VASCO SAI; PORTUGAL MAIS AO CENTRO


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 30 de agosto de 1975

LISBOA - O general Vasco Gonçalves renunciou ontem ao cargo de primeiro-ministro de Portugal, sendo designado chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, posto até então ocupado pelo presidente Francisco Costa Gomes.
O almirante José Pinheiro de Azevedo, de 57 anos, chefe do Estado-Maior da Marinha, imediatamente substituiu Gonçalves e recebeu a incumbência de formar um sexto gabinete provisorio.
O general Vasco Gonçalves, apoiado pelo Partido Comunista, era fortemente pressionado para que renunciasse ao cargo. Embora sua saída represente claramente um compromisso para a solução da crise que quase levou o País à guerra civil, não se sabe ainda se ela acalmará os oficiais moderados, que procuram uma modificação básica na linha política do País. Da mesma forma, não se sabe qual será a reação dos partidos políticos, ansiosos para participar do governo.
Por outro lado, a presença de Gonçalves no comando das Forças Armadas poderá provocar um conflito ainda maior com os oficiais que lhe são contrários.
Pouco antes da substituição de Gonçalves, o líder socialista Mário Soares declarara a correspondentes estrangeiros que era necessário um governo de união e salvação nacionais, presidido por uma personalidade independente e sem ligações partidárias.
"Mas - disse Soares - em primeiro lugar é necessário derrubar o governo Gonçalves. Esta é a condição indispensável para qualquer diálogo."
Os socialistas, acrescentou Soares, estão dispostos a dialogar com os comunistas, desde que estes dêem provas convincentes de que "renunciam a seu projeto aventureiro de tomar o assento do poder com métodos antidemocráticos e se proponham respeitar a vontade popular, as regras da democracia, a igualdade entre os partidos e a não-discriminação".

Moderados

Após a substituição de Vasco Gonçalves, comentava-se em Lisboa que só será possivel ter uma idéia mais precisa da orientação política do novo governo quando a lista dos novos ministros for conhecida. Supõe-se que os moderados terão mais influencia no próximo governo português e alguma satisfação se registrava ontem em Lisboa entre membros do Partido Socialista.
Na capital portuguesa, de qualquer forma, a atmosfera era ontem à noite de profundo alivio. "Portugal foi dormir sorrindo", observou um jornalista.
A maior interrogação imediata é sobre a exata função que terá Vasco Gonçalves em seu novo cargo de chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Algumas áreas em Lisboa acreditam que foi apenas uma função decorativa que foi dada a Vasco, para conceder-lhe uma satisfação moral.

Dúvidas persistem

Wianney Pinheiro
Nosso enviado especial

LISBOA - Eram precisamente 22h20 de ontem quando, no Palácio de Belém, a presidência da República distribuiu o seguinte comunicado: "Tornando-se necessário reestruturar os órgãos do MFA (Movimento das Forças Armadas), o presidente da República, ouvindo o Conselho da Revolução, decidiu: 1- Nomear chefe do Estado-Maior Geral das Forças Armadas o general Vasco dos Santos Gonçalves; 2 - Nomear em sua substituição, para o cargo de primeiro-ministro, o almirante José Batista Pinheiro de Azevedo; 3 - Reestruturar o Conselho da Revolução na próxima assembléia do MFA a realizar-se no dia 5 de setembro de 1975".
Terminava dessa forma o longo e crucial período de expectativa na crise político-militar que abalou o País durante várias semanas, criando inclusive um clima de golpe de Estado. Resta saber agora se realmente esta decisão encerra todos os desentendimentos que se vinham registrando entre os homens que dirigem a revolução portuguesa.
Tido como politicamente condenado junto a seus pares do governo, Vasco Gonçalves continua presente na cena portuguesa e num posto de grande destaque, pois, na hierarquia das autoridades, a chefia do Estado-Maior das Forças Armadas é o segundo posto, que até aqui vinha sendo acumulado pelo presidente Costa Gomes.
Resta esclarecer também as posições de homens como os generais Otelo Saraiva de Carvalho e Carlos Fabião, que durante o período de crise não só fizeram prevalecer a capacidade de influência que têm como também deram nítidas provas de estarem reivindicando posições de maior relevo.
Até que ponto este remanejamento agrada às várias alas existentes dentro do Movimento das Forças Armadas? Como reagirão os partidos políticos?
As respostas a essas perguntas só deverão surgir nos próximos dias; qualquer projeção nesse sentido seria precipitada.
Quanto ao primeiro-ministro que assume, pouco se sabe das suas possibilidades de vir a cumprir a contento a missão de comandar um gabinete que durante os últimos tempos se esquecera de cuidar dos vários setores da administração, preocupando-se apenas com os aspectos políticos.
Como chefe do Estado-Maior da Armada, o almirante Pinheiro de Azevedo era tido como um comandante austero e de esquerda moderada que, durante os debates sobre os documentos sugeridos para reformular a atuação governamental, se manteve em posição de resguardo, não dando demonstrações claras de suas preferências. Tem a seu favor a experiência de haver substituído o presidente da República durante os períodos de impedimento de Costa Gomes, por motivo de viagens.
Por não se conhecerem suas preferências com respeito aos diplomas elaborados, observadores de Lisboa admitiam ontem que o almirante Pinheiro de Azevedo procurará fazer uma composição entre os três documentos ("Melo Antunes", "COPCON" e "Vasco Gonçalves"), obtendo dessa maneira uma posição de conciliação junto às forças divergentes.
Até o início da madrugada de hoje não era conhecido a nome escolhido para assumir a chefia do Estado-Maior da Armada, que, automaticamente, passará a fazer parte do Conselho da Revolução, pois o Conselho é formado pelos chefes das Três Armas, pelo chefe do Estado-Maior Geral das Forças Armadas, pelo chefe do Comando Operacional do Continente e pelo presidente da República.
Embora se comentasse a possibilidade de a escolha vir a recair o major Melo Antunes, numa forma de provar que já não existe a dissidência entre o "Grupo dos Nove", por ele liderado, e o Comando da Revolução, observadores consideram que os empecilhos para esta hipótese começam pela patente de Melo Antunes, muito baixa para o cargo.
As decisões de ontem foram tomadas após reunião que teve início ao final da tarde, no Palácio de Belém, entre o presidente da República, o general Otelo Saraiva e os três chefes dos Estados-Maiores.
Por volta das 20 horas foi convocado também o comandante da Região Militar do Centro, brigadeiro Charais. Enquanto se desenvolvia essa reunião, no Palácio de São Bento, Vasco Gonçalves presidia aquela que seria a última sessão do Conselho de Ministros do V Governo Provisório.
Pela falta de maiores detalhes e pelo adiantado da hora em que foi divulgado o comunicado sobre a substituição do primeiro-ministro, não se obteve informações quanto à possibilidade de o almirante Pinheiro de Azevedo conservar o atual Ministério. Contudo, as indicações são de que ele fará modificações, pelo menos parciais.
Inicia o País hoje uma nova fase dentre as várias por que já passou desde o movimento de 25 de abril de 1974. Espera-se que, com a tensão aliviada, a Nação retome seu ritmo normal e que haja unidade e tranquilidade suficientes para se começar a resolver as numerosas questões pendentes, que vão desde uma economia dilacerada até os gravíssimos problemas das colônias.


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