O
Impressões de Mauricio Ravel, o autor de "L'heure espagnole"
- O libreto e a musica dessa obra Mauricio
Ravel
acaba de realizar importante excursão artistica na Suecia,
na Noruega, na Dinamarca e na Escocia. Por occasião
de sua passagem por Bruxellas, o grande orgam hollandez
"Telegraaf" mandou um dos seus redactores colher as
impressões de viagem do celebre autor de "Apprenti sorcier"
e hoje um dos chefes das modernas tendencias da musica
franceza.
Mauricio
Ravel, cujo nome figura na primeira plana dos compositores
contemporaneos torna-se agora lembrado pelo ruidoso
exito que obteve a sua obra "Heure espagnole" em Turim
- uma das novidades que teremos occasião de conhecer
na proxima estação lyrica - declarou-se lisonjeado pelo
acolhimento que lhe dispensaram em todos os centros
que teve ensejo de visitar. "Os compositores dos paizes
que percorri - assim se exprimiu o celebre compositor
- gostam muito de Brahms. Mostram-se mais inspirados
pela musica allemã do que pela admiravel e pittoresca
musica de Grieg e de Svendsen, o que é a meu ver, lamentavel.
Os
musicos francezes soffrem mais a influencia de Grieg
e de Svendsen do que os compatriotas desses dois grandes
artistas. Pude, porém, felizmente, constatar a grande
comprehensão que o publico scandinavo tem da musica
franceza, pois a acolhida às minhas obras foi das mais
calorosas. Não devo, portanto, ser ingrato para os ouvintes
que, em Edinburg, onde dirigi um concerto, me aclamaram
com delirante enthusiasmo".
O
nome de Mauricio Ravel dispensa quaesquer referencias.
Limitar-no-emos, pois, a accrescentar algo acerca de
sua obra "L'heure espagnole", que dentro em breve será
cantada no nosso principal theatro. Escripta em 1907,
foi executada pela primeira vez na Opera Comique de
Paris, em 1911. O libretista Franc Nohain, que foi o
collaborador literario de Ravel, desenvolveu nella uma
aventura de sabor bocca ciano. A trama de "L'heure espagnole"
acompanha o rithmo dos relogios. Na relojoaria de Torquemada,
que alem de possuir os mais bellos e sonoros relogios
de Andaluzia tem uma esposa que muitos cobiçam, occorre
um episodio jocoso, entre o truculento tropeiro Ramiro,
e estudante romantico Gonçalvo, o abastado e aparvalhado
banqueiro Inigo Gomes, todos elles perdidos de amores
por d. Concepcion, a requestada mulher do fabricante
de relogios. D. Concepcion, com a cumplicidade de um
relogio, depois de haver enganado o por demais platonico
banqueiro, e o estudante por demais choramingas, a todos
prefere o rude e masculo tropeiro.
A
Torquemada outro consolo não resta que o de haver vendido
uma grande pendula, que o banqueiro se viu obrigado
a comprar porque nella se escondera...
O
valor da comedia musicada por Mauricio Ravel, na opinião
de autorizado critico, reside na vivacidade da acção
e no dialogo brejeiro. A musica descreve com subtil
ironia as varias atitudes comicas, mas levemente, sem
vulgaridade. O comico toca, às vezes, às raias da caricatura,
mas nunca ultrapassa os limites traçados por um gosto
fino e aristocratico.
Nos
coloridos,
Ravel é sempre artista minucioso, quasi miniaturista,
encantadoramente francez. As pinceladas com que colore,
sublinhando-se, as expressões do dialogo, são outros
tantos pequenos achados em perfeita harmonia de medidas
e de nuanças com as expressões verbaes. Ravel orchestrador
usa, tambem nessa composição, as mais delicadas combinações
de accentos da musica impressionista, tal como nas suas
melhores composições para orchestra. Mas, em equilibrio
com a tenue trama comica, usa mais parcamente da sonoridade.
Como
compositor lyrico, sem ser mais profundo do que nas
suas musicas de camera, é, em alguns pontos da comedia,
mais claro e menos triste. A musica de "L'heure espagnole"
é, enfim, a arte de um temperamento requintado, que
despreza os effeitos grosseiros.