NO ACORDO DE PAZ, NENHUMA ILUSÃO
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Publicado
na Folha de S.Paulo, terça-feira, 27 de março
de 1979
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O presidente egípcio Anuar Sadat e o premiê israelense
Menachem Beguin assinaram ontem em Washington o tratado de paz que
põe fim a 30 anos de guerra entre os dois países e que
poderá converter-se no primeiro passo para se conseguir uma
paz global no Oriente Médio. O presidente Jimmy Carter, que
também rubricou os textos do tratado como avalista da paz,
reconheceu que ainda falta convencer o resto do mundo árabe.
"cujo apoio e cooperação são necessários".
E confessou que "não temos ilusões; temos esperança,
sonhos e preces, mas nenhuma ilusão".
O líder da Organização de Libertação
da Palestina, Yasser Arafat, prometeu "cortar as mãos"
dos três signatários do acordo e ameaçou terminar
com os interesses norte-americanos no Oriente Médio, além
de prever para breve o assassinato de Sadat. A Síria prometeu
apelar para o boicote do petróleo para impor os direitos dos
palestinos. O presidente sírio, Hafez Assad, acusou o presidente
Sadat de ter "traído o povo egípcio e a nação
árabe".
Em Jerusalém, no primeiro atentado realizado após a
assinatura do tratado, cinco pessoas ficaram feridas na explosão
de uma bomba. Nos territórios ocupados, a ordem de greve geral
foi maciçamente acataca, enquanto em diversas capitais de países
árabes desenvolviam-se manifestações de protesto.
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Carter
avaliza paz Egito-Israel |
Agora se espera que a solução se estenda a todos
os países da região e encerre 30 anos de guerra
WASHINGTON
- Israel E Egito assinaram ontem em Washington, nos jardins
da Casa Branca, o tratado de paz que põe fim a 30 anos de
guerra, restitui o Sinai aos egípcios e pretende converter-se
no primeiro passo de uma solução global do conflito
no Oriente Médio.
Os três exemplares do tratado - em inglês, hebraico
e árabe - foram assinados às 14 horas locais (16 horas
de Brasília) pelo premiê israelense Menachem Beguin
e pelo presidente egípcio Anuar Sadat. Sentado entre Sadat
e Beguin em uma mesa de mogno de 110 anos, o presidente Jimmy Carter
rubricou o tratado, como garantia de sua execução.
As câmaras de televisão transmitiram a cerimônia
para milhões de norte-americanos, israelenses e egípcios.
Cerca de 1.500 convidados assistiram a este ato, enquanto que centenas
de pessoas agruparam-se em frente à Casa Branca. No centro
de Washington, milhares de simpatizantes palestinos realizaram uma
manifestação de protesto contra o acordo de paz, com
cartazes que diziam: "Sadat, lacaio dos Estados Unidos",
"Depois do xá, Sadat", e "A Palestina não
se vende".
Em um discurso que incluiu citações do Alcorão
e do profeta Isaias, o presidente norte-americano advertiu contra
"todas as ilusões" que pode despertar a assinatura
do tratado de paz. Carter reconheceu que ainda falta convencer o
resto do mundo árabe, "cujo apoio e cooperação
são necessários".
"Não será o fato de assinar um documento escrito
que os problemas serão automaticamente resolvidos",
alertou Carter, dizendo que "não temos ilusões,
temos esperança, sonhos e preces, mas nenhuma ilusão".
O chefe da Casa Branca advertiu que a assinatura do tratado representa
apenas "o primeiro passo da paz - o primeiro passo numa estrada
longa e difícil. Não devemos minimizar os obstáculos
que estão a nossa frente. As divergências ainda separam
os signatários deste tratado e também os países
vizinhos que temem o que eles fizeram". E concluiu dizendo
que "festejamos uma vitoria, não a de uma campanha militar
sangrenta mas sim a vitória de uma campanha de paz que é
fonte de inspiração".
Logo a seguir, falou Beguin, incluindo em seu discurso a palavra
paz em hebraico. "Não mais guerra, não mais derramamento
de sangue, não mais perdas. A paz para vocês. Shalom,
shalom, para sempre", declarou Beguin, visivelmente entusiasmado.
"A paz é o brilho do sol. É o sorriso da criança,
o amor de uma mãe, a alegria de um pai, a união de
uma família. (...) Eu vim da terra de Israel, a terra do
sionismo e de Jerusalém, e aqui estou com humildade e com
orgulho como um filho do povo judeu, como um da geração
do Holocausto", disse o premiê israelense, encerrando
seu discurso com a recitação em hebraico do 126°
salmo do Velho Testamento, colocando um yarmulke negro sobre sua
cabeça.
E então foi a vez de Sadat, que omitiu em seu discurso dois
parágrafos referentes à questão palestina incluídos
na versão entregue antecipadamente à imprensa, onde
ressaltava que os palestinos têm direito ao apoio dos Estados
Unidos e necessitam de garantias de que poderão dar um primeiro
passo para a "autodeterminação e seu próprio
Estado".
Após elogiar o presidente Carter por conseguir o "milagre"
de trazer a paz ao Egito e Israel, Sadat declarou que "hoje
é um novo nascer do sol surgindo da escuridão do passado"
e advertiu que para a paz vigorar realmente na região era
preciso solucionar o problema palestino.
"Ninguém merece mais meu apoio que o povo palestino.
Uma grave injustiça foi cometida contra eles no passado.
Eles necessitam de uma garantia de que serão capazes de adotar
o primeiro passo no caminho para a autodeterminação
e Estado próprio".
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Visita
ao Cairo |
Até algumas horas antes da assinatura do tratado, persistiam
várias divergências entre Egito e Israel, apesar de ter
sido anunciado no domingo à noite que Beguin fará uma
visita ao Cairo na próxima segunda-feira, em reciprocidade
à ida de Sadat a Jerusalém, em novembro de 1977.
O último obstáculo importante que ameaçava a
assinatura do tratado foi superado após difíceis negociações
de última hora, que terminaram na madrugada de ontem. Três
horas antes da cerimônia na Casa Branca, os diplomatas de Israel
e do Egito puderam superar as diferenças de vocabulários
que subsistiam no texto do acordo.
Além disso, também ficou finalmente definido que Israel
devolverá todos os poços de petróleo do Sinai
ao Egito, sete meses depois da assinatura do tratado. Antes, Telavive
exigia um prazo de nove meses e o Cairo propunha seis. E mais: Beguin
se comprometeu que as forças israelenses deixarão a
cidade de Arish, capital do Norte, dentro de dois meses.
Acertadas estas questões, o Departamento de Estado pode imprimir
o volume de 120 páginas que contém o tratado, seus anexos,
cartas explicativas, memorandos adjuntos ao acordo e a cláusula
adicional. Tornou-se assim viável a realização
da cerimônia, ameaçada até seus últimos
momentos.
Dentro de 30 dias, segundo os termos do acordo de paz, deverão
começar as negociações entre Israel, Egito e
Estados Unidos para determinar o futuro estatuto de Gaza e da Cisjordânia.
Uma ceia oficial, que será o banquete mais importante já
servido na história da Casa Branca, deveria reunir ontem à
noite, nos jardins da residência oficial do presidente norte-americano,
1.500 convidados.
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Árabes
fazem "dias de luto" |
Beirute - No momento em que em Washington estava sendo assinado
o tratado de paz, a artilharia de Israel e as milícias conservadores
libanesas bombardeavam a região do campo palestino de Rachidieh,
no sul do Líbano. E a greve geral era maciçamente seguida
nas principais cidades libanesas, nos campos palestinos e nos territórios
ocupados, marcando assim a "jornada de luto" do povo árabe.
Um milhão de habitantes da Cisjordânia e de Gaza participaram
da greve geral decretada pelas municipalidades destes territórios
em sinal de "dor e protesto" pelo tratado de paz egípcio-israelense,
pois não o consideram capaz de garantir a autodeterminação
do povo palestino.
Além disso, a maioria dos cem mil cisjordanianos que trabalham
em território israelense também acataram a ordem de
greve. "A greve era o mínimo que podíamos fazer",
disse o prefeito de Nebrons, Fahed Quawasmi.
Em Beirute, pequenos grupos de jovens organizaram marchas de protesto,
enquanto no setor sul do Líbano, segundo um comunicado militar
palestino, o bombardeio israelense se estendeu do campo de Rachidieh
- localizado a uns 20 quilômetros da fronteira entre o Líbano
e Israel - para a região sul de Nabatiyeh e as localidades
de Rihane e Aichieh, no setor oriental.
E nas fronteiras israelenses com a Síria observava-se ontem
uma aguda tensão. Os comandantes militares israelenses admitem
a possibilidade de ataques provenientes dos países limítrofes.
O exército de Israel tomou todas as medidas de precaução
para fazer frente a eventuais choques armados com a Síria e
o Iraque.
O clima de tensão no Oriente Médio, e particularmente
em Israel, levou os israelenses a cancelarem seus planos de comemorarem
nas ruas a assinatura do tratado de paz, temendo um ataque palestino.
Guardas fronteiriços e soldados patrulham as ruas numa tentativa
de inibir uma reação da população árabe.
Mas assim mesmo, cinco turistas ficaram feridos em Jerusalém
com a explosão de uma granada lançada contra a porta
de um hotel na parte velha da cidade. Os feridos foram transportados
a um hospital e as forças de segurança cercaram o bairro
onde ocorreu o atentado. Foi o primeiro atentado em Jerusalém
após a assinatura do tratado de paz egípcio-israelense.
Em Teerã, cerca de 50 estudantes árabes ocuparam pacificamente
a embaixada do Egito na capital iraniana para manifestar seu apoio
aos palestinos.
Já em Bonn, trabalhadores e estudantes palestinos ocuparam
ontem o escritório da Liga Árabe para protestar contra
a assinatura do tratado de paz que "contraria os interesses dos
palestinos e das nações árabes".
Por outro lado, ocorreram no Kuweit, manifestações de
protestos contra o tratado egípcio-israelense, quando cerca
de 3 mil estudantes secundários atiraram pedras contra a em
baixada do Egito.
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"Sadat
vai terminar morto" |
BEIRUTE - O líder palestino Yasser Arafat previu ontem
que o presidente egípcio Anuar Sadat morrerá assassinado
como o ex-primeiro ministro do rei Faruk Mahmaud Nakrachi, morto em
1948 depois de assinar o tratado de armistício com Israel.
O presidente do Comitê Executivo da Organização
de Libertação da Palestina (OLP) fez esta previsão
em uma cerimônia de promoção de novos comandos
militares da resistência palestina, no campo de refugiados palestinos
da Chantila, nos arredores de Beirute.
Arafat disse além disso que "apesar de Carter ter encontrado
um Petain no nosso meio, não conseguirá que toda a nação
árabe fique de joelhos".
"Eu anuncio a Carter, acrescentou Arafat, que o bloco norte-americano-israelense-egípcio
que tenta formar, terá o mesmo fim que o Cento (Tratado Militar
do Oriente Médio)".
Depois de afirmar que "a bandeira palestina cedo ou tarde tremulará
sobre Jerusalém", o chefe da OLP recordou que a resistência
palestina conseguiu sua maior vitória em Karameh (em 1968,
no vale do rio Jordão), um ano depois da derrota árabe.
Arafat qualificou de "concretas" as entrevistas que manteve
no último fim de semana em Damasco com o ministro de Relações
Exteriores soviético, Andrei Gromiko, porém não
deu nenhuma indicação a respeito.
Em Damasco, o presidente sírio, Hafez El Assad, e o rei Hussein,
da Jordânia, entrevistaram-se ontem para "analisar os meios
de fazer frente à nova conjuntura que surge com o acordo em
separado entre Israel e o Egito", informou uma fonte oficial.
Ambos os chefes de estado concordam que há a necessidade de
reagrupar e mobilizar as capacidades árabes com o objetivo
de recuperar os territórios ocupados por Israel, acrescentou
a fonte.
Hussen dirigiu-se ontem mesmo a Bagdá onde deverá ter
inicio hoje uma reunião dos ministros do Exterior e de Finanças
da Liga Arabe que, segundo se acredita, estabelecerá uma série
de medidas contra o tratado de paz egípcio-israelense. O governo
do Iraque divulgou através da imprensa de Bagdá uma
nota pedindo que "todos os Estados árabes tomem medidas
contra o presidente Anuar Sadat em níveis político e
econômico".
A presença de Hussein no Iraque, depois de ter visitado a Síria,
estimulou os países árabes mais radicais no sentido
de acreditarem que a Jordânia se unirá a uma decisão
de represália contra o Egito.
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