultura de consumo que, além de tudo, vai descaracterizando o homem comum brasileiro e esmagando cada vez mais as manifestações espontâneas do nosso povo. Andei muito pelas faculdades. Fui impedido de entrar em muitas delas, mas não corri, nem me apavorei. Acabei sendo escolhido paraninfo da turma de Comunicações de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Vendi livros nos bares, fiz shows em boates, joguei futebol no interior num time de jogadores profissionais, fiz das tripas coração pra não piorar o gordurante das crianças lá de casa. Deu pra prá aguentar o repuxo. Deu pra saber que dá pra encarar as bananosas. Aí, aliviou um pouco.
Me chamaram pra fazer uma novela. O Rildo Gonçalves, o autor Marcos Rey, o diretor Antoninho Matos prometeram que ía ser tudo na base do diálogo. O nosso trabalho discutido, pensado, caprichado. Entrei. Não era nada disso, tudo na base do afogadilho, do vamos nós, quem pensa e discute é criador de caso, quem dirige tem que fazer dar Ibope, se não cai do posto, não existem condições de trabalho. Sacrificam pessoas sem a mínima cerimônia. A mínima reivindicação de direitos soa como uma violenta agressão. Saí da novela. E já saí tarde. Eu e outros. Enquanto isso, o artista americano morto continua trabalhando mais que o artista brasileira vivo, na televisão a cores. Mas, eu, estou fortalecido. Não tenho medo de desemprego. Não vou ter que engolir sapo. Já estava pensando em sair por aí outra vez vendendo livro, quando o Tarso me chamou pra defender o meu aqui nas Folhas. E aqui estou. Plínio Kid em carne e osso. Mandando ver. Os peles vermelhas podem trocar bala com os caras pálidas, que nem me afobo. Conheço o enredo e só vou morrer no fim da fita.
 

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.