É POSSÍVEL UMA NOVA GUERRA EUROPÉA?
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Publicado
na Folha da Noite, sexta-feira, 29 de maio de 1931
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Neste texto foi mantida a grafia original
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As opiniões de Natham Soderblom, que recebeu o premio Nobel
da paz de 1930, e de Maximo Gorki, o conhecido escriptor russo
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Completando a divulgação das respostas á "enquête"
empreendida por uma revista européa sobre a possibilidade de
uma nova guerra, publicamos abaixo duas respostas interessantes. São
as do bispo Natham Soderblom, que recebeu o premio Nobel da paz no
anno passado, e de Maximo Gorki, o conhecido lider sovietico.
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NATHAN
SODERBLOM |
"Eis ahi a minha resposta:
1.o - Como será a proxima guerra? Sob o ponto de vista militar?
Em consequencia das lutas economicas: não sei ainda.
2.o - Quaes as razões que a tornam possivel, quase provavel?
Descontentamento, medo, suspeitas, caos economico, revolução
social.
3.o - Será uma realidade poder evital-a? E assim sendo como
conseguiriamos os meios? Fortificando a Sociedade das Nações,
tendo como ponto de partida o elemento persuasivo, alargando com intelligencia
clara o direito internacional, com actos geraes de conciliação,
modos de arbitragem e regulamento juridico, os litigios internacionalistas,
tudo seguindo uma constituição legal, em harmonia direita
com a Acção Divina. E' preciso entregar ao coração
humano o ideal do christianismo e da solidariedade, conforme as palavras
de S. Paulo: "corpos iguaes, onde cada membro corresponda aos
mesmos sofrimentos". A. F. Ozanam disse, e com razão,
"que existem duas doutrinas do progresso". A primeira vive
dentro das escolas sensualistas, protegendo as paixões e prometendo
aos povos o paraiso terrestre, no final de um caminho sangrento.
A segunda, nascida de uma crença christã, visiona o
progresso no triumpho do espirito sobre a carne; ella nada promette
que não seja calcada no combate espiritual. E porque a guerra
representa uma mania humana, somente daquella maneira poderemos tornar
real a paz entre as nações".
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MAXIMO
GORKI |
"Todos os governos da Europa dispendem sommas enormes, conseguidas
do povo, para a posse de novos armamentos. E o que é mais notavel,
em tal sentido, o revólver mesmo deixou de ser uma arma simples,
para se tornar no mais forte elemento de destruição.
A mais forte razão de tudo isso está em que os aeroplanos,
os submarinos, os carros de assalto, não foram construidos
para uma actividade platonica de turismo".
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QUAES
SÃO AS CAUSAS QUE POSSAM PROVOCAR A GUERRA? |
A primeira, talvez a única, é indiscutivelmente a existencia
mesma do capitalismo, dessa gente cuja mentalidade a paixão
do lucro suffoca e alcança tal ponto de dominio, que vemos
nella os symptomas de uma molestia parecida com a satyriases. E',
por outro lado, inteiramente superfluo remexer argumentos demais conhecidos
e evidentes, para que se demonstre a monstruosidade da existencia
de um grupo de maniacos, que se apossou das riquezas terrestres e
se serve dellas a seu talante, sem lembrar as responsabilidades da
vida dos povos, isto é, da massa proletaria. A acção
criminosa dessa gente já fôra definida da maneira a mais
precisa, há 1500 annos, por um dos ministros da Igreja, Lactance,
chamado "O Cicero do christianismo". No seu livro "Da
verdade", capitulo 6, diz elle textualmente o seguinte:
- "Para que pudessem servir aos outros, alguns homens, menos
numerosos, começaram a metter as mãos sobre tudo aquillo
que fôsse de primeira necessidade humana. Tendo obtido esses
dons celestes, elles montaram guarda severa em torno dos bens que
se tinham apropriado, para satisfazerem especialmente a avidez e a
paixão de lucros. Depois disso crearam leis iniquias, debaixo
de uma mascara que negava a justiça legitima, afim de salvaguardarem,
em face da força real do povo, a avareza e a gula, empregando
para taes fins a violencia, a riqueza e o odio. Refugiados assim da
profunda verdade, elles instituiram privilegios, individualizando
a egualdade, e dentro desse descalabro, dominavam os demais e se fizeram
differentes pelas roupas e pelas armas."
Laetance não é uma excepção. Todo aquelle
que não perdeu ainda a bôa vontade do raciocinio honesto,
commentou da mesma fôrma o regime capitalista.
Sismondi, por exemplo, que nada tinha de um marxista, compreendeu
e muito bem, no começo do seculo XIX, "que a maior parte
das despesas sociaes de um paiz é destinada em favor do rico
contra o pobre. Nós temos, nesta hora actual o direito incontestavel
de gritar que as classes ricas fazem a guerra, não sómente
para consolidar o seu poder contra os pobres, mas para que ganhem
mutuamente." E utilizam, nesses seus intuitos, a energia physica
dos pobres e a cultura daquelles que são denominados "intellectuaes"
e que servem á finalidade deshumana do capitalismo. Essa servidão
é um dos espectaculos mais repugnantes que o mundo moderno
nos fez vêr.
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COMO
SERÁ A PROXIMA GUERRA? |
Um ex-primeiro ministro francez M. Caillaux, escreveu em outubro de
1930:
"Não tenhamos illusões. A ultima guerra foi a guerra
das metralhadoras, dos fuzis e dos submarinhos. Se a humanidade fôr
tão louca em acceital-a, a proxima guerra será chimica.
Em 1914, 1918, os combatentes succumbiam aos milhões. No anno
X, que, eu espero não será objectivado por nenhum calendario,
toda a população seria exterminada. E não haveria
algum modo de preservação. Existe actualmente um gaz
que penetra através da epiderme, sem que se possa descobrir
a sua marca, sem deixar o minimo vislumbre de seu maleficio, que provoca
convulsões atrozes e leva, em seguida a uma loucura chronica
e incuravel..."
Essa affirmativa foi confirmada um pouco mais tarde, por um dos technicos
modernos de grande renome, o general Berthold von Deimling. Em Lyon,
foram distribuidas mascaras contra gazes asphyxiantes, antes do ataque
projectado contra a cidade. Esta estava sendo defendidas pelas esquadrilhas
de aviões e pelos reflectores extrapotenciaes. Malgrado tudo
isso o "inimigo" penetrou na cidade e poude bombardeal-a.
Essas manobras provaram que os cartões eram insufficientes,
porque os aviões podiam, facilmente, evitar o clarão
dos obuzes. E o clarão dos obuzes faziam muito maior mal á
população civil que o verdadeiro inimigo (estrategia
ingleza). Um jornal fez um calculo do quanto custou, á França,
a ultima guerra: 887 milhões. Todo esse dinheiro era dinheiro
do povo. E não há outro no mundo. Como, portanto, avaliarmos
as perdas de sêres humanos e que representam um valor social
ainda maior.
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É
POSSIVEL EVITAR A GUERRA? QUAES SERIAM OS MEIOS? |
É preciso realizar aquillo que tem realizado a união
dos Soviets. Para finalizar, uma vez para sempre, com este ambiente
de vicios e taras, é urgente fazermos qualquer coisa de real.
A classe proletaria da união sovietista já tem agido
de fôrma apreciavel. Ella galgou o poder dentro do seu paiz.
E os resultados obtidos, depois de 13 annos, provocam a raiva daquelles
que são máus, que adquiriram má fé, mas
em compensação encontrou a sympathia das massas e da
gente honesta. Eu penso, enfim, de que não se deve falar da
soberania de uma nação, enquanto houver este monstro-soberano:
o capitalismo.
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H.
G. WELLS |
Sim. Há o perigo da guerra. E não apenas um perigo,
porque existem multiplos perigos. Poderemos, por exemplo, imaginar
a eclosão do conflicto ao seguimento de algum incidente entre
a Polonia e a Allemanha, entre a Jugoslavia e a Albania, entre a Italia
e a Jugoslavia, etc. E não preciso a necessidade de suppôrmos
que o incidente se dará dentro de um tempo predeterminado:
3, 4 ou 5 annos.
Elle póde, e muito bem, explodir amanhã. E quando os
canhões começarem a atingir Savoia, ou a fronteira allemã,
ou mesmo terras da Albania e dos Balkans, que poderão fazer
os pacifistas?
Estes serão presos de surpresa. Em 1914, todos nós fomos
inopinadamente surpreendidos. Quem sabe que, desta vez, o mesmo acontecerá.
Veremos por conseguinte, o que deveremos fazer. E não se trata,
no fundo, de attingirmos uma modalidade que appareça apenas
para ser evitada uma guerra proxima, ou mudar a expressão actual
da Europa, mas de um movimento que venha desobrigar a humanidade de
toda e qualquer atmosphera belligerante.
Quero crêr que a nós outros cabe iniciar uma outra éra
historica, onde o problema da guerra morra no esquecimento de um phenomeno
acabado. Uma nova civilização scientifica ali está
edificada. Já temos variados meios de comunicação
e de productividade, envolvendo por completo o mundo, mas o tradicionalismo
só tem servido para entravar esse rythmo da novidade. Determinar
a distancia pela conquista do ar, pelo transporte do material mais
pesado do que o espaço. Vivemos pelo telephone, o radio, e
no entretanto lutamos ainda com pequenas comunidades, os estados nacionaes,
cujas fronteiras são as sentinellas da evolução
humana durante um seculo. O drama de nosso tempo é o conflicto
creado entre as muitas facilidades que a sciencias e a industria nos
deram, em confronto com os limites arbitrarios, onde a tradição
é força dominadora. Na hora actual, todos os estados
estão em guerra. A guerra de metralhadoras e de gazes não
é outra senão a forma aguda da molestia que todos soffremos
constantemente, e que se manifesta, por exemplo, pelas tarifas aduaneiras.
Permanece, no universo, um estado continuo de guerra, que chamarei
Guerra Branca, em completo antagonismo com a verdadeira guerra: a
vermelha. Essa guerra branca é o prolongamento da idéa
que nos empolga: a autonomia nacional. Em vez de pensarmos universalmente
na humanidade - nesses 1.800.000.000 de creaturas do mundo - contornamos
nossos calculos e nossos interesses com alguns milhões de individuos
e que olhamos como patricios, enquanto combatemos aquelles que não
são da nossa raça. Os homens, seguindo esse rumo, ficam
agrupados geographicamente e a historia reflecte collectividades desligadas:
Inglaterra, França e India. Nós chegamos mesmo a julgal-os
muitos seres viventes e com variadas responsabilidades. E dizemos:
a Russia é uma ameaça, ou melhor: a Inglaterra se conduz
mal nas Indias. E dessa personificação das nações,
resulta naturalmente nossa mania de julgarmos os individuos de um
paiz, sem discernimento, responsaveis daquillo que cada nacionalidade
produz. E' indispensavel renovar esse aspecto dos factos. Mostrar
aos espiritos o avanço consideravel que resultou do mundo mecanico
sobre o mundo do pensamento. Transformar a educação.
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PARA
EVITAR A GUERRA |
Não apparece apenas um remedio, surgem varios remedios. E que
deverão ser empregados harmoniosamente. Alguns poderão
parecer bastante incolores. Numa receita medica, onde entre 98% de
agua distilada, sómente um leigo não compreenderá
que essa mesma agua, inutil naturalmente, é necessaria para
dissolver o remedio. Outros ingredientes de politica pacifista são
de efeito, radical, mas que servem para administrar pequenas coisas.
O remedio geral, evidentemente, é o refugio dos homens, a negativa
extrema contra as armas. Si, no avanço de dezenas e centenas
de voluntarios, os "mobilizaveis" que elles não se
deixariam mobilizar, o governo encontraria o impossivel de fazer a
guerra. Sem duvida todos aquelles que se consideravam corajosos e
convencidos em declararem desde agora: si inventarem uma guerra nós
nos negaremos a participarmos della, teriam que vencer enormissimos
obstaculos. Seriam os "Troupes de choc" da paz. E' preciso
uma singular energia para annunciar o seguinte: não combateremos,
não trabalharemos, não pagaremos... e isso de qualquer
maneira que a guerra appareça. Em segunda linha figurariam
os pacifistas, não tomando aquella atitude, mas declarando
tambem: baternos-emos se o nosso paiz está com o direito da
razão. E temos para isso um criterio simples: possue o seu
direito todo aquelle que acceita a arbritragem, estando errado aquelle
que não quer acceital-a.
Em verdade, após o Pacto Kellog, que, pelo seu artigo primeiro,
interdicta o recurso da guerra, e pelo seu artigo segundo, obriga
cada estado a recorrer ao regulamento de processos pacificos, os cidadãos
de qualquer paiz tendo consultado o Pacto, estão perfeitamente
aptos ao despreso da luta armada. Emfim, parece-me inadmissivel que
a excitação da guerra nas escolas ou na imprensa, em
publico, em lugares privados, não seja um delicto digno de
ser punivel. Excitação ou colera collectiva, deveriam
merecer as mesmas penas que a exaltação ou colera individual
possam produzir de criminoso. Da mesma maneira ainda, a fabricação
de material de guerra por certas firmas e que empregam intrigas politicas
e jornalisticas, para impôr as suas mercadorias e o augmento
de armas a algum governo que não as desejariam, o mesmo castigo
mereceriam. Emfim, o remedio dos remedios, é indiscutivelmente
a edificação progressiva de um governo mundial, cuja
primeira victoria material pudesse ser: um conselho internacional
para controlar os armamentos e um conselho internacional para controlar
os negócios".
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