BELA BARTOK — ARQUITETO DO NACIONALISMO MUSICAL HUNGARO

Paralelo entre Bartok e Stravinsky

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 16 de setembro de 1951

Neste texto foi mantida a grafia original


Com Bela Bartok ficou demonstrado, de forma palpavel, que, em musica, o caminho direto e seguro para o universal é o nacionalismo.
Nascido em Nagyszentmiklós, na Hungria, Bartok desde logo compreendeu que Liszt, espirito essencialmente europeu, levado por seu sentimento poetico, pinturesco e tradicionalista, havia dado o titulo de cidadania hungara ante o mundo aos ritmos e melodias ciganas.
A Hungria, que durante mais de três seculos estivera sob o dominio de povos estranhos, primeiro os turcos e depois os austriacos, demorou muito em definir sua musica nacional. E foi Liszt, que nem sequer falava o hungaro, e cuja concepção musical era inteiramente ocidental, quem procurou pela primeira vez interpretar o espirito nacional hungaro. Mas este glorificador dos recursos orquestrais do piano, educado na França, e dedicado, como todos os romanticos de sua epoca, a "épater le bourgeois", não soube compreender a realidade musical hungara e, ao enfrentar as melodias faceis, dolentes e sentimentais dos ciganos, aí ficou e não prosseguiu pesquisando como o fizeram depois, em nosso seculo, Bela Bartok e Zoltan Kodaly.
Este era o estado de coisas que predominava no ambiente musical hungaro, quando apareceram Bela Bartok e Zoltan Kodaly.
Decidido a acabar com o "ciganismo" e a encontrar a verdadeira fonte da musica popular de seu país, Bartok começou, em 1905, sua ingente tarefa, internando-se nos povoados do interior e procurando, entre os magiares, as melodias virgens que logo haveriam de dar base a um dos movimentos mais vigorosos do seculo XX.
Não foi nada facil o que se propôs fazer Bela Bartok. O camponês hungaro, receioso do homem da cidade, em quem via um cidadão de outras classe, de uma classe dominante que o havia considerado sempre como elemento de escravidão, não se prestava a colaborar. Assim, depois de arduo trabalho, Bartok conseguiu reunir centenas de canções populares que não haviam ainda transposto o ambiente original.
Com essas armas, Bartok lança-se abertamente em busca de uma expressão nacional. No inicio de sua carreira de musicista, notam-se influencias ocidentais: Brahma, Schonberg e Ravel; mas é precisamente esse aspecto de sua musica o que demonstra maior debilidade. Em compensação, como em Stravinsky, são o folclore e o ritmo que fixam a caracteristica principal da musica do seculo XX, e por fim, a de Bartok. Quando se fala hoje do ritmo musical, pensa-se inevitavelmente "Petrouschka", "Le Sacre" ou em "Allegro Barbaro".
Depois de sua sinfonia "Kossuth" - sob a influencia de "Assim Falava Zaratustra", de Straus - Bela Bartok alcança quatro pontos culminantes de sua carreira de compositor: em 1910, sua opera "O Castelo do Barba Azul"; em 1911, seu "Allegro Barbaro"; em 1917, sua pantomima "O Principe de Pau" e quase no fim de sua carreira sua suite "Microcosmos". São quatro obras nas quais se nota unidade, mas que, no entanto, mantêm suas caracteristicas proprias que as separam uma das outras.
De fato, no caminho da experimentação e impulsionados talvez pelo chamado atonalismo de Schonberg, que então irrompia no ambiente musical europeu, Bartok e Stravinsky entregam-se ao "primitivismo", de onde haveriam de sair "Allegro Barbaro" e "Le Sacre", respectivamente.
Ambos os compositores continuaram, desde esse momento, dominados por esse amor à exploração dos ritmos selvagens e freneticos, cheios de colorido e de um reflexo claro e preciso, de uma reação definida contra a musica de salão.
Dos dois, Bartok permaneceu apegado a esse estilo "primitivista", enquanto Stravinsky se separa algo ao terminar de compor suas "Bodas", se bem que voltando a ele em seu "Oedipus Rex", na "Sinfonia dos Salmos" e em "Persefona".
No entanto, há uma diferença fundamental entre os dois compositores. Enquanto Stravinsky volta seus olhares para os musicos do passado, Bach ou Handel, ou outro compositor do seculo XVIII, o estilo de Bartok manteve-se firme, dentro do marco que ele proprio encontrou depois de haver estudado e aproveitado os ritmos e melodias dos magiares.
A musica de Bela Bartok tem muitos admiradores, partidarios e seguidores; mas existe tambem os que a criticam como muito ousada. O certo, porem, é que sua musica tem personalidade, é produto autentico da raça, da tradição do sangue e mostra-nos algo diferente, mas verdadeiro. Sua obra ficará como unidade verdadeiramente nacional. Antes de Bela Bartok, não existiam na Hungria musicos que interpretassem, com inteira liberdade e compreensão, a musica popular.
Orfão de pai muito cedo, Bartok estudou piano com o compositor hungaro Lazlo Erkel, em Prezburgo, dos doze aos quinze anos de idade. Em 1899, quando já contava dezoito anos, passou a cursar estudos musicais na Academia de Budapeste. Em 1907 foi nomeado professor dessa instituição e, posteriormente, seu diretor.
Depois de terminada a primeira guerra mundial, durante a ditadura de Bela Kun, Bartok foi encarregado da direção geral de musica em sua patria, juntamente com Dohnanyl e Kodaly.
Em 1928 realizou uma "tournée" pelos Estados Unidos, tocando suas proprias, obras para piano. Mais tarde, em Roma, ofereceu concertos juntamente com o violinista Joseph Szigeti, em 1929.
Investigador infatigavel, não contente com seus estudos de folclore hungaro, visitou a Africa, a fim de recolher mais de duzentas canções populares arabes. Acredita-se, tambem, tenha recolhido mais de 2.500 canções populares rumenas. A estas cifras cumpre acrescentar as 2.700 canções populares hungaras que serviram de base a sua estrutura musical.
Em 1940, Bartok imigrou para os Estados Unidos, onde viveu até 1945, aí falecendo, longe da patria a que tanto amou e à qual dedicou quase toda sua existencia para o engrandecimento de sua musica. O nome de Bartok está hoje, no entanto, consagrado entre os grandes mestres da divina arte de compor.

- M.C.


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