HÁ MEIO SÉCULO, MORRIA CHIQUINHA
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 28 de fevereiro de 1985
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Da
Sucursal do Rio
Na
quinta-feira logo antes do Carnaval, a 28 de fevereiro de 1935,
em meio aos preparativos para o desfile das escolas de samba do
Rio de Janeiro, morria aos 87 anos a lendária, hoje ainda
chamada de audaciosa, compositora e instrumentista Chiquinha Gonzaga.
Nada mais justo, portanto, que este ano, quando se completam,
exatamente hoje, cincoenta anos de sua morte, algumas escolas
de samba - como a Mangueira, do Rio e a Tom Maior, de São
Paulo - prestassem a ela uma homenagem tendo como enredo o roteiro
de sua vida. Uma vida pontilhada de escândalos para a sociedade
do velho Rio de Janeiro do começo do século, uma
vida e obra que só ultimamente, depois de quatro décadas
de silêncio, começam a ter maior divulgação.
Por trás do ressurgimento do interesse por Chiquinha Gonzaga,
está Edinha Diniz, socióloga, a autora de "Chiquinha
Gonzaga, Uma História de Vida", livro que demorou
seis anos da concepção à publicação
e que tenta mostrar, segundo a autora, a verdadeira Chiquinha
Gonzaga. O livro, lançado no ano passado pela Codecri,
deu, ainda, outros frutos dois discos com músicas de Chiquinha
Gonzaga, gravados por Clara Sverner.
O livro de Edinha Diniz é considerado o mais completo sobre
a vida e obra de Chiquinha Gonzaga. Isso porque, para escrevê-lo,
Edinha utilizou o arquivo de Chiquinha, até então
inédito. Músicas, correspondência, recortes
de jornais, fotos, libretos de peças musicadas por ela,
documentos ligados à sua vida profissional estavam guardadas,
há anos, na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (Sbat),
fundada em 1917 pela própria Chiquinha.
Edinha Diniz chegou ao arquivo através de uma informação
da cineasta Ângela Pontual, para quem preparava, na época
(1978), um roteiro para um documentário sobre a compositora.
O filme acabou não sendo realizado, mas a descoberta do
arquivo deixou Edinha entusiasmada com a personalidade de Chiquinha
Gonzaga. Por iniciativa própria, levou dois anos inventariando
e catalogando os documentos na Sbat. E, através desse trabalho,
chegou à conclusão de que poderia não só
resgatar mas, também, revelar a verdadeira história
da compositora de "Ô abre alas".
"Descobri, por exemplo", conta Edinha, "que, ao
contrário do que se lia nos livros sobre Chiquinha, João
Batista Gonzaga, que ela apresentava como filho era, na realidade,
seu amante. Como Chiquinha tinha 52 anos e ele, dezesseis, ao
começarem o relacionamento, essa (a maternidade) foi a
forma que ela encontrou para calar o moralismo da sociedade".
Foi João Batista Gonzaga - que viveu com Chiquinha até
a morte dela - que levou o arquivo para o Sbat. Alguns documentos
indicavam, também, que a compositora não tinha origem
nobre, como se supunha. Para confirmar isso, Edinha foi procurar,
na Igreja de Santana, o registro de batismo da maestrina. E descobriu
que ela nasceu mestiça, filha natural de mãe solteira,
sendo, depois, reconhecida pelo pai.
O material guardado na Sbat possibilitou, também, a Edinha
um levantamento - se bem que incompleto - sobre a obra de Chiquinha
Gonzaga. O catálogo com os nomes das músicas que
conseguiu levantar foi publicado como um apêndice do livro
e, para Edinha, nenhum compositor popular brasileiro criou tanto
quanto Francisca Gonzaga.
"Para se ter uma idéia do seu acervo musical,"
diz Edinha, "basta lembrar que ela compôs muito para
peças musicadas. Fez isso até três anos antes
de morrer, aos 87 anos. Cada peça exigia, em média,
vinte músicas. Por isso, seu repertório é
incomparavelmente maior do que o de Nazareth, por exemplo. Ele,
ao morrer, deixou duzentas composições. As de Chiquinha
ultrapassam o número de mil. Não estou comparando
porque ela, ao contrário dele, fazia só música
para consumo, mesmo. Mas, é só para dar uma idéia
de quanto essa mulher trabalhou".
Outro aspecto da vida de Chiquinha Gonzaga que atraiu Edinha Diniz
foi sua luta pelos direitos autorais. "Ela foi a primeira
a pensar nos direitos do compositor, numa época em que
Sinhô dizia 'samba é como passarinho; de quem pegar
primeiro'". Chiquinha não pensava dessa maneira e
resolveu fundar a Sbat depois de ter descoberto, durante uma viagem
à Alemanha, uma peça sua editada naquele país.
Quando descobriu que quem estava lucrando era Fred Singer, o dono
da Casa Edison, não se conformou. E começou uma
briga, que acabou vencendo.
Todos esses aspectos da vida de Chiquinha Gonzaga atraíram
Edinha Diniz. Ela acha que seu livro atingiu o objetivo: "Mostrar
a mulher Chiquinha Gonzaga, pioneira em usar a liberdade pessoal
numa época em que a figura feminina era inteiramente subjugada."
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