DESMENTINDO O MITO DA MULHER SUECA


Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 28 de setembro de 1975

Roma - Há, na Suécia, um pouco mais de 4 milhões de mulheres, das quais só uma pequeníssima parte vive segundo o esquema da mulher sueca apresentado pelo novo cinema e literatura.
As mulheres da Suécia participam deste Ano Internacional da Mulher organizado pelas Nações Unidas com a preocupação de incorporar-se plenamente à vida cultural, política e social do país.
A proporção de divórcios - 1 cada 6 casais - é menor do que nos Estados Unidos, mas em compensação aumentou a idade do casamento. Os homens casam-se aos 28 e as mulheres aos 25 anos, diz a estatística. Num país tão desenvolvido como este, isso implica a generalização das experiências prématrimoniais, "mas uma experiência juvenil, sã e limpa de vida em casal".
As estatísticas falam que uma grande proporção de mulheres continua a trabalhar depois do casamento, gozando as vantagens que lhes oferece o estado: berçários e jardins da infância gratuitos, escola primária combinando o estudo e o esporte além da recreação e do almoço grátis para todas as crianças. Os estudos secundários e universitários são também gratuitos, incluindo o fornecimento de livros por conta do estado.
A mulher sueca debateu-se sempre na contradição entre uma severa educação religiosa, que reflete a rígida vida cotidiana da família camponesa, e o desejo de libertação e de igualdade da mulher das cidades.

A história

O drama do escritor norueguês Henrique Ibsen, "Casa das Bonecas", representado nos teatros de todo o mundo, causou uma verdadeira revolução na Suécia ao ser encenado em fins do século passado. A tese "feminista" de Ibsen foi aceita com entusiasmo pelas intelectuais suecas, e o movimento foi tão profundo que levou um dramaturgo local importante como Austo Strindberg a escrever obras "anti-feministas", como a "Senhorita Julia", que continua dando a volta ao mundo como a rebelde nora de "Casa das Bonecas".
Esta contradição entre duas obras teatrais do século passado sintetiza ainda hoje o principal obstáculo que a mulher sueca deve vencer: o provincialismo cultural do interior e das pequenas cidades e aldeias e a moderníssima vida da cidade, dos centros universitarios, das grandes fabricas e lojas.
No seu relatorio às Nações Unidas de 1968 sobre a condição de vida da mulher sueca, o governo (social-democrático, que rege os destinos do país há 30 anos) afirmava que "a questão dos direitos da mulher deve ser considerada como uma função de toda a estrutura do papel e divisão do papel imposta ao homem e à mulher por meio da educação, da tradição e da experiência (e, em parte menor, por certo tipo de legislação).
"Se as mulheres devem ter uma posição na sociedade, fora do meio doméstico, os homens têm consequentemente que assumir maiores responsabilidades na educação dos filhos e nos trabalhos domésticos".

A tese da Alva

O setor mais conservador da população opôs-se a esta tese, do governo, que incumbiu então a socióloga Alva Mirdal, uma das mulheres suecas de maior prestígio, que propusesse uma série de diretivas tendentes a conseguir não só a igualdade entre classes sociais, como também entre homens e mulheres.
O relatório de Alva, aprovado pelo Congresso do Partido Social-Democrático, em fins de 1966, partia deste princípio: "se bem que a igualdade tenha sido alcançada em princípio, ser mulher continua sendo uma desvantagem na maioria dos trabalhos e deve-se combater esta discriminação. Os governos centrais e locais (do país) devem aplicar uma política que não só ofereça possibilidades iguais, como também encoraje a mulher a dar o melhor de si mesma. Deve-se eliminar no trabalho a discriminação nas oportunidades de emprego, na passagem a uma categoria superior e no salário, e é neste sentido que se deve aprofundar a educação política do país".
Neste contexto, a mulher sueca se esforça por eliminar as "ilhas" de discriminação e opressão, sobretudo em regiões afastadas como a Lapônia.
Uma região da Lapônia, Quiruna, acima do Círculo Polar Artico, contém uma das jazidas de ferro mais ricas do mundo. Ali, em tremendas condições de vida, por causa da inclemência do clima, trabalham mulheres, consideradas até há pouco como elementos insignificantes.
Estas mulheres, jovens ou menos jovens, desempenham os trabalhos mais humildes na mina e são mal pagas: limpam os banheiros de Quiruna. O ano passado declararam-se em greve por melhores salários e condições de trabalho e receberam o apoio de mulheres e homens de todo o país. Depois de vários dias de greve, quando lhes chegou dinheiro e mensagens de solidariedade de toda a Suécia, as trabalhadoras de Quiruna obtiveram a satisfação de todas as suas reivindicações.
Um dos aspectos mais interessantes desta ação foi que tanto as mulheres das minas da Lapônia como as de todo os setores sociais que se solidarizaram com elas invocaram em sua ação o princípio de que "a mulher não deve ser um objeto".
"Estas são as verdadeiras mulheres suecas", dizia o cartaz de uma comissão de solidariedade às mineiras da Lapônia, opondo-as à mulher sueca estereotipada de filmes e romances eróticos, capaz de passar a noite com um desconhecido e na manhã seguinte nem sequer cumprimentá-lo.

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