CCOMPOSITORES MODERNOS

DARIUS MILHAUD

Publicado na Folha da Manhã, domingo 17 de junho de 1951

Neste texto foi mantida a grafia original

"Sob uma calma aparente, numa fisionomia quase imovel, uma grande agitação interior, uma paixão contida, uma vida intensa" - assim se refere Paul Landormy em recente estudo sobre o compositor, sua vida e sua obra.
Da mesma idade de Arthur Honegger, Darius Milhaud nasceu em Aix-en-Provence, a 4 de setembro de 1892.
Sua familia amava apaixonadamente a musica. Em boa hora Milhaud conheceu os classicos. Aprendeu violino e, uma vez por semana, fazia parte, com seu professor, de um quarteto de cordas. Permaneceu em sua terra natal até terminar seus estudos no liceu e só foi a Paris depois de ter conquistado seu diploma de bacharel. Depois dos quinze anos, começou a compor. No Conservatorio de Paris, Darius Milhaud passa pelas classes de Berthelier (violino), Lefevre, Paul Dukas (orquestra), Xavier Leroux (harmonia), Gédalge (contraponto), Widor (composição) e Vincent d'Indy (direção de orquestra). Em todas estas materias, o jovem aluno destacou-se de forma notavel entre seus companheiros de estudos. A guerra de 1914 fez com que Darius Milhaud desistisse de concorrer ao Grande Premio de Roma. Tinha então somente 22 anos.
Darius Milhaud é, dentre os compositores franceses contemporaneos, o mais caro, talvez, ao coração dos brasileiros. Isso porque viveu entre nós de 1917 a 1919, como adido à embaixada da França no Rio de Janeiro, quando era ministro Paul Clodel. Antes de regressar à França, depois de deixar a embaixada no Brasil, visitou as Antilhas e os Estados Unidos.
Entrementes, em Paris, Felix Delgrange havia organizado pequenas salas de concerto, onde todos os jovens compositores da epoca encontrariam oportunidade de executar suas obras. Erik Satie, por sua vez, fundava uma nova sociedade musical ("Societé de Nouveaux Jeunes"), da qual faziam parte Georges Auric, Louis Durey, Arthur Honegger, Roland Manuel e Germaine Tailleferre. De seu lado, Madame Jeanne Bathori introduzida nos Concertos de Vieux Colombler as obras destes jovens compositores. O ambiente, portanto, era extremamente propicio a Darius Milhaud que, em seu regresso do Rio de Janeiro, se juntou aos compositores de vanguarda de seu país. Este grupo, que passaria a exercer forte influencia na nova geração de compositores, não somente franceses mas de outros paises, é que veio a constituir o famoso "Grupo dos Seis".
Entretanto, não se constituiram por assim dizer num "partido musical", como seria de prever, praticando e defendendo uma doutrina estetica comum. Pelo contrario, cada um deles conservou sua independencia.
Darius Milhaud foi, na França, o apostolo mais eloquente da politonalidade. A produção de Milhaud é extremamente abundante. Suas primeiras obras datam de 1911, quando apareceu sua Primeira Sonata para Piano e Violino. É uma sonata ainda um pouco audaciosa em nossos dias. Não é uma peça sutil e delicada como a musica de seu amigo Louis Durey, por exemplo. Mas nela se nota, já toda a linguagem musical de Milhaud, rude e vigorosa. Ela traduz estados dalma sombrios, inconstantes, emotivos. Milhaud faz transparecer ali toda sua chama interior. É o musicista da colera, do odio, do desespero, do assombroso, de todas as paixões humanas levadas ao paroxismo.
Os grandes tipos epicos ou tragicos sempre tentaram Milhaud. Nesta ordem de idéias, "Agamemnon", "Les Choéphores" e "Les Euménides" estão compreendidas entre as obras nas quais o compositor manifesta mais completamente seus excelentes dons musicais. Ninguem, como Darius Milhaud, sabe jogar com tanta pericia os instrumentos de percussão. É o que se nota, por exemplo, em seu balé "L'Homme et son Désir", com cenario de Paul Clodel, nesta partitura, faz-se ouvir, em periodos longos, somente a bateria e o ritmo dos instrumentos de percussão, o que basta para provocar a emoção. Toda a violencia dos desejos do homem, toda a tortura que ela lhe inflige, são exprimidas somente pelos instrumentos de percussão: é o ponto culminante do drama.
Nem sempre, porem Darius Milhaud é aquele compositor violento, cheio de vida, explorando o tragico e sombrio. Existem, em sua obra varia e colorida, muitas peças onde se encontram notas doces e ternas, notadamente em seu "Quarto Quarteto para Cordas", há uma sonoridade extremamente suave; em sua "Primeira Sinfonia" e em "Saudades do Brasil", há uma graça encantadora. Sua "Sonatina", para flauta e piano, é tambem de uma ternura à qual ninguem poderá resistir. Suas "Primaveras", por outro lado, já nos haviam revelado em Darius Milhaud uma acentuada disposição bucolica. Jamais escreveu o compositor paginas tão equilibradas, de uma linha tão simples e seguras, como em sua "Sonatina". Nessa obra. Milhaud latiniza-se. Olvidando, por um momento, suas tendencias romanticas, suas paixões desordenada, sua fantasia exuberante, ele parece encontrar esta sobriedade, esta nitidez classica tão conformes com a tradição francesa.
Uma das obras principais de Darius Milhaud é "Cristovão Colombo", drama lirico que alcançou exito consagrador em sua estréia, a 6 de dezembro de 1936, na sala Pleyel, em Paris. Entre suas obras capitais conta-se, tambem "A Criação do Mundo", cuja primeira parte, a introdução, é no dizer de Paul Landormy, "uma das coisas mais admiraveis que se conhece".
Obras principais de Darius Milhaud: "Cristoval Colombo", "La Brebis Égarée", "Le Pauvre Matelot", "Les Malheurs d'Orphée", "Esther de Carpentras", "Maximilien", "Simon Bolivar", liricas. "Le Boeuf sur le Toit", "La Création du Monde", "Le Train Blue" e "Salade", balés. Três sinfonias, cinco pequenas sinfonias para pequena orquestra; "Suite", "Carnaval d'Aix", "Carnaval de Londres", "Ballade" para piano e orquestra, e "Concertos" para piano e dois pianos, obras sinfonicas. Catorze quartetos de cordas, um trio de cordas. "Sonata", para flauta, clarinete e piano: musicas de camara. "Poemas Judaicos", "Melodias Populares Hebraicas", "Alissa" (8 melodias), "Chants de Misére" e "City Prières": musica vocal. "Voyage d'éte" (15 melodias) musica para canto e orgão.

- M.C.


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.