O SOFISTICADO RECONHECIMENTO DA FRANÇA

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 17 de novembro de 1979

J. B. Natali

PARIS - A emissora estatal "France Culture", levou ao ar, esta semana, dez programas de 60 minutos com uma excelente recapitulação da obra de Heitor Villa-Lobos. Não se trata de uma badalação de massa: a estação, sofisticada ao extremo, abocanha menos de cinco por cento da audiência radiofônica. Mesmo assim, ela registrou de maneira significativa os 20 anos da morte do compositor brasileiro. Entre os iniciados, Villa-Lobos deixou de ser um ilustre desconhecido quando desembarcou pela primeira vez em Paris em 1923. Fascinava pela equidistância que mantinha em relação às "igrejinhas" estéticas locais. E preenchia uma faixa do mercado musical que Bella Bartok abriu com suas pesquisas nacionalistas. Extraindo do Brasil aquilo que Bartok extraía da Hungria, Villa-Lobos não se queimava em polêmicas que na época os músicos mantinham em torno de concepções contraditórias: aceitar ou rejeitar a dodecafonia do "grupo de Viena", integrar ou não o antigermanismo que Alfred Cortot liderava como bom discípulo de Debussy, escapar ou não da influência de Stravinsky e Ravel.
Posicionando-se com seus "choros" a um nível de aceitabilidade auditiva incomparavelmente maior que um Schoenberg ou um Berg, Villa-Lobos conseguiu a inscrição de suas partituras nos concertos e recitais patrocinados por associações que dependiam financeiramente da venda antecipada de ingressos de toda uma temporada a um público de classe média. Não era, propriamente, um compositor reacionário. Mas manipulava uma linguagem tradicional no desenvolvimento de temas brasileiros desconhecidos, e portanto capazes de satisfazer uma certa demanda de exotismo.
É por isso que em 1930, totalizando em duas estadas cinco anos de França, seu nome já inspirava um enorme respeito. Antes mesmo das bachianas, o critico e compositor Florent Shmitt qualificava-o apoteoticamente de "um três quartos de Deus".
Não encontrei, nas publicações consultadas, a mínima critica à adesão política do compositor ao Estado Novo, período de nossa história hostilizado pelas correntes intelectuais francesas adversárias do fascismo. Em compensação, menciona-se com enorme frequência a dimensão didática de sua militância. Roland de Cande, em seu dicionário de compositores, considera sem equivalente seu trabalho de popularização do canto orfeônico no Brasil.
No pós-guerra, Villa-Lobos acentua seu livre trânsito nas instituições francesas encarregadas do mecenato musical. Recebe encomendas da rádio e tv do estado, cuja orquestra sinfônica dirige em concertos públicos ou sessões de gravação. É numa delas que grava com Victória de Los Angeles a conhecidíssima versão da Bachiana Número 5. Consegue mobilizar uma verdadeira máquina humana para gravar, no teatro da Mutialite, o descobrimento do Brasil
Sua reputação, mesmo restrita a um circulo minoritário de melômanos, dispensa o bom relacionamento que manteve no passado com as "vacas sagradas" da interpretação, como o pianista Artur Rubistein, que executou em Paris pela primeira vez, em outubro de 1927, seu Rudepoema.
Passa um mês por ano na França. Hospeda-se no hotel Bedford, onde hoje uma placa de mármore relembra, na entrada, suas frequentes estadias. É lá que recebe a visita de intérpretes e admiradores franceses. Eles se encarregam de divulgar episódios anedóticos sobre suas excentricidades. Uma delas: a rapidez com que compunha de preferência em meio ao maior barulho. Pierre Vidal lembra que a partitura da Fantasia Concertante para violoncelos foi terminada enquanto um gravador reproduzia sua Décima Sinfonia, e um rádio com o volume ao máximo transmitia jingles publicitários. Por fim, vale a pena notar uma espécie de fosso estatístico entre o número de composições de Villa-Lobos e o de gravações disponíveis no mercado discográfico francês. Há pouquíssima coisa. De inédito, apenas os Prelúdios para Violão gravados por Maria Lívia São Marcos e a excelente interpretação de obras para piano que Roberto Szidon gravou na Deutsh Grammophon. Mas há muitas reedições. Exemplo: o Trenzinho Caipira, extraído das Bachianas Brasileiras Número 2, pela Orquestra Sinfônica de Londres dirigida por Eugene Goossens.


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