A COLLOSSAL GRÉVE


Publicado na Folha da Manhã, quinta-feira, 27 de maio de 1926

Neste texto foi mantida a grafia original

Londres, maio de 1926.

O temido conflicto estalou. As repetidas entrevistas levadas a cabo entre o primeiro ministro, os proprietarios das minas e os representantes dos mineiros, não produziram resultado e, na segunda-feira, à meia-noite, o comitê operario deu a ordem de declaração de gréve geral. A historia não regista uma paralysação de analoga amplidão; os grandes agrupamentos proletarios - mineiros, ferroviarios, metallurgicos, descarregadores dos caes e typographos - obedeceram fielmente à ordem e no primeiro dia de gréve o numero de operarios parados attingiu a cerca de tres milhões.
O governo, percebendo a excepcional gravidade da situação, publicou um decreto pondo em vigor, emquanto durem as actuaes circumstancias a lei de "estado de urgencia" em virtude da qual a liberdade individual - tão sagrada em Inglaterra - fica em absoluto abolida. Qualquer agente da força publica poderá mediante uma simples ordem do Home Office (Ministerio do Interior), penetrar pela violencia, se necessario fôr, em qualquer local onde se suspeite realizarem-se reuniões sediciosas ou impressão de jornaes clandestinos.
A vida na Inglaterra está sériamente ameaçada. Apesar do grande numero de voluntarios que acorreram ao chamado do governo, os transportes são exíguos e as relações com o continente são quase inexistentes.
A origem do conflicto é meramente economica e circumscripta aos agrupamentos operarios do sub-solo, mas à estreita solidariedade entre todos os organismos proletarios que determinou a declaração de gréve geral, faz pensar em um movimento de côr revolucionaria.
Na Camara dos Communs, Lord Asquith, ex-leader do partido liberal, bem conhecido por suas idéas tolerantes, pôz-se francamente ao lado do gabinete declarando que "nenhum governo teria deixado de acceitar o desafio lançado ao paiz pelas 'Trade-Unions'".
Um significativo incidente, nunca até hoje registado em Inglaterra, revela o caracter violento e desusado da paralysação. Na noite de domingo, os linotypistas syndicados do "Daliy Mail" formularam algumas objecções ácerca de um editorial intitulado "Pelo Rei e pela Patria" que devia sahir no numero de segunda-feira e no qual depois de atacar a gréve se dirigia um appello ao paiz para que apoiasse o governo.
Pondo em pratica o systema de "censura vermelha" applicado em Hespanha e Italia ha annos, os operarios exigiram ao chefe da redacção a modificação do mencionado editorial. Como aquelle não accedesse, a maior parte do pessoal de officina abandonou o trabalho e o diario sahiu com uma limitadissima tiragem.
Segundo certas informações recebidas em "Scotland Yard", os Soviets não foram alheios à preparação do movimento e ha quem affirme que os grupos communistas de Inglaterra obedecem às ordens de Trotzky, que recebeu da Internacional de Moscou o encargo de dirigir o movimento. Isto será talvez um tanto phantastico, mas o que está provado é que a policia dos portos tomou suas disposições para impedir que desembarque em terras britannicas quatro delegados russos que de Moscou sahiram e que viajam com nomes de emprestimo, fazendo-se passar por membros da delegação commercial sovietica.
Mas, por outro lado, a organização das "Trade-Unions" que representa a mais numerosa força operaria, tem singular empenho em que a paralysação seja ordenada e digna e, em mensagem transmittida a todas as partes os chefes laboristas incitam os operarios a "que respeitem a ordem e a lei". Os trabalhistas tratam especialmente de captar a sympathia do publico, convencidos de que qualquer disturbios que se registasse seria acolhido com indignação pelo paiz e que a opinião vacillante se decidiria por fim a collaborar incondicionalmente com o governo. Não é facil, entretanto, exercer uma influencia efficaz em uma massa de tres milhões de homens, entre os quaes figuram communistas, anarchistas e outros exaltados partidarios da violencia, e por isso não de fatalmente occorrer desordens no caso de que o conflicto se prolongue.
Que tempo durará a gréve? Dada a magnitude dos interesses que estão em jogo, ninguém crê que o conflicto possa durar mais de quinze ou vinte dias e mesmo este curto prazo acarreta já uma enorme perturbação ao paiz e um phantastico prejuizo.
Os syndicatos dispõem para socorrer seus filiados de um total de oito milhões de libras esterlinas. Admittindo o socorro semanal de uma libra esterlina, a formidavel somma não representa mais que uns quinze dias de resistencia. Mas, serão todos os operarios fieis à disciplina? Resignar-se-ão os operarios especialistas, que habitualmente ganham entre sete a doze libras por semana, com uma libra que difficilmente será sufficiente para se alimentarem?
Segundo outros calculos, a perda diaria de salarios representa para os grévistas cinco milhões de libras, e, no caso de prolongação de gréve até uns vinte dias, a Inglaterra soffreria um prejuizo total de 20 milhões de libras esterlinas, isto é, quasi o mesmo que acarreta uma verdadeira guerra.
A batalha travada entre o governo inglez e as forças operarias é de uma transcendencia mundial. Seu resultado póde assentar uma doutrina de principio nas futuras luctas. Nos meios politicos de todos os paizes as phases da maior paralyzação de trabalho registada pela historia não deixarão de ser seguidas com o maior interesse. O exemplo de um grande paiz essencialmente dynamico condemnado a uma paralysia total, póde a todos ser proveitoso.
Sob o ponto de vista da economia geral, o conflicto foi talvez originado pelos sacrificios feitos pela Inglaterra para sustentar o prestigio da libra esterlina. Os financeiros da City e o governo não vacillaram ao concertar o accordo Mellon-Baldwin com os Estados Unidos, que impunham a John Bull uma pesada carga. A libra esterlina recuperou seu valor no mercado das divisas, mas as exportações diminuiram sensivelmente, agravando o problema dos sem-trabalho e trazendo como consequencia a carestia da vida, que tem vindo em continuo e incessavel augmento.


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