MULHERES QUE NUNCA MORREM

Maria Antonieta - Os seus ultimos dias

Publicado na Folha da Manhã, domingo, 29 de dezembro de 1929

Neste texto foi mantida a grafia original

Na bibliotheca municipal de Chalons-sur-Marne, Jorge Cain conservador do Muséu Carnavalet descobriu o livro de orações, sobre o qual Maria Antonieta chorou rezando, nos seus ultimos dias. O livro tem por titulo: "Office de la Divine Providence, á l'usage de la maison royale de Saint Louis, á Saint Cyr, et tous les fideles", e esta encadernado com couro de côr escura. Na capa apparecem impressas as armas da antiga casa de Bourbon, na França.
Na pagina em branco que leva o numero 220, a infortunada rainha escreveu, com mão bastante firme, as seguintes palavras, cuja calligraphia, devidamente confortada com a de varios autographos da soberana foi reconhecida egual á dos seus melhores e felizes tempos: É o dia 16 de Outubro e são quatro e meia da madrugada.

Meu Deus! Tende piedade de mim! Meus olhos já não têm lagrimas para chorar por vos, pobres filhos meus Adeus! Adeus!...
Maria Antonieta.

Como terá desaparecido da bibliotheca de Chalons-sur-Marne o precioso volume? Dizem que o primeiro a apossar-se delle foi Robespierre. Conservara-o fechado numa caixa que tinha sob a sua propria cama e foi alli que o encontrou Boaventura Courtois, que foi encarregado depois do 3 Termidor, de examinar os papeis do "tyranno".
Courtois fez o mesmo que Robespierre. Apropriou-se delle; mas em 1816 o duque Decapes fez revistar a sua casa pela policia e o livro de orações foi confiscado.
Recuperado logo pelo filho de Courtois seguiu de herdeiro a herdeiro, até que cahiu em poder de um senhor Savol, que em 1890 o legou á bibliotheca municipal de Chalons-sur-Marne.
Que dias amargos foram esses passados por Maria Antonieta na "Conciergerie"! tudo lhe faltava, nem sequer lhe deixaram um bocado de renda, e ella vivia "aux frais de la nation"...
Quereis saber quanto custou ao paiz durante a sua reclusão de setenta e quatro dias na Conciergerie, essa rainha, que passa na historia por ter sido uma das mais prodigas, das mais gastadeiras? Nem mais nem menos que 1.407 libras e 46 soldos.
O importe dos gastos occasionados pela rainha durante a sua permanência no cárcere foi tirado da lista detalhada, dos mesmos que se encontram nos archivos.

*

Na manhã de 16 de Outubro de 1793 a sentença de morte de Maria Antonieta havia sido lida. Depois do interrogatorio que durou tres dias, a rainha foi encerrada na sala, privada de luz e de ar, onde se reunia o tribunal revolucionario.
Durante a sua atroz agonia, apenas se alimentava, com algumas colheres de caldo.
Não obstante, conservou toda a sua força, toda a sua presença de animo, toda a sua dignidade.
Trajada de um vestido preto remendado e de uma "toque" de viuva, escutou impavida, a inflexivel requisitoria e a desapiedada sentença. E naquelle instante, nem sequer um musculo do seu rosto se contrahiu.
Sob os crueis e curiosos olhares que a observavam confiou a um dos seus advogados, (Trouson-Ducoudray) dois anneis de ouro com um frizo dos seus cabellos para que fossem entregues á sua amiga, a senhora de Jarjayes. Immediatamente desceu do banco dos accusados e sahiu com passo tranquillo, altiva, com todo o seu ar de nobreza, como uma verdadeira rainha.
Entretanto, a noticia da condemnação se havia espalhado por toda a "Conciergerie". Uma jovem, empregada do carcere, Rosalia Lamorliere - que via a rainha diariamente e lhe prodigalisava algumas attenções, - sentiu-se tão afflicta, que se fechou dentro de casa para que ninguem a visse chorar. E as outras pessoas encarregadas dos carceres ou por maldade, ou por estarem dominadas pelo terror do momento, procuraram dominar-se conservando uma tranquilidade apparente.
Seriam approximadamente sete horas da noite, quando Rosalia Lamorliere recebeu ordem de descer ao carcere e perguntar á sentenciada se queria tomar algum alimento.
Duas lampadas fumegantes de azeite allumiavam apenas a humida prisão. Um official da gendanneria estava sentado perto da janella.
Ao entrar, Rosalia viu a rainha deitada no leito com as mãos unidas, em attitude de oração.

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