J.
B. Natali
PARIS - A emissora estatal "France Culture",
levou ao ar, esta semana, dez programas de 60 minutos com uma
excelente recapitulação da obra de Heitor Villa-Lobos.
Não se trata de uma badalação de massa: a
estação, sofisticada ao extremo, abocanha menos
de cinco por cento da audiência radiofônica. Mesmo
assim, ela registrou de maneira significativa os 20 anos da morte
do compositor brasileiro. Entre os iniciados, Villa-Lobos deixou
de ser um ilustre desconhecido quando desembarcou pela primeira
vez em Paris em 1923. Fascinava pela equidistância que mantinha
em relação às "igrejinhas" estéticas
locais. E preenchia uma faixa do mercado musical que Bella Bartok
abriu com suas pesquisas nacionalistas. Extraindo do Brasil aquilo
que Bartok extraía da Hungria, Villa-Lobos não se
queimava em polêmicas que na época os músicos
mantinham em torno de concepções contraditórias:
aceitar ou rejeitar a dodecafonia do "grupo de Viena",
integrar ou não o antigermanismo que Alfred Cortot liderava
como bom discípulo de Debussy, escapar ou não da
influência de Stravinsky e Ravel.
Posicionando-se com seus "choros" a um nível
de aceitabilidade auditiva incomparavelmente maior que um Schoenberg
ou um Berg, Villa-Lobos conseguiu a inscrição de
suas partituras nos concertos e recitais patrocinados por associações
que dependiam financeiramente da venda antecipada de ingressos
de toda uma temporada a um público de classe média.
Não era, propriamente, um compositor reacionário.
Mas manipulava uma linguagem tradicional no desenvolvimento de
temas brasileiros desconhecidos, e portanto capazes de satisfazer
uma certa demanda de exotismo.
É por isso que em 1930, totalizando em duas estadas cinco
anos de França, seu nome já inspirava um enorme
respeito. Antes mesmo das bachianas, o critico e compositor Florent
Shmitt qualificava-o apoteoticamente de "um três quartos
de Deus".
Não encontrei, nas publicações consultadas,
a mínima critica à adesão política
do compositor ao Estado Novo, período de nossa história
hostilizado pelas correntes intelectuais francesas adversárias
do fascismo. Em compensação, menciona-se com enorme
frequência a dimensão didática de sua militância.
Roland de Cande, em seu dicionário de compositores, considera
sem equivalente seu trabalho de popularização do
canto orfeônico no Brasil.
No pós-guerra, Villa-Lobos acentua seu livre trânsito
nas instituições francesas encarregadas do mecenato
musical. Recebe encomendas da rádio e tv do estado, cuja
orquestra sinfônica dirige em concertos públicos
ou sessões de gravação. É numa delas
que grava com Victória de Los Angeles a conhecidíssima
versão da Bachiana Número 5. Consegue mobilizar
uma verdadeira máquina humana para gravar, no teatro da
Mutialite, o descobrimento do Brasil
Sua reputação, mesmo restrita a um circulo minoritário
de melômanos, dispensa o bom relacionamento que manteve
no passado com as "vacas sagradas" da interpretação,
como o pianista Artur Rubistein, que executou em Paris pela primeira
vez, em outubro de 1927, seu Rudepoema.
Passa um mês por ano na França. Hospeda-se no hotel
Bedford, onde hoje uma placa de mármore relembra, na entrada,
suas frequentes estadias. É lá que recebe a visita
de intérpretes e admiradores franceses. Eles se encarregam
de divulgar episódios anedóticos sobre suas excentricidades.
Uma delas: a rapidez com que compunha de preferência em
meio ao maior barulho. Pierre Vidal lembra que a partitura da
Fantasia Concertante para violoncelos foi terminada enquanto um
gravador reproduzia sua Décima Sinfonia, e um rádio
com o volume ao máximo transmitia jingles publicitários.
Por fim, vale a pena notar uma espécie de fosso estatístico
entre o número de composições de Villa-Lobos
e o de gravações disponíveis no mercado discográfico
francês. Há pouquíssima coisa. De inédito,
apenas os Prelúdios para Violão gravados por Maria
Lívia São Marcos e a excelente interpretação
de obras para piano que Roberto Szidon gravou na Deutsh Grammophon.
Mas há muitas reedições. Exemplo: o Trenzinho
Caipira, extraído das Bachianas Brasileiras Número
2, pela Orquestra Sinfônica de Londres dirigida por Eugene
Goossens.