A MUSICA FRANCEZA NO NORTE DA EUROPA

Publicado na Folha da Manhã, sexta-feira, 19 de junho de 1926

Neste texto foi mantida a grafia original

O Impressões de Mauricio Ravel, o autor de "L'heure espagnole" - O libreto e a musica dessa obra Mauricio

Ravel acaba de realizar importante excursão artistica na Suecia, na Noruega, na Dinamarca e na Escocia. Por occasião de sua passagem por Bruxellas, o grande orgam hollandez "Telegraaf" mandou um dos seus redactores colher as impressões de viagem do celebre autor de "Apprenti sorcier" e hoje um dos chefes das modernas tendencias da musica franceza.

Mauricio Ravel, cujo nome figura na primeira plana dos compositores contemporaneos torna-se agora lembrado pelo ruidoso exito que obteve a sua obra "Heure espagnole" em Turim - uma das novidades que teremos occasião de conhecer na proxima estação lyrica - declarou-se lisonjeado pelo acolhimento que lhe dispensaram em todos os centros que teve ensejo de visitar. "Os compositores dos paizes que percorri - assim se exprimiu o celebre compositor - gostam muito de Brahms. Mostram-se mais inspirados pela musica allemã do que pela admiravel e pittoresca musica de Grieg e de Svendsen, o que é a meu ver, lamentavel.

Os musicos francezes soffrem mais a influencia de Grieg e de Svendsen do que os compatriotas desses dois grandes artistas. Pude, porém, felizmente, constatar a grande comprehensão que o publico scandinavo tem da musica franceza, pois a acolhida às minhas obras foi das mais calorosas. Não devo, portanto, ser ingrato para os ouvintes que, em Edinburg, onde dirigi um concerto, me aclamaram com delirante enthusiasmo".

O nome de Mauricio Ravel dispensa quaesquer referencias. Limitar-no-emos, pois, a accrescentar algo acerca de sua obra "L'heure espagnole", que dentro em breve será cantada no nosso principal theatro. Escripta em 1907, foi executada pela primeira vez na Opera Comique de Paris, em 1911. O libretista Franc Nohain, que foi o collaborador literario de Ravel, desenvolveu nella uma aventura de sabor bocca ciano. A trama de "L'heure espagnole" acompanha o rithmo dos relogios. Na relojoaria de Torquemada, que alem de possuir os mais bellos e sonoros relogios de Andaluzia tem uma esposa que muitos cobiçam, occorre um episodio jocoso, entre o truculento tropeiro Ramiro, e estudante romantico Gonçalvo, o abastado e aparvalhado banqueiro Inigo Gomes, todos elles perdidos de amores por d. Concepcion, a requestada mulher do fabricante de relogios. D. Concepcion, com a cumplicidade de um relogio, depois de haver enganado o por demais platonico banqueiro, e o estudante por demais choramingas, a todos prefere o rude e masculo tropeiro.

A Torquemada outro consolo não resta que o de haver vendido uma grande pendula, que o banqueiro se viu obrigado a comprar porque nella se escondera...

O valor da comedia musicada por Mauricio Ravel, na opinião de autorizado critico, reside na vivacidade da acção e no dialogo brejeiro. A musica descreve com subtil ironia as varias atitudes comicas, mas levemente, sem vulgaridade. O comico toca, às vezes, às raias da caricatura, mas nunca ultrapassa os limites traçados por um gosto fino e aristocratico.

Nos coloridos, Ravel é sempre artista minucioso, quasi miniaturista, encantadoramente francez. As pinceladas com que colore, sublinhando-se, as expressões do dialogo, são outros tantos pequenos achados em perfeita harmonia de medidas e de nuanças com as expressões verbaes. Ravel orchestrador usa, tambem nessa composição, as mais delicadas combinações de accentos da musica impressionista, tal como nas suas melhores composições para orchestra. Mas, em equilibrio com a tenue trama comica, usa mais parcamente da sonoridade.

Como compositor lyrico, sem ser mais profundo do que nas suas musicas de camera, é, em alguns pontos da comedia, mais claro e menos triste. A musica de "L'heure espagnole" é, enfim, a arte de um temperamento requintado, que despreza os effeitos grosseiros.


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