CHIANG, DE SENHOR DA CHINA AO ISOLAMENTO NA
ONU
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Publicado
na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 19 de abril de 1974
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texto foi mantida a grafia original
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Taipe, Formosa - Chiang Kaishek um dos revolucionários
que contribuiu para a derrubada da última dinastia imperial
da China, lutou contra o Japão durante a Segunda Guerra
Mundial e depois foi enviado ao exílio pelos comunistas,
após um dos conflitos civis mais sérios do século
XX.
O austero e autoritário general, presidente da China Nacionalista,
viu a posição de seu governo perder terreno no âmbito
mundial até ser expulso das Nações Unidas,
da qual a China Nacionalista foi um dos membros fundadores.
Mas mesmo depois que o mais poderoso amigo de Formosa, os Estados
Unidos, reconheceram de forma tácita, senão formalmente,
a República Popular da China em 1972, Chiang nunca renunciou
a seu sonho de retornar algum dia à sua pátria.
Ultimo dos importantes líderes da Segunda Guerra Mundial,
a vida pública de Chiang estendeu-se a um período
de 60 anos, na época mais turbulenta dos quatro mil anos
da história da China.
Sempre erecto, com um timbre de voz alto e olhar penetrante, Chiang
tornou-se o senhor da China, até que os comunistas finalmente
o derrotaram nas batalhas em que lutaram milhões de soldados.
Chiang manteve-se envolvido na guerra durante quase 40 anos, desde
a revolução de 1911, que derrubou a dinastia Mandchu,
até quando teve de fugir da China continental, em 1949.
Família
rica
Chiang
Kaiskek nasceu em Fenghua, província de Chekiang, no dia
31 de outubro de 1887, filho de um rico proprietário de
terras, quando a China era governada ainda pela atrasada dinastia
Mandchu. Contudo, em sua juventude, assimilou idéias revolucionárias
e rebelou-se contra a ocupação do seu país
por tropas estrangeiras que apoiavam operações muitas
vezes ilícitas de homens de negócios e interesses
externos.
Quando fazia seus estudos secundários decidiu seguir a
carreira militar e cortou então o rabicho, usado por todos
os chineses, em sinal de protesto contra o governo. Apesar disso,
em 1906, foi admitido na Academia Militar de Paoting, na qual
sua brilhante atuação lhe valeu uma viagem de estudos
ao Japão, onde passou dois anos na Escola Militar de Tóquio,
na qual se formou em 1909. O homem que, mais tarde, levaria a
China a uma guerra de oito anos contra o Japão, serviu
durante dois anos como oficial da artilharia no Exército
japones, pouco depois de formado.
No Japão, Chiang Kaishek conheceu Sun Yatsen, que foi o
primeiro presidente da república chinesa e, rapidamente,
conquistou sua confiança. Entrou então para o partido
Tung Men Hui, de Sun Yatsen, que depois se tornou o moderno Kuomintang.
Revolução
Quando,
em 1911 eclodiu a revolução contra a dinastia Mandchu,
Chiang saiu inesperadamente do Japão, enviando sua espada,
seu uniforme e sua renúncia, ao governo japones.
Pouco depois do triunfo da revolução, rivalidades
politicas determinaram a queda de Sun da presidência. Sun
Yatsen estabeleceu-se então em Cantão, onde pediu
ajuda dos Estados Unidos, do Japão e da Grã-Bretanha
para começar uma nova revolução.
Contudo, a única ajuda que recebeu foi da União
Soviética, que concordou em preparar seus soldados e quadros
revolucionários.
Chiang voltou à patria para prevenir Sun Yatsen de que
os soviéticos pretendiam usar o Kuomintang apenas como
um meio de se apoderar da China. Logo depois, Moscou enviou um
revolucionário, Michael Borodin, e um grupo de assessores
militares a cantão para organizar o Exército do
Kuomintang. Chiang tornou-se diretor da recém-organizada
Academia Militar do Partido, em Whampoa.
Chiang assumiu a direção do Kuomintang depois de
morte de Sun, em 1925. Chiang e os comunistas se tornaram cada
vez mais desconfiados das intenções uns dos outros,
mas permaneceram aliados durante tempo suficiente para desencadear
uma revolta bem sucedida (1922-27) contra o governo republicano
de Pequim, dominado pelos estrangeiros.
Revoltas organizadas no campo por Mao Tsetung, outro líder,
contribuiram para a vitória, apesar das matanças
dos latifundiários na província de Hunan, pelos
seus seguidores.
Reinado
do terror
Em
1927, o líder do Kuomintang levou suas tropas a ocuparem
Xangai, o centro das atividades dos homens de negócios
dos Estados Unidos e da Europa na China e não tardou muito
em voltar-se contra os comunistas, prendendo e executando milhares
de seus partidários, num verdadeiro reinado do terror.
Chu Enlai, que hoje é o primeiro-ministro da República
Popular da China, foi um dos condenados à morte, mas conseguiu
fugir aos soldados de Chiang quando estes o conduziam para o paredão
de fuzilamento.
As atitudes assumidas por Chiang contra os comunistas fizeram
com que estes se agrupassem sob a direção de Mao
Tsetung, nas montanhas da província de Kiangsi, onde começaram
a preparar-se para a luta imediata.
Chiang tinha então o apoio da comunidade comercial estrangeira
em Xangai e também dos homens ricos da China.
Divorciou-se de sua primeira mulher e casou-se com a bonita Soong
Mayling, educada na China, e nos Estados Unidos, no Colégio
de Wesley, filha de um rico financista.
A irmã de Mayling era viúva de Sun Yatsen. Pouco
depois do seu casamento, Chiang abandonou a religião de
seus antepassados e converteu-se ao protestantismo.
Esses foram anos nos quais Chiang manobrou quase infatigavelmente
para manter na impotência os chefes locais, a fim de que
não pudessem desafiar o seu poder.
Trouxe oficiais prussianos da República Alemã de
Weimar de 1927 a 1932 para que preparassem seus exércitos
mas, finalmente, esses oficiais foram chamados de volta ao seu
país por Adolf Hitler, como uma deferência a seus
amigos japoneses.
As tropas de Chiang atacaram algumas vezes as forças guerrilheiras
de Mao, em Kiangsi, causando-lhe pesadas baixas mas sem poder,
apesar disso, neutralizar o movimento.
"A
grande marcha"
Finalmente,
no ano de 1933, Mao deixou a província de Kiangsi, para
iniciar o que agora se conhece como a "a grande marcha",
através da província de Shensi, no noroeste da China.
Ao mesmo tempo em que avançavam lentamente, os comunistas
renovavam seus esforços para estabelecer uma nova e sólida
base para seu poder.
A preocupação de Chiang com os comunistas levou-o
a oferecer escassa resistência às Forças japonesas
que instauraram o Estado fantoche do Manchukuo, em 1931, depois
de ocupar a Mandchúria.
"O Japão é um epidérmico. O comunismo
é uma afecção cardíaca", dizia
Chiang Kaishek às pessoas que lhe eram mais próximas.
Por sua vez, os comunistas souberam explorar habilmente o ressentimento
dos chineses a medida que se intensificava a agressão japonesa.
Assim, embora relutantemente, Chiang teve de tomar atitudes mais
enérgicas contra os japoneses, apesar de que ele e seus
conselheiros alemães sabiam que a China não estava
preparada para um conflito com o derno Exército do Japão.
Em 1936, Chiang reuniu 500 mil homens e 200 aviões para
lançar um ataque que, teoricamente, deveria liquidar os
comunistas. No dia 12 de dezembro desse ano, visitou o Exército
em Sian onde um "senhor da guerra" chamado Chang Hsueh
Liang, o sequestrou. Ele pretendia que Chiang Kaishek deixasse
de lutar contra os comunistas e expulsasse os japoneses da Mandchúria.
Chiang foi mantido sequestrado durante duas semanas, durante as
quais seus captores organizaram seu encontro com Chu En Lai e
outros comunistas. Quando foi posto em liberdade, no dia de Natal,
Chiang Kaishek insistiu em que não estabeleceria nenhum
acordo com os seus sequestradores.
Porém, de qualquer modo, arrefeceu sua campanha contra
os comunistas.
Avanço
Os
japoneses, alarmados ante a possibilidade de que Chiang e os comunistas
se aliassem contra eles, desceram da Mandchúria para o
norte da China, em fins de 1937.
Nos mes seguinte, uma Força anfíbia japonesa desembarcou
perto de Xangai e avançou pelo rio Yangtze, para Nanquim,
a capital de Chiang.
Ali se entrincheraram e tentaram, até o fim da Segunda
Guerra Mundial, negociar com Chiang. Mas as forças de Chiang
desafiaram os japoneses, recuaram para o interior do País
e se instalaram na região de Chungking para enfrentar a
tormenta.
O líder nacionalista teve pouca ajuda dos Estados Unidos,
que ainda mantiveram uma atitude de certo isolacionismo que conservariam
ate 1941, quando organizaram um embargo internacional contra o
Japão para evitar que este país conseguisse o petróleo
de que necessitava para continuar a guerra.
O general Joseph Stilwell chegou a Pequim, depois da eclosão
da Segunda Guerra Mundial, para organizar a luta das Forças
norte-americanas e chinesas contra os japoneses.
Os nacionalistas e os comunistas confiavam em que os Estados Unidos
liquidariam o Japão. Desse modo, de 1941 a 1945 reservaram
suas Forças para um confronto pós-bélico.
"Tiro
de largada"
A
rendição do Japão foi o "tiro de largada"
de uma corrida entre comunistas e nacionalistas para preencher
o vazio resultante.
Mao conseguiu o domínio de grandes extensões de
território no interior do pais, enquanto a Força
Aérea dos Estados Unidos levava as Forças de Chiang
às grandes cidades onde estas assumiram o poder.
A União Soviética assumiu o controle da Mandchúria
nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, nos termos
de um acordo secreto com os Estados Unidos, que tinha sido firmado
em Ialta. Os soviéticos entregaram aos chineses comunistas
as armas que tinham confiscado dos japoneses e assim Chiang Kaishek
teve de enfrentar um formidável Exército comunista.
O presidente dos Estados Unidos, Harry S. Truman, enviou o general
George Marshall à China para tentar constituir um governo
de coalizão dos comunistas e nacionalistas, mas essa tentativa
malogrou e os comunistas continuaram aumentando suas forças.
Em meados de 1947, começou uma dura luta e os Estados Unidos
optaram por não se envolver.
Pesadas
derrotas
Os
nacionalistas sofreram pesadas derrotas nos campos de batalha
e as fileiras de Chiang Kaishek ficaram desmoralizadas, ao mesmo
tempo que circulavam rumores sobre a corrupção da
oficialidade.
Washington forneceu armas e munição ao líder
do Kuomintang, mas ainda assim a situação se agravou
rapidamente. As Forças de Mao expulsaram os nacionalistas
de Mandchúria e, no outono de 1948 e em 1949, os varreram
de quase todo o país.
Os Estados Unidos tinham admitido, inicialmente, a possibilidade
de que os comunistas e nacionalistas travassem a batalha final
na ilha de Formosa (Taiwan), mas a eclosão da guerra da
Coréia modificou a política de Washington e a sétima
frota norte-americana começou a patrulhar o estreito de
Formosa, protegendo os nacionalistas.
Durante os 20 anos seguintes, uma transfusão de quase quatro
bilhões de dólares em assistência militar
e econômica norte-americana converteu Formosa em uma ilha
de economia próspera. Chiang reiniciou sua velha amizade
com o Japão e, em compensação, Tóquio
lhe deu grande ajuda.
Ano
difícil
Em
1972, Chiang iniciou seu quinto período de governo, mas
esse foi um ano difícil para o velho líder. Nesse
ano a China Nacionalista perdeu sua representação
na ONU, que foi conferida a Mao. O presidente Richard Nixon visitou
a China continental e reconheceu praticamente o regime de Mao.
Chiang começou então a temer que Washington retirasse
o apoio ao seu regime.
Chiang manteve Formosa sob a lei marcial e em constante pé-de-guerra,
com uma proporção de soldados mobilizados mais alta
que a de qualquer outro país do mundo.
A saúde de Chiang ficou muito abalada depois de um acidente
de automóvel sofrido em 1969. Um caminhão do Exército
colidiu com o automóvel em que ele e sua mulher viajavam,
nas proximidades do palácio presidencial.
Ontem, em consequência de uma nova complicação
cardíaca, Chiang Kaishek morreu desaparecendo o último
dos quatro grandes da Segunda Guerra Mundial.
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