EXÉRCITO DO PERU LIBERTA REFÉNS


* Guerrilheiros morrem em ação na casa de embaixador tomada havia 126 dias

* Fujimori acompanha a operação no local e recebe saudação dos soldados


Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 23 de abril de 1997

Policiais e militares invadiram a casa do embaixador japonês em Lima, capital do Peru, e libertaram 72 reféns mantidos havia 126 dias por guerrilheiros da organização esquerdista MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru).
Morreram todos os 15 guerrilheiros, um refém (Carlos Giusti Acuña, juiz da Suprema Corte peruana) e um militar, segundo rádio local. Cinco reféns ficaram feridos. A ação, com mais de 80 agentes, começou às 15h30 (17h30 de Brasília) e durou cerca de 40 minutos. Houve várias explosões.
De colete à prova de balas, o presidente Alberto Fujimori acompanhou tudo no local. Disse que os reféns foram soltos "sãos e salvos". Ao final, foi saudado pelos soldados.
Os guerrilheiros haviam invadido a casa na noite de 17 de dezembro, durante uma festa pelo aniversário do imperador Akihito, e fizeram mais de 400 reféns, muitos diplomatas.
O MRTA exigia a libertação de guerrilheiros presos no país e na Bolívia. Porta-voz do grupo disse ontem que o MRTA manterá ações contra "o terrorismo de Estado" no Peru.
O premiê Ryutaro Hashimoto disse que o Japão não foi consultado sobre a ação, mas agradeceu a Fujimori. Os EUA atribuíram o desfecho ao MRTA.

EDITORIAL

DESFECHO EM LIMA

O fim da crise dos reféns na casa do embaixador do Japão em Lima (Peru) é um desses episódios tão carregados de emoções que torna precárias avaliações imediatistas em termos de quem ganhou e quem perdeu.
À primeira vista, ganhou, claro, o presidente peruano, Alberto Fujimori. Pela ação militar, ele conseguiu a libertação dos reféns. Dada a situação, as baixas foram mínimas.
Mas esse é um êxito que precisa ser matizado. A festa final, em que Fujimori discursou para o comando de elite que invadiu a casa do embaixador, lembrava mais um comandante militar do que um líder civil. Se se lembrar que o mesmo Fujimori já havia caído em tentações autoritárias, ao fechar o Congresso em seu primeiro mandato, cabe temer um recrudescimento dessa tendência.
Além desse aspecto político-institucional, será preciso ainda estabelecer com maior clareza como morreram os membros do MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru) que praticaram o sequestro. Se foram mortos resistindo à invasão, pagaram o preço pela escolha de um caminho condenável.
Nunca é demais repetir que a violência, a via escolhida pelos sequestradores, só cabe, pelas normas do Direito internacional, em situações de ''tirania insuportável'', o que, claramente, não é o caso do Peru de hoje. Mas é possível que tenham sido fuzilados, como já aconteceu em momentos anteriores da luta contra a guerrilha. Tanto quanto a violência terrorista, é preciso repudiar o que seria, comprovada essa hipótese, o terrorismo de Estado.
A derrota do MRTA é também emblemática do isolamento em que caiu o extremismo de esquerda na América Latina. Cerca de quatro meses de posse de um poderoso instrumento de propaganda política não foram suficientes para atrair a solidariedade nem entre a maioria dos peruanos nem em outros países.
Que as mortes dos militantes do MRTA sejam as últimas a ocorrer em nome de uma vanguarda revolucionária que não tem, claramente, a menor retaguarda popular.

Invasão militar liberta 71 reféns depois de 126 dias de crise no Peru

*Cerca de 140 militares peruanos participaram da operação de 40min
* Tropas matam 14 guerrilheiros que ocuparam o prédio em dezembro
*Um refém morre e vários ficam feridos, entre eles o chanceler do Peru


Militares peruanos invadiram às 15h30 de ontem (17h30 em Brasília) a residência do embaixador japonês em Lima e libertaram os reféns mantidos por guerrilheiros havia 126 dias.
A operação realizada por 140 militares durou aproximadamente 40 minutos e terminou com a morte de 1 refém, o juiz da Suprema Corte peruana Carlos Giusti Acuña, de pelo menos 2 militares e 14 guerrilheiros.
Um líder guerrilheiro, não-identificado, disse à "Reuter" que os quatro sequestradores mais jovens ainda tentaram se render, mas mesmo assim foram mortos pelos militares.
Há pelo menos 25 reféns feridos com intensidade variada, entre eles o chanceler peruano, Francisco Tudela, que foi operado.
Num discurso após a libertação dos reféns, o presidente Alberto Fujimori confirmou os números de vítimas e disse que "não havia outro meio" de solucionar a crise.
Segundo a "France Presse", a maior parte dos militares invadiu o local através de um túnel. Eles aproveitaram o momento da partida diária de futebol dos guerrilheiros para conquistar o prédio, segundo a "Reuter".
Havia 72 reféns nas mãos dos 14 guerrilheiros da organização esquerdista MRTA (Movimento Revolucionário Tupac Amaru).
O líder dos guerrilheiros, Néstor Cerpa Cartolini, era o segundo da organização, atrás de Víctor Polay Campos, o fundador do grupo.
Entre os reféns libertados estão dois ministros peruanos, os embaixadores do Japão e da Bolívia, outros 23 cidadãos japoneses e vários peruanos, entre eles Pedro, irmão do presidente Fujimori.
O embaixador boliviano, Jorge Gumucio, disse que os reféns tinham sido avisados de antemão que haveria a intervenção militar. Ele não quis dizer como tiveram acesso à informação.
Após a libertação, os reféns foram levados de ônibus para hospitais militares, onde seriam submetidos a exames médicos.
Num hospital militar, uma testemunha disse que o governo não teve alternativa: "Estamos aqui para aplaudir os reféns e a polícia pela sua bravura", afirmou Edith González. Já Nancy Domínguez, 53, irmã de um refém, disse não saber "se o ataque era necessário".
O primeiro-ministro do Japão, Ryutaro Hashimoto, afirmou em Tóquio que seu governo não foi consultado sobre a invasão da residência, tecnicamente território japonês. Hashimoto agradeceu ao governo Fujimori pela operação.
Explosões
Durante e depois da operação, várias explosões de origem desconhecida ocorreram dentro da casa do embaixador japonês.
Elas poderiam ser causadas por granadas lançadas pelos militares ou pela detonação de minas e armadilhas explosivas espalhadas no prédio pelos guerrilheiros, que ameaçavam explodir a residência e matar todos os reféns no caso de uma tentativa de resgate.
A residência havia sido invadida pelos guerrilheiros do MRTA no dia 17 de dezembro, durante uma festa pelo aniversário do imperador japonês, Akihito.
No início, foram feitos mais de 400 reféns, entre eles vários embaixadores. Nos dias seguintes, a maioria, entre eles o embaixador brasileiro Carlos Luiz Coutinho Perez, foi solta.
Os guerrilheiros exigiam a libertação de cerca de 400 integrantes do MRTA presos no Peru e em outros países.
Os guerrilheiros e o governo iniciaram em 11 de fevereiro negociações por intermédio de uma comissão composta pelo representante da Cruz Vermelha Internacional, Michael Minnig, o embaixador do Canadá, Anthony Vincent, e o bispo Juan Luis Cipriani.
A negociação entre o governo e o MRTA havia sido praticamente interrompida no dia 12 de março.
Em entrevista à rede de televisão CNN, Isaac Velazco, porta-voz do MRTA, disse que a guerrilha vai continuar a luta contra "o terrorismo de Estado" no Peru.
Para Velazco, a guerrilha não ganhou nem perdeu com o resultado do sequestro.
O sequestro de Lima é a segunda tomada de reféns em embaixada mais longa, atrás apenas da ocupação da embaixada dos EUA em Teerã (Irã), que durou 444 dias.

CRONOLOGIA

Terça, 17.dez.96 - Um comando do grupo guerrilheiro Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA) invade a residência do embaixador do Japão no Peru, Morihisa Aoki, situada em Lima (capital do país).
Na casa ocorre uma festa com centenas de convidados, entre eles representantes diplomáticos de vários países (como o embaixador do Brasil no Peru, Carlos Luiz Coutinho Perez) e importantes autoridades peruanas.
Os guerrilheiros exigem que todos os membros do MRTA sejam libertados. Cerca de cem mulheres são soltas, entre elas a mãe de Alberto Fujimori, presidente do país.

Quarta, 18.dez - O ministro da Educação peruano, Domingo Palermo, é escolhido o representante oficial do governo nas negociações. Guerrilheiros libertam os embaixadores da Alemanha, do Canadá e da Grécia, para que estabeleçam um contato direto com o governo.

Quinta, 19.dez - A polícia revela que o irmão de Fujimori, Pedro Fujimori, está entre os reféns. Michael Minnig, representante oficial da Cruz Vermelha no Peru, é designado mediador oficial entre o governo e o comando guerrilheiro.

Sexta, 20.dez - Libertação de 38 reféns, entre eles o embaixador do Brasil.

Domingo, 22.dez - Seis mil manifestantes pedem em Lima a libertação dos reféns. Os guerrilheiros soltam 225 reféns.

Quarta, 24.dez - A Cruz Vermelha Internacional anuncia que há 106 reféns presos na casa.

Quinta, 26.dez - Ocorre uma explosão na região da casa do embaixador japonês. A polícia informa que um animal havia detonado uma mina plantada pelos guerrilheiros. Não houve feridos.

Sexta, 27.dez - O governo restaura o estado de emergência em Lima. O Congresso peruano reafirma seu apoio a Fujimori.

Sábado, 28.dez - Inicia-se o primeiro contato direto entre o governo do Peru e os guerrilheiros com a entrada de Domingo Palermo, negociador oficial do governo, na casa do embaixador japonês. O MRTA liberta mais 20 reféns.

Quarta, 15.jan.97 - Os guerrilheiros concordam em participar de negociações para pôr fim à crise com a condição de que as conversações incluam a discussão sobre a libertação de seus companheiros presos.

Sábado, 1º.fev - Fujimori concorda em dialogar com os rebeldes durante um encontro com o primeiro-ministro japonês, Ryutaro Hashimoto, em Toronto, no Canadá.

Terça, 11.fev - O líder guerrilheiro Néstor Cerpa Cartolini e o representante do governo peruano iniciam a organização do diálogo.

Segunda, 3.mar - Durante visita a Cuba, Fujimori obtém do presidente Fidel Castro promessa asilo político ao MRTA.

Quarta, 12.mar - O diálogo entre guerrilha e governo é interrompido devido ao pedido de Cerpa para que mais de 400 guerrilheiros sejam libertados.

Terça, 22.abr - Forças policiais e militares peruanas invadem a residência do embaixador e resgatam os reféns.


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