Plínio Marcos
Eis-me
de novo escancarando as minhas mal-traçadas linhas na imprensa
nacional. Estou de volta sem mágoas e sem rancores. Não
voltei pra cobrar agravos e menos ainda pra afrontar alguém.
Estou aqui apenas com as mesmas finalidades de sempre: defender
o feijão com tranqueira e defender pontos de vista. Se conseguir
inquietar meus leitores, melhor ainda. Voltei depois de longo tempo
afastado do jornalismo por motivo de força maior, aliás,
de força muito maior.
Fiquei de fora em tremenda dureza. Foi um tempo difícil,
que só não foi mais difícil porque tive bons
amigos que me garantiram o taco e pagaram pra ver, como, por exemplo,
foi o caso desse grande jornalista e belíssima figura humana
que é o Mino Carta, que se arriscou a me levar pra revista
Veja, depois de três meses em que eu estava desempregado.
Fiquei lá um tempo. Fui despedido e não foi ele, Mino
Carta, diretor da revista, que me despediu.
Então, ele saiu junto. Teve entra-sai e sai-entra. Mas, a
verdade é que ele largou um empregão em termos de
grana por ser um jornalista íntegro, que não aceita
interferência na sua redação. Saiu, foi dar
duro, formar sua própria revista, ISTO É, que sem
dúvida já pegou. Eu podia ter ficado lá com
ele. E moralmente, fiquei. Mas estava me faltando gás pra
escrever a respeito de mil e um assuntos. A prensa era muito forte,
pra eu ficar abrindo todo o baralho.
Pra escrever qualquer coisinha, a barba crescia. Não me agradava.
Sabe como é, eu escrevo e gosto paca de escrever pra jornal
e revista. Mas, tenho mil peças, romances, contos pra escrever.
E quando escrever pra jornal e revista fica penoso, é melhor
parar porque atrapalha o resto. E foi por isso que não fiquei
na ISTO É. Saí pra outra. Fui brincar de ser ator.
Fui chamado pra fazer um papel de São Francisco de Assis,
no Canal 2, Tevê Cultura. Gravei uma parte, me pagaram e me
mandaram embora, alegando que eram ordens superiores. Aí,
a barra pesou mesmo. Ninguém me dava emprego em televisão.
Falavam que os homens não deixavam. Que havia ordens pra
não me darem emprego. O Carlos Alberto de Nóbrega,
essa santa criatura, escutou isso e, como toda pessoa justa, ficou
indignado. Foi tirar satisfação com um general amigo
dele. Era tudo mentira. Não havia ordem nenhuma. As pessoas
não me davam emprego na televisão porque não
queriam. Ele, Carlos Alberto, me deu um cachê. Ótimo
cachê, só pra provar que podia. E daria outros, se
não tivessem feito tudo pra ele se cansar e pedir demissão.
O Sílvio Santos também toda hora me chamava pra participar
do seu programa e faturar um cachê. E lá podia. Os
outros, os bons meninos, é que não queriam que eu
entrasse pra televisão. Paciência. Eles, os bons meninos,
meus colegas de ofício, é que não queriam.
Mas eu não estava órfão. Muita gente se apresentava
pra me ajudar. De todos os meus setores de atividade, vinham os
alôs, os "estamos aí". Do teatro, Juca de
Oliveira, Flávio Rangel, Osvaldo Loureiro, Paulo Pontes,
Etty Fraser, Marlene França, o Bucka, o Osmar Rodrigues Cruz,
a Ruth Escobar e tantos e tantos outros. Do futebol, o Tobias, o
Estevão (mesmo de perna quebrada), o Eli, o Bô, o Helinho
queriam até fazer jogo beneficente. O Toniquinho, o Zeca
da Casa Verde e outra patota do samba queriam rachar seus poucos
ganhos comigo.
O Geraldão, que sabe mais de mim, é que não
deixou. E fomos em frente. Eu editei um livrinho lá na Símbolo,
"Reportagem Maldita - Querô". E saí vendendo
nos botecos desta cidade. A Walderez trabalhava e a gente levava.
Os estudantes começaram a me chamar pra fazer coferências
e shows e me davam uma grana, compravam meu livro e lá ía
eu, pra dizer: que um povo que não ama e não preserva
suas formas de expressão mais autênticas jamais será
um povo livre; que são 170 filmes estrangeiros que passam
na televisão de São Paulo por semana; que isso amesquinha
o mercado do artista brasileiro, que se vê constrangido a
se calar, a não discutir os aspectos culturais da sua profissão
e que não reage coletivamente contra a importação
de cultura de consumo que, além de tudo, vai descaracterizando
o homem comum brasileiro e esmagando cada vez mais as manifestações
espontâneas do nosso povo. Andei muito pelas faculdades. Fui
impedido de entrar em muitas delas, mas não corri, nem me
apavorei. Acabei sendo escolhido paraninfo da turma de Comunicações
de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Vendi livros nos bares, fiz
shows em boates, joguei futebol no interior num time de jogadores
profissionais, fiz das tripas coração pra não
piorar o gordurante das crianças lá de casa. Deu pra
prá aguentar o repuxo. Deu pra saber que dá pra encarar
as bananosas. Aí, aliviou um pouco.
Me chamaram pra fazer uma novela. O Rildo Gonçalves, o autor
Marcos Rey, o diretor Antoninho Matos prometeram que ía ser
tudo na base do diálogo. O nosso trabalho discutido, pensado,
caprichado. Entrei. Não era nada disso, tudo na base do afogadilho,
do vamos nós, quem pensa e discute é criador de caso,
quem dirige tem que fazer dar Ibope, se não cai do posto,
não existem condições de trabalho. Sacrificam
pessoas sem a mínima cerimônia. A mínima reivindicação
de direitos soa como uma violenta agressão. Saí da
novela. E já saí tarde. Eu e outros. Enquanto isso,
o artista americano morto continua trabalhando mais que o artista
brasileira vivo, na televisão a cores. Mas, eu, estou fortalecido.
Não tenho medo de desemprego. Não vou ter que engolir
sapo. Já estava pensando em sair por aí outra vez
vendendo livro, quando o Tarso me chamou pra defender o meu aqui
nas Folhas. E aqui estou. Plínio Kid em carne e osso. Mandando
ver. Os peles vermelhas podem trocar bala com os caras pálidas,
que nem me afobo. Conheço o enredo e só vou morrer
no fim da fita.
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