A MÚSICA ERUDITA E OS SONS DE LOUISIANA

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 1º de fevereiro de 1971
 
Neste texto foi mantida a grafia original

Lenita Miranda de Figueiredo

Não é uma tendencia exclusiva da musica contemporanea o emprego da melodia e do ritmo do imenso tesouro folclorico e popular pelos compositores classicos. Em todos os tempos os musicos têm buscado novos alentos para suas obras. Brahms, Weber, Grieg, Liszt, Rimsky-Korsakov, Glinka e muitos outros plasmaram suas composições com temas populares e folcloricos.

Segundo Ortiz Oderigo, Dvorak teria sido um dos primeiros compositores eruditos a vislumbrar no idioma musical afro-americano uma riqueza ritmica e melodica, digna da atenção. Parece-nos entretanto que o inglês Delius o antecedeu, incluindo fragmentos do cancioneiro negro em uma de suas obras. Nessa mesma epoca outros compositores modernos sentiram-se atraidos pela musica negra de Lousiana.

O compositor e pianista Louis Moreau Gotschalk, que nos visitou no seculo passado e morreu no Rio de Janeiro em 1869, harmonizou muitos temas negros para celebres obras como "The Banjo", "Le Bananier" e "La Bamboula". Nesta ultima o autor captou uma visão melodica das danças do Congo Square. Foi em 1884 que Delius visitou Washington e durante sua permanencia na Florida consagrou-se ao estudo das improvisações e danças da gente de côr. Escreveu então a opera "Koanga" que registra uma "calinda" e o oratorio "Appalachia".

A obra de Dvorak, nesse campo, reveste-se de maior trancendencia porque desde o seu aparecimento difundiu-se pelos Estados Unidos e Europa, marcando de tal maneira um estilo renovador que logo, os compositores chamados "serios" começaram a se interessar pela musica chamada "coisa de negros". Dvorak, em diversas oportunidades, recolheu melodias do folclore de seu pais e utilizou-as como tema principal de suas obras. Morando nos Estados Unidos de 1892 a 1895, pôde, nesses quatro anos recolher, pesquisar e utilizar fragmentos dos "folksongs" de afro-estadunidenses.

Na direção do Conservatorio Nacional de Musica de Nova York orientou seus alunos para os caminhos nacionalistas e nativistas, destacando os reais valores dos temas negros, populares e folcloricos como um inesgotavel manancial de recursos. Foi quando nasceu a "Quinta Sinfonia" chamada "Novo Mundo", apresentada com sucesso inedito pela Sociedade Filarmonica de Nova York em 1893.

Harry Thacker Burieigh, compositor e cantor negro, afirma que nessa sinfonia foram utilizados varios temas que costumava cantar para Dvorak; canções de trabalho e em especial "Swing Low Sweet Charriot" e que o compositor teria usado fragmentos desses "spirituals" em muitos trechos de sua obra. No "Quarteto Americano, Op. 96" e no "Quinteto em mil bemol, Op. 97" também prevaleceriam as mesmas caracteristicas da musica negra.

As obras classicas começaram então a aparecer e anotar acentuada influencia do folclore afro-americano e mais tarde do "ragtime". O jazz penetrava indiscutivelmente no dominio da musica erudita.


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