BUSH DÁ ATÉ HOJE PARA RETIRADA DE SADAM

* Bagdá acha ultimato 'vergonhoso'
* URSS reformula seu plano de paz


Publicado na Jornal, sábado, 23 de fevereiro de 1991

O presidente dos EUA, George Bush, deu ontem um ultimato ao Iraque: a retirada iraquiana do Kuait deve começar até as 14h de hoje (horário de Brasília); a operação deve levar uma semana e a capital kuaitiana deve ser desocupada em 48 horas. Caso contrário, a coalizão começará sua ofensiva terrestre. O Iraque chamou o ultimato de "vergonhoso", mas não deu resposta. "Bush não começou a guerra terrestre porque lhe falta legitimidade", disse o governo iraquiano.
A URSS reformulou sua proposta de paz e incluiu um prazo de 21 dias para a completa retirada do Kuait.
Os ataques aéreos prosseguiram ontem. Bagdá foi atacada horas depois da aceitação do plano de paz soviético pelo Iraque. Fuzileiros navais dos EUA admitiram o uso de napalm, bomba incendiária usada na Guerra do Vietnã.

Bush faz ultimato a Sadam e exige retirada de tropas do Kuait hoje

Fernando Rodrigues
De Washington

O presidente dos EUA, George Bush, deu ontem um ultimato ao presidente do Iraque, Sadam Hussein. As tropas iraquianas devem começar uma retirada "massiva" do Kuait até o meio-dia de hoje, horário de Nova York (14h no Brasil, 20h em Bagdá).
A operação deve ser concluída em uma semana. Sadam tem 48 horas para tirar suas tropas da cidade do Kuait. Caso isso não seja cumprido, vai começar a ofensiva terrestre. O Iraque invadiu o Kuait em 2 de agosto. A guerra completa hoje 38 dias. Há 28 países na coalizão anti-Iraque, liderados pelos EUA.
O Iraque reagiu com vigor ao ultimato, que classificou de "vergonhoso". A proposta foi anunciada pelo presidente Bush no Rose Garden, um dos jardins da Casa Branca. Eram 10h40 locais. Fazia sol e a temperatura era de 16 graus. Minutos antes, era possível ver através de uma das janelas o secretário de Defesa, Richard Cheney, o secretário de Estado, James Baker, e o assessor de Segurança Nacional, Brent Scowcroft, trabalhando para finalizar o texto. Foi lido em quatro minutos.
Bush está reagindo à proposta de paz oferecida há dois dias pelo presidente da URSS, Mikhail Gorbatchev. Os EUA rejeitaram o plano soviético. "Trata-se de uma retirada condicional", disse o porta-voz da Casa Branca, Marlin Fitzwater. "E isso é inaceitável", afirmou.
Na proposta soviética, o Iraque concorda em sair do Kuait mas pede para que as sanções econômicas contra o país sejam canceladas. É isso que os Estados Unidos não querem. Na sua proposta de nove pontos, Bush exige que a saída de Sadam Hussein seja "total e incondicional". O presidente disse que respeita a iniciativa soviética. Mas já existe uma disputa entre os dois países no campo diplomático.
O prazo de meio-dia de hoje foi apresentado para evitar que os Estados Unidos ficassem na posição de reféns das iniciativas diplomáticas em curso. Era o que estava acontecendo até ontem. Enquanto o Iraque negociava uma saída pacífica para o conflito com a URSS, as forças no Golfo não podiam iniciar a fase terrestre da operação Tempestade no Deserto. Além disso, Gorbatchev aparecia cada vez mais nos noticiários de TV como o estadista preocupado com a paz no Golfo. Isso não agradou a Casa Branca.
Bush quis justificar seu ultimato com o seguinte argumento: "Nós soubemos esta manhã (ontem) que Sadam Hussein lançou agora uma estratégia terrestre incendiária contra o Kuait, antecipando talvez que ele esteja se vendo forçado a sair. Ele está ateando fogo e destruindo poços e tanques de petróleo, os terminais de exportação e outras instalações naquele pequeno país."
À tarde, na entrevista diária no Pentágono, o general Thomas Kelly mostrou fotos do que seriam os incêndios causados pelo Exército do Iraque. Em uma projeção feita por Kelly, o mapa do Kuait aparecia com mais de 50% de sua área coberta por uma nuvem preta de fumaça.
Coube ao porta-voz Marlin Fitzwater detalhar a razão do prazo de uma semana para a retirada: "O Iraque invadiu e ocupou o Kuait em questão de horas". O porta-voz reafirmou a necessidade de que todas as 12 resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) sejam cumpridas, inclusive a que mantém sanções econômicas. "Em uma situação onde as sanções tivessem sido retiradas, Sadam Hussein poderia simplesmente reverter o uso de seus recursos em petróleo para o rearmamento do país."
À tarde, Fitzwater falou à imprensa longe das câmaras de TV. Disse que a diatribe de Bagdá contra o presidente Bush não tinha significado, pois não recusava o prazo do ultimato. Disse que há duas coisas que devem ser esperadas do Iraque: 1) um comunicado à ONU de Sadam Hussein dizendo se aceita as resoluções e 2) sinais físicos de que uma retirada do Kuait está em curso.

Bagdá acha vergonhosa a exigência

De Washington

Bagdá classificou o ultimato norte-americano de "vergonhoso" e o presidente Bush de "inimigo de Deus e amigo do diabo". Não houve resposta direta de recusa ou aceitação com respeito ao cumprimento do prazo de meio-dia de hoje.
"Bush e os países que o apóiam ainda não começaram a guerra terrestre porque lhes falta legitimidade", afirmava a nota oficial lida em inglês às 23h30, horário de Bagdá, por um funcionário não identificado do governo. Eram 15h20 em Washington. A leitura durou 13 minutos. Houve transmissão ao vivo para todo o país.
O conteúdo da nota foi um dos mais agressivos desde o início da guerra. "Não o respeitamos (a Bush) nem estamos com medo de sua força agressiva", dizia o comunicado. Sobre a acusação feita por Bush, de que o Iraque estaria incendiando os campos de petróleo kuaitianos, não houve resposta direta, mas a seguinte menção: "Os ataques ao Iraque se intensificaram depois do início das negociações em torno da iniciativa soviética. Bush acha que o Iraque deve silenciar diante disso?"
O prazo para o meio-dia de hoje foi dado, segundo Bagdá, "para que Bush possa aproveitar o fim-de-semana". Foi feita também uma negociação de que a iniciativa soviética seja apenas para ganhar tempo. Isso vinha sendo dito com frequência pelo governo norte-americano. Para os Estados Unidos, o ministro das Relações Exteriores do Iraque, Tareq Aziz, sequer teria condições de negociar. Mas a hipótese foi contestada pelo governo iraquiano. "Aziz está autorizado pelo presidente Sadam Hussein a aceitar a proposta dos soviéticos", afirmou a nota oficial.
Na prática, a reação de Bagdá propôs apenas a formação de um "comitê" de países liderados pela União Soviética e China. Esse grupo verificaria "a destruição de civis no Iraque e no Kuait". A coordenação do grupo, sugere o comunicado, deveria ser do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Só seriam aceitos países que não participam da coalizão anti-Iraque.


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