ESPANHA, ENTRE EUFORIA E TEMOR

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 30 de outubro de 1982

A vitória do líder socialista Felipe Gonzalez nas eleições gerais de quinta-feira, na Espanha, causou reações internas e externas que vão da euforia à apreensão. Nos círculos financeiros e empresariais de Madri, reinava um clima de cautela e expectativa. "Vamos tentar colaborar com o próximo governo, embora não nos agrade a implantação de um programa socialista", declarou o presidente da poderosa Associação Espanhola dos Bancos Privados, Rafael Termes Carrero.

Os círculos políticos e a imprensa ressaltaram a bipolarização criada no novo Parlamento, onde as bancadas do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) e da Aliança Popular (AP) terão 307 das 350 cadeiras. Lamentaram o malogro das forças de centro, mas destacaram o fato de que o povo espanhol, ao optar entre socialistas e conservadores, rejeitou os extremismos. Também o alto-índice de comparecimento às urnas foi interpretado como um plebiscito contra o golpismo.

Em Washington, o Departamento de Estado manifestou otimismo quanto ao futuro das relações americano-espanholas. Em Moscou, a agência Tass afirmou que o resultado do pleito foi uma derrota para a extrema direita.

A experiência espanhola

As eleições espanholas, após numerosas tentativas malogradas de interrupção do processo democrático, constituem por si só exemplo de maturidade política, refletida ainda no alto nível de comparecimento às urnas.

Para o povo em seu conjunto, mais importante do que a vitória deste ou daquele partido é a consolidação das bases em que se assenta o regime, reconstruído após quatro décadas de autoritarismo.

A União de Centro Democrático (UCD), que se achava na chefia do governo, na pessoa do primeiro-ministro Calvo Sotelo, sofreu esmagadora derrota, resultante em grande parte de dissensões internas que não puderam ser sanadas. A grande força em ascensão, como o demonstravam as prévias, é o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), liderado por Felipe González. Em segundo lugar vem a Aliança Popular (AP), de Manuel Fraga Iribarne, que ocupa posição à direita.

Houve assim uma polarização entre socialistas e conservadores, os primeiros conquistando a maioria absoluta, com 201 deputados na Câmara Baixa das Cortes, composta de 350 cadeiras, e seus oponentes com 106. O resto se divide entre pequenos agrupamentos, como a UCD, com 12, os catalães, também com 12, os nacionalistas bascos, com 8, os comunistas, com 5, e o Centro Democrático Social, do ex-premier Adolfo Suárez, com 2.
Nessa caminhada de transição de um sistema autoritário para a democracia, merece destaque o papel desempenhado pelo rei Juan Carlos. Apesar de sua origem franquista, tendo recebido a coroa nos últimos anos de vigência da ditadura, seu esforço tem sido no sentido de marchar sempre com as forças liberais e não com os inconformados que as combatem.

A possibilidade da chegada ao poder de um líder socialista foi explorada de todos os modos possíveis por grupos extremistas. O PSOE é uma agremiação moderada, que aparentemente não deseja praticar nenhuma reviravolta na vida econômica e política do país. Mesmo dispondo de maioria absoluta, sofrerá o controle de uma oposição parlamentar suficientemente forte e aguerrida. E se afinal executar uma política contrária aos interesses básicos da maioria da nação, o eleitorado poderá apeá-lo do poder, substituindo-o por outro governante.

É esse o jogo político que se pratica em todas as democracias, o da alternância nos postos dirigentes. Governos socialistas foram trocados por conservadores em países de alto nível de vida como os da Escandinávia (Dinamarca e Noruega), enquanto mais recentemente os socialistas de Olof Palme retornavam ao governo da Suécia. Até numa pequena ilha do Oceano Índico, o Ceilão, economicamente subdesenvolvido, esse jogo se realiza sem maiores choques. A primeira-ministra Sirimavo Bandaranaike, que nacionalizara boa parte da economia, assiste hoje a uma reversão desse processo, ao ser substituída no governo pelo presidente Junius Jayewardene, de novo vitorioso nas eleições de 20 de outubro.

Na Espanha, apesar de todas as ameaças de golpes militares e desordens, a votação transcorreu num ambiente de tranquilidade. Mais uma etapa vencida.

Quanto ao governo dos socialistas, é uma nova experiência a ser vivida pelos espanhóis. E a ser julgada por eles no próximo pleito eleitoral.


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