Com Bela Bartok ficou demonstrado, de forma palpavel, que, em
musica, o caminho direto e seguro para o universal é o
nacionalismo.
Nascido em Nagyszentmiklós, na Hungria, Bartok desde logo
compreendeu que Liszt, espirito essencialmente europeu, levado
por seu sentimento poetico, pinturesco e tradicionalista, havia
dado o titulo de cidadania hungara ante o mundo aos ritmos e melodias
ciganas.
A Hungria, que durante mais de três seculos estivera sob
o dominio de povos estranhos, primeiro os turcos e depois os austriacos,
demorou muito em definir sua musica nacional. E foi Liszt, que
nem sequer falava o hungaro, e cuja concepção musical
era inteiramente ocidental, quem procurou pela primeira vez interpretar
o espirito nacional hungaro. Mas este glorificador dos recursos
orquestrais do piano, educado na França, e dedicado, como
todos os romanticos de sua epoca, a "épater le bourgeois",
não soube compreender a realidade musical hungara e, ao
enfrentar as melodias faceis, dolentes e sentimentais dos ciganos,
aí ficou e não prosseguiu pesquisando como o fizeram
depois, em nosso seculo, Bela Bartok e Zoltan Kodaly.
Este era o estado de coisas que predominava no ambiente musical
hungaro, quando apareceram Bela Bartok e Zoltan Kodaly.
Decidido a acabar com o "ciganismo" e a encontrar a
verdadeira fonte da musica popular de seu país, Bartok
começou, em 1905, sua ingente tarefa, internando-se nos
povoados do interior e procurando, entre os magiares, as melodias
virgens que logo haveriam de dar base a um dos movimentos mais
vigorosos do seculo XX.
Não foi nada facil o que se propôs fazer Bela Bartok.
O camponês hungaro, receioso do homem da cidade, em quem
via um cidadão de outras classe, de uma classe dominante
que o havia considerado sempre como elemento de escravidão,
não se prestava a colaborar. Assim, depois de arduo trabalho,
Bartok conseguiu reunir centenas de canções populares
que não haviam ainda transposto o ambiente original.
Com essas armas, Bartok lança-se abertamente em busca de
uma expressão nacional. No inicio de sua carreira de musicista,
notam-se influencias ocidentais: Brahma, Schonberg e Ravel; mas
é precisamente esse aspecto de sua musica o que demonstra
maior debilidade. Em compensação, como em Stravinsky,
são o folclore e o ritmo que fixam a caracteristica principal
da musica do seculo XX, e por fim, a de Bartok. Quando se fala
hoje do ritmo musical, pensa-se inevitavelmente "Petrouschka",
"Le Sacre" ou em "Allegro Barbaro".
Depois de sua sinfonia "Kossuth" - sob a influencia
de "Assim Falava Zaratustra", de Straus - Bela Bartok
alcança quatro pontos culminantes de sua carreira de compositor:
em 1910, sua opera "O Castelo do Barba Azul"; em 1911,
seu "Allegro Barbaro"; em 1917, sua pantomima "O
Principe de Pau" e quase no fim de sua carreira sua suite
"Microcosmos". São quatro obras nas quais se
nota unidade, mas que, no entanto, mantêm suas caracteristicas
proprias que as separam uma das outras.
De fato, no caminho da experimentação e impulsionados
talvez pelo chamado atonalismo de Schonberg, que então
irrompia no ambiente musical europeu, Bartok e Stravinsky entregam-se
ao "primitivismo", de onde haveriam de sair "Allegro
Barbaro" e "Le Sacre", respectivamente.
Ambos os compositores continuaram, desde esse momento, dominados
por esse amor à exploração dos ritmos selvagens
e freneticos, cheios de colorido e de um reflexo claro e preciso,
de uma reação definida contra a musica de salão.
Dos dois, Bartok permaneceu apegado a esse estilo "primitivista",
enquanto Stravinsky se separa algo ao terminar de compor suas
"Bodas", se bem que voltando a ele em seu "Oedipus
Rex", na "Sinfonia dos Salmos" e em "Persefona".
No entanto, há uma diferença fundamental entre os
dois compositores. Enquanto Stravinsky volta seus olhares para
os musicos do passado, Bach ou Handel, ou outro compositor do
seculo XVIII, o estilo de Bartok manteve-se firme, dentro do marco
que ele proprio encontrou depois de haver estudado e aproveitado
os ritmos e melodias dos magiares.
A musica de Bela Bartok tem muitos admiradores, partidarios e
seguidores; mas existe tambem os que a criticam como muito ousada.
O certo, porem, é que sua musica tem personalidade, é
produto autentico da raça, da tradição do
sangue e mostra-nos algo diferente, mas verdadeiro. Sua obra ficará
como unidade verdadeiramente nacional. Antes de Bela Bartok, não
existiam na Hungria musicos que interpretassem, com inteira liberdade
e compreensão, a musica popular.
Orfão de pai muito cedo, Bartok estudou piano com o compositor
hungaro Lazlo Erkel, em Prezburgo, dos doze aos quinze anos de
idade. Em 1899, quando já contava dezoito anos, passou
a cursar estudos musicais na Academia de Budapeste. Em 1907 foi
nomeado professor dessa instituição e, posteriormente,
seu diretor.
Depois de terminada a primeira guerra mundial, durante a ditadura
de Bela Kun, Bartok foi encarregado da direção geral
de musica em sua patria, juntamente com Dohnanyl e Kodaly.
Em 1928 realizou uma "tournée" pelos Estados
Unidos, tocando suas proprias, obras para piano. Mais tarde, em
Roma, ofereceu concertos juntamente com o violinista Joseph Szigeti,
em 1929.
Investigador infatigavel, não contente com seus estudos
de folclore hungaro, visitou a Africa, a fim de recolher mais
de duzentas canções populares arabes. Acredita-se,
tambem, tenha recolhido mais de 2.500 canções populares
rumenas. A estas cifras cumpre acrescentar as 2.700 canções
populares hungaras que serviram de base a sua estrutura musical.
Em 1940, Bartok imigrou para os Estados Unidos, onde viveu até
1945, aí falecendo, longe da patria a que tanto amou e
à qual dedicou quase toda sua existencia para o engrandecimento
de sua musica. O nome de Bartok está hoje, no entanto,
consagrado entre os grandes mestres da divina arte de compor.
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M.C.