PAQUISTÃO ACUSA A ÍNDIA DE ATAQUE NA FRONTEIRA

Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 24 de outubro de 1971

Neste texto foi mantida a grafia original

O Paquistão denunciou ontem a Índia de utilizar sua artilharia pesada contra uma divisão blindada estacionada em Rangpur, na fronteira de Bengala com a Índia, causando a morte de 59 soldados do regime de Karachi. Por outro lado, os EUA aumentaram sua pressão contra o Paquistão, a fim de que evite uma guerra com a Índia, no momento em que a sra. Índia Gandhi deixa Nova Delhi para uma viagem de 15 dias que a levará inclusive a Washington.

EUA procuram evitar a guerra entre a Índia e o Paquistão

LONDRES - Os Estados Unidos convidaram ontem o presidente do Paquistão Yahya Khan, e os líderes de Bengala Oriental a iniciarem rapidas negociações para evitar uma guerra.

A iniciativa norte-americana faz parte de um esforço internacional mais amplo, empreendido por Washington para afastar o perigo da tensa situação entre a Índia e o Paquistão.

Os observadores têm a impressão de que o governo do presidente Nixon lançou a iniciativa com um duplo proposito:

Primeiro, a fim de evitar o perigo de uma guerra entre a Índia e o Paquistão, para garantir que não ocorra nada na Ásia que ponha em perigo a projetada visita de Nixon a China.

O Departamento de Estado norte-americano anunciou que já estão em curso negociações com a União Soviética, a Grã-Bretanha, a França e outras potencias, para encontrar os meios de evitar um choque entre a Índia e o Paquistão

O CONFRONTO

Concentração militar em grande escala ao longo das fronteiras entre a Índia e o Paquistão tem causado preocupações em muitas capitais do mundo.

O maior perigo na opinião dos observadores será em meados de novembro, depois do período das monções.

Os esforços realizados pelas autoridades norte-americanas tem sido decisivos - até o ponto de estabelecer contatos extra-oficiais com os chefes do regime provisorio de Bengala Oriental, com sede em Mujibcar.

O contato com este regime, oficialmente reconhecido, tem o objetivo de promover um dialogo com o governo de Yahya Khan, e tem sido escrito como a "segunda solução".

Os norte-americanos tentaram infrutiferamente persuadir Yahya Khan a adotar a chamada "primeira solução" que teria a forma de um acordo entre Yahya Khan e o xeique Mujibur Mahman, o chefe, atualmente preso, da "Liga Awami" que ganhou quase todos os postos importantes nas eleições de dezembro passado no Paquistão Oriental Mijibur está sendo julgado secretamente no Paquistão Ocidental.

AS EXIGÊNCIAS - Uma das principais exigências dos líderes de Bengala Oriental é que o xeique seja posto em Liberdade.

Outra das condições é a concessão de independencia ao Paquistão Oriental, que ficaria separado do regime de Islamabad.

Circulam persistentes rumores de que o regime de Yahya estaria disposto a chegar a um acordo com Mujibur somente se este aceitar a ideia de um Paquistão Oriental autonomo, que continuasse funcionando dentro do quadro da presente Republica Paquistanesa.

O lado de que nada surgiu disto é interpretado como sinal de que Mujibur não está disposto a aceitar somente a autonomia para Bengala Oriental e se identifica com os objetivos do movimento separatista.

Um dos graves temores entre os governos ocidentais é a possibilidade de que as forças paquistanenesas ocidentais, ou os rebeldes de Bengala Oriental, se decidam a uma ação militar em grande escala, uma vez terminada a temporada das monções.

O governo da primeira ministra Indira Gandhi estará submetido fortes pressões internas em favor da ajuda aos bengalis. Isto, para Yahya, seria um ato de guerra.

A sra. Gandhi pretende debater estes assuntos em Londres, com o primeiro-ministro Heath e com o presidente Nixon em Washington, nas proximas semanas.

Indira faz analise serena da crise

NOVA DELHI - A primeira-ministra indiana, Indira Gandhi, mobilizou ontem os reservistas mas pediu moderação a seus compatriotas na atual crise com o Paquistão.

A sra. Gandhi, que partirá hoje em viagem a seis paises, fêz um discurso pelo rádio a tôda a nação. Suas palavras caracterizaram-se pela serenidade. A sra. Gandhi declarou-se partidaria de uma atitude de paz, em contraste com as declarações feitas no principio desta semana por autoridades do ministério do Exterior, que disseram que a Índia poderia empreender "uma ação militar unilateral" contra o Paquistão.

"Nos últimos meses o mundo foi testemunhas da coragem, dignidade e moderação com que enfrentamos êste desafio", disse a sra. Grandhi, "Estou certa que enfrentarão todos os perigos futuros com o mesmo espírito".

A VIAGEM - A sra. Gandhi deu a entender que tinha considerado seriamente a possibilidade de cancelar sua viagem de três semanas que começará hoje e na qual visitará a Bélgica, Austrália, Grã-Bretanha, Estados Unidos, França e Alemanha Ocidental.

"Não é fácil partir, numa situação como esta. Nosso pais está à frente de um perigo. Entretanto, depois de muito pensar, decidi realizar a viagem. Os convites tinham sido feitos há tempo e parecia importante, dada a situação atual, reunir-me com dirigentes de outros países, para manter uma troca de pontos de vista e inteirá-los da realidade da situação".

A primeira-ministra assegurou que não chegará, nas suas visitas, a nenhum acôrdo que possa limitar as iniciativas da Índia na sua disputa com o Paquistão.

"A defesa de nosso interesse nacional, como a solução de qualquer problema repousa em ultima instância em nossas próprias mãos. Todavia a própria gravidade da situação exige que não falemos nem ajamos com ira ou precipitação. O momento é de alerta, não somente para nossas fôrças defensivas mas também para todo o povo", declarou Indira Gandhi.


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.