EX-EMBAIXADOR CHILENO É ASSASSINADO NOS EUA

Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 1976

O ex-embaixador chileno nos Estados Unidos, Orlando Letelier, foi morto ontem no bairro diplomático de Washington em consequência da explosão de uma bomba colocada em seu automóvel. Ronnie Moffit, uma auxiliar que o acompanhava, também morreu no atentado e o marido dela, Michael Moffit, ficou gravemente ferido.
O governo do Chile, que na semana passada decretou a cassação da cidadania chilena de Letelier, emitiu uma nota na qual repudia o atentado e contesta as acusações de que estaria envolvido.
Ex-ministro do governo Allende, no qual ocupou as pastas de Relações Exteriores, Interior e da Defesa, Letelier, 44 anos, vivia em Washington desde 1974, quando foi liberado pela Junta chilena depois de um ano de prisão. Era diretor do Instituto Transnacional de Estudos Políticos e professor da American University, além de liderar um movimento de oposição à ajuda militar e econômica norte-americana a Santiago.
Sua morte provocou enérgicos protestos no Congresso norte-americano, onde o senador democrata Eward Kennedy exaltou a luta de Letelier pelos direitos humanos no Chile e exigiu uma "severa investigação sobre esse grave assassínio".

Ex-ministro chileno é assassinado nos EUA

WASHINGTON - Orlando Letelier, ex-embaixador chileno nos Estados Unidos e também ex-ministro das Relações Exteriores, do Interior e da Defesa, durante o governo de Salvador Allende, foi morto ontem num atentado à bomba, em Washington.
O automóvel de Letelier trafegava pelo bairro diplomático da capital norte-americana, quando uma violenta explosão destruiu o carro, que rodou várias vezes na rua antes de se chocar com um Volkswagen estacionado em frente à Embaixada da Romênia. No atentado também morreu Ronnie Karpen Moffitt, de 25 anos, assistentes de Letelier no Instituto Transnacional de Estudos Políticos de Washington, dirigido pelo ex-ministro chileno.
O marido de Ronnie, Michael Moffitt também estava no automóvel e ficou gravemente ferido. Ele está internado no hospital da Universidade George Washington e segundo um boletim médico foi colocado fora de perigo.
O governo militar chileno havia cassado na semana passada a cidadania chilena de Orlando Letelier, de 44 anos, que vivia em Washington, onde também era professor da American University, desde que foi libertado pela Junta Militar, em 1974. O automóvel azul, de modelo recente, estava registrado em nome do ex-ministro. Pedaços de vidro do carro foram encontrados a cerca de 30 metros do local da explosão.

Letelier e Ronnie (que teve suas pernas destroçadas) chegaram ainda com vida ao hospital universitário, mas morreram quando eram atendidos pelos médicos.
A explosão ocorreu numa pequena praça, chamada Sheraton Oval, nas proximidades das embaixadas romena e da Irlanda, e a cerca de cem metros da residência do embaixador chileno, que ficava do outro lado da avenida Massachussets.

Reações

A notícia da morte de Letelier repercutiu imediatamente no Congresso norte-americano, onde o professor chileno tinha muitos amigos. O senador democrata Edward Kennedy, que sempre criticou duramente o governo militar chileno, a classificou de "assassinato".
"Seu único crime - disse Kennedy na tribuna do Senado - foi acreditar na liberdade do seu povo". O senador afirmou que esse "é um tipo de violência política absolutamente inaceitável e espero que seja realizada uma ampla investigação a respeito". Kennedy elogiou a vida de Letelier e sua luta contra "as violações dos direitos humanos por parte da Junta Militar de Pinochet".
Na Câmara dos Representantes, pouco antes do discurso de Kennedy no Senado, o deputado democrata James Abourezk, de Dakota do Sul, comentou o atentado na tribuna afirmando: "O longo braço da tirania chilena chega agora aos Estados Unidos".
Por sua vez, ao ser informado, o governo norte-americano expressou seus pêsames à viuva Letelier, enquanto o Departamento de Estado emitiu um comunicado em que afirma que a morte do professor chileno causa "graves preocupações".

No Chile

Em Santiago, o governo militar chileno lamentou o atentado de Washington numa lacônica declaração divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores. O comunicado diz: "O governo do Chile lamenta o ocorrido e reitera seu mais decidido repúdio aos atos de terrorismo". A nota relata o incidente e indica que o embaixador chileno em Washington, Manuel Tucco, foi instruído pelo seu governo para solicitar ao Departamento de Estado dos EUA uma "completa investigação do caso."

Ameaças

Segundo pessoas ligadas a Letelier, o ex-ministro de Allende recebera há alguns dias várias ameaças de morte. Nessas ameaças - feitas por telefone - Letelier era instado a suspender com sua campanha contra qualquer ajuda militar ou econômica de Washington ao governo chileno.
Peritos policiais, citados pela agência AFP afirmaram que aparentemente a bomba havia sido colocada várias horas antes da explosão. Partidários do general Pinochet disseram que a explosão se tratava de uma tentativa terrorista de Letelier e seus colaboradores, os quais "teriam perdido o controle de uma bomba de fabricação caseira". Para reforçar essa hipótese citaram o fato de a explosão ter ocorrido perto da embaixada chilena, "para onde era dirigida".
Essa versão, no entanto, foi considera "ridícula" pelos amigos de Letelier, para quem o atentado foi "orientado de Santiago para por fim à oposição de Letelier ao governo Pinochet". Além de enfatizar que aquele era um trajeto normal do ex-chanceler, citaram o fato de a explosão ter ocorrido às 9h40 da manhã, afirmando: "Ninguém pode ser tão pouco inteligente para programar um ato terrorista para esse horário do dia".

México

Em Caracas, onde realiza uma viagem de contatos antes de assumir a presidência do México, o presidente eleito José Lopez Portilho condenou o assassinato de Letelier qualificando-o de "cruel e inadmissível", e ofereceu-se para receber os restos mortais do professor em seu pais.
"Soube que seus familiares desejam sepultá-lo na Venezuela ou no México. Para mim, nada seria mais honroso que receber seus restos mortais em meu país", disse Lopez Portillo.

México"Sobretudo um Chileno"

Pouco antes de morrer aos 44 anos, Letelier havia respondido a um repórter que o entrevistava sobre a cassação de sua cidadania chilena, ordenada pelo governo militar, que apesar de exercer muitas funções, ser um professor, economista, político e ex-embaixador, ainda se considerava "sobretudo um chileno". Assim procurava explicar também seu "engajamento na defesa dos direitos e aspirações de todos os cidadãos do meu país que sofrem sob a ditadura militar".
Formado em Direito, Letelier desde cedo se destacou como um eficiente administrador. Primeiro, no Departamento de Cobre do Chile, onde se tornou um especialista no assunto e escreveu vários trabalhos a respeito e depois em organismos internacionais.
Dessa especialização surgiu um convite para trabalhar em Washington, no Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), onde foi um alto funcionário de 1955 a 1960. Foi um dos fundadores do Banco Asiático em 1962, participando de projetos de desenvolvimento do Irã, Índia, Paquistão e outros países da área.
Segundo alguns observadores, era amigo do ex-ministro do Interior de Allende e ex-comandante geral do Exército, Carlos Prats, assassinado na Argentina.
Militante do Partido Socialista chileno desde 1962, quando Allende assumiu a presidência, em 1970, convidou-o para ser o embaixador em Washington. Em 1973, retornou a Santiago onde foi sucessivamente ministro das Relações Exteriores, do Interior e da Defesa. Preso depois do golpe militar de setembro de 1973, foi libertado um ano depois, quando viajou para a Venezuela e depois se transferiu a Washington, onde era professor universitário, pesquisador de ciência política, e um dos líderes da oposição liberal ao governo Pinochet. Deixou viúva a sra. Isabel Moral e três filhos homens.

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