RUMOS POLÍTICOS DE PORTUGAL PREOCUPAM FORD


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 1975

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"O impacto que pode produzir na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) um aliado cujo governo tenha maioria comunista" foi o tema principal do encontro entre o presidente Gerald Ford e o primeiro-ministro português Vasco Gonçalves - revelou ontem em Bruxelas o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger. Embora não tenha adiantado maiores detalhes sobre o encontro, Kissinger afirmou que ele se desenvolveu num clima "amistoso".
Disse que Ford evitou pedir "segurança" ao chefe do governo português sobre a evolução do processo político em Lisboa e se limitou a exprimir a "satisfação" com que os EUA veriam a implantação de um sistema "mais democrático" em Portugal.
Além de Vasco Gonçalves, o presidente dos Estados Unidos recebeu na embaixada norte-americana em Bruxelas os primeiros-ministros da Grécia, Constantin Caramanlis; da Turquia, Suleyman Demirel; da República Federal da Alemanha, Helmut Schmidt, e do Luxemburgo, G. Thorn.
Em seu primeiro discurso ante a cúpula da OTAN, Ford afirmou ontem que "os Estados Unidos não retirarão suas tropas da Aliança Atlântica, salvo se essa diminuição de efetivos ocorrer em função de um acordo específico entre o Leste e o Oeste".

Portugal preocupa europeus

BRUXELAS - Portugal se converteu em protagonista involuntário da reunião de cúpula atlântica de Bruxelas e o programa de seu primeiro-ministro, general Vasco Gonçalves, está tão sobrecarregado quanto o do presidente norte-americano Gerald Ford.
Desde quarta-feira, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Joseph Luns, destaca que os países membros acompanham "com preocupação" a evolução política lusitana.
Pela força dos acontecimentos, Gonçalves está "fazendo sombra" ao chefe da Casa Branca que, do ponto de vista dos observadores, deveria ser a figura dominante da reunião.
Os Estados Unidos e grande parte da OTAN não dissimulam sua inquietação diante do desenvolvimento político do "Novo Portugal", sobretudo desde que, depois das eleições que deram a vitória ao Partido Socialista português, agravaram-se as divergências entre este e o Partido Comunista.

Compromissos

Na semana passada, o chefe de Estado norte-americano ressaltou como seria comprometedor, para a OTAN, a participação em seus trabalhos de um governo no qual o comunismo está representado.
Posteriormente, o secretário de Estado, Henry Kissinger, atenuou a dureza das palavras de Ford.
Mas, o problema continua em evidência, e em sua entrevista na tarde de ontem com Gonçalves, o sucessor de Richard Nixon deve ter insistido provavelmente na necessidade de que o conselho da revolução portuguesa respeite suas opções pluralistas e democráticas, como pede o líder socialista Mário Soares.
Mas Gonçalves também terá hoje entrevistas bilaterais com os chefes de governo belga, Leo Tindemans, canadense, Pierre Elliott Trudeau, britânico, James Callaghan, e seguramente com muitos mais.
Segundo os observadores, é impossível enumerar as entrevistas bilaterais a que dará lugar a reunião de cúpula atlântica, mas constituirão um conjunto de conversações pelo menos tão importantes como as duas sessões programadas da reunião propriamente dita.
Também não foi o menor dos encontros previstos à margem da reunião o jantar que reuniu ontem à noite o rei belga Balduíno, Gerald Ford e o presidente francês, Giscard D'Estaing.
Em princípio, a França delegaria a cúpula não ao seu primeiro-ministro, Jacques Chirac, mas sim ao seu chanceler Jean Sauvagnargues, em parte para marcar a divergência básica de Paris com a aspiração de Washington à liderança atlântica e de todo o Ocidente.
Segundo os analistas, "o diplomático" jantar Ford-Giscard tem por objetivo não tanto dissimular as divergências mas sim limitá-las.
Ontem, o "New York Times" admitia que a cúpula de Bruxelas é uma tentativa de "impressionar a Europa com a firmeza norte-americana, aos Estados Unidos com a confiança européia e à URSS com ambas".
Segundo o editorialista do jornal, trata-se de que "o Kremlin não tente explorar a crise econômica ocidental nem a perda de influência norte-americana na Indochina e no Mediterrâneo".


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