ATENTADOS NO PAQUISTÃO AGRAVAM CRISE EUA-IRÃ

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 1979

O confronto entre Irã e Estados, aberto pelos militantes muçulmanos que ocupam há 18 dias a embaixada americana em Teerã com o apoio ostensivo do aiatolá Khomeini, ganhou ontem nova dimensão com a tentativa de ocupação por radicais muçulmanos da representação diplomática dos EUA em Islamabad e atentados contra edifícios norte-americanos em todo o Paquistão, e mais: a operação para desalojar dissidentes muçulmanos da mesquita de Caaba na Arábia Saudita; as ameaças de Teerã de matar os reféns norte-americanos; e a ampliação do movimento de tropas navais dos EUA em direção ao Golfo Pérsico.
Em Teerã, onde dois milhões de adeptos de Khomeini saíram às ruas e se postaram ante a embaixada dos EUA para gritarem lemas antiamericanos, os militantes muçulmanos, informados do possível cerco militar de belonaves dos EUA, avisaram: "Uma tentativa de intervenção pela força significará a morte dos 49 reféns restantes."
Em Washington, ao tomar conhecimento da ameaça, Jody Powell, porta-voz da Casa Branca, afirmou que "o governo do Irã será responsabilizado pela morte dos cidadãos norte-americanos".
Milhares de pessoas, aos gritos de "abaixo o cão Carter", invadiram e incendiaram ontem a embaixada dos Estados Unidos em Islamabad, em meio a uma série de ataques contra edifícios de propriedade norte-americana em todo o Paquistão. Em Rawalpindi, o "American Centre", foi incendiado. Na Capital paquistanesa, cerca de 60 funcionários refugiaram-se em um cofre-forte localizado no terceiro andar da sede diplomática, de onde foram retirados horas depois pelas tropas paquistanesas e levados à embaixada britânica.
O Departamento de Estado dos EUA acusou o aiatolá Khomeini de insuflar os muçulmanos com "mentiras completas e conscientes" e elogiou o governo de Islamabad por ter resolvido rapidamente o incidente. Poucas horas antes do ataque, Khomeini divulgara uma declaração acusando os Estados Unidos e Israel pela ocupação, anteontem da mesquita de Meca, na Arábia Saudita.
A Arábia Saudita restabeleceu ontem as ligações telefônicas e de telex com o mundo, mas o episódio do ataque a Meca, o lugar mais santo para os muçulmanos, continua obscuro.

"Nenhum dos reféns será poupado"

TEERÃ - Os estudantes iranianos ameaçaram ontem matar todos os 49 norte-americanos mantidos como reféns e explodir a embaixada dos Estados Unidos em Teerã, se Washington tentar qualquer ação militar contra o Irã. E, em apoio aos estudantes, cerca de dois milhões de pessoas -metade da população de Teerã - desfilaram diante de embaixada, transformação a comemoração do primeiro dia do século 15 muçulmanos numa gigantesca manifestação política - a maior realizada no Irã desde a deposição do ex-xá Mohamed Reza Pahievi.
No comunicado, dirigido à "nação iraniana em luta", os estudantes que ocupam a embaixada dos EUA desde o dia 4 também advertiram que, "em caso da mais leve ofensa dos Estados Unidos, todos os norte-americanos residentes no Irã estarão em perigo".
Depois de afirmar que estão acompanhando todos os movimentos de forças navais norte-americanas, os estudantes declararam: "Advertimos severamente o Governo dos Estados Unidos: se percebermos que as ameaças norte-americanas estão se tornando reais, destruiremos todos os reféns de uma vez em um segundo... e a embaixada, que é um centro de espionagem, será dinamitada".
O comunicado acrescenta que os muçulmanos não ficarão inertes vendo "movimentos militares em território iraniano" e lutarão "com unhas e dentes e com toda a força necessária para a destruição do inimigo".
Anteontem, depois de afirmar que todos os 49 reféns norte-americanos que ainda continuam detidos na embaixada serão processados pelos tribunais se o ex-xá não for extraditado, porque foi comprovado que são espiões, o dirigente máximo iraniano, aiatolá Khomeini, ridicularizou o presidente Jimmy Carter e afirmou: "Carter tenta amedrontar-nos, às vezes militarmente, às vezes economicamente. Ele sabe que está batendo num tambor vazio. Ele nem tem capacidade militar nem tem seguidores".
Ontem, entretanto, o ministro da Economia e chanceler interino Abol Hassan Bani Sadr, declarou que um processo contra os reféns norte-americanos não implica necessariamente em condenações ou castigos. Explicou que o processo pode servir mais para condenar a política norte-americana em relação ao Irã do que para castigar os reféns.

Manifestação

Atendendo ao apelo de Khomeini, centenas de milhares de pessoas realizaram ontem uma manifestação contra os Estados Unidos em Teerã, no primeiro dia do século 15 muçulmanos e inicio do Moharram, o mês do sacrifício dos muçulmanos. O número de manifestantes varia de acordo com as fontes: a agência France Press disse que um milhão de iranianos participaram da manifestação: a agência norte-americana AP falou em dois milhões, enquanto a agência oficial soviética Tass, informou que Moscou sobre três milhões de manifestantes. (Teerã tem uma população de aproximadamente quatro milhões de pessoas).
Carregando cartazes com fotos de Khomeini e caricaturas de Carter, a gigantesca massa humana se arrastou pelas ruas de Teerã, aos gritos de "morte a Carter; morte ao Xá", "Khomeini luta, Carter treme" e "morram os três corruptos Sadat, Beguin e Carter".
Em frente à embaixada norte-americana, ápice da manifestação, o aiatolá Moosavi Khoeyni, líder espiritual dos estudantes, pronunciou um discurso por um alto-falante em que condenou os Estados Unidos. Suas frases ecoavam por toda a capital, repetidas pela imensa multidão, enquanto nos tetos das casas, pessoas erguiam os braços com os punhos cerrado ou com um fuzil nas mãos.
No ano passado, nesse mesmo período do Moharram, a rebelião contra o regime do xá se intensificou e tropas do ex-monarca disparavam contra as multidões de manifestantes.
Em Mahabad, capital da provincia do Curdistão. Abdel Rahman Jassemlurpt, o secretário-geral do Partido Democrata Curdo Iraniano (PDCI), colocado por Khomeini na ilegalidade durante a recente rebelião curda, manifestou ontem seu apoio ao Governo de Teerã no conflito contra os Estados Unidos.
Em sua primeira aparição pública desde que o partido foi proscrito, declarou: "Levantamo-nos em armas pela autonomia de todos os povos do Irã. Porém, hoje, estamos juntos contra os Estados Unidos".

Carter reafirma ameaça

WASHINGTON - A Casa Branca, depois de levantar pela primeira vez a possibilidade de uma ação militar contra o Irã, advertiu ontem o Governo iraniano que será considerado "estritamente responsável" pela segurança dos 49 reféns norte-americanos que ainda são mantidos no interior da embaixada dos EUA em Teerã.
Ao mesmo tempo, o presidente Kimmy Carter, depois de conversar com o secretário de Estado, Cyrus Vance, também enviou mensagens pessoais a vários dirigentes mundiais, pedindo "maior segurança e proteção para as embaixadas e funcionários norte-americanos" em seus países.
Carter conferenciou anteontem com seus assessores militares e de política exterior, e fez em seguida uma dura advertência ao Irã, de que corre o risco de ser alvo de uma ação militar norte-americana se o aiatolá Khomeini levar adiante sua ameaça de julgar os reféns mantidos em Teerã, acusados de espiões.
Ontem, depois que os estudantes iranianos que ocupam a embaixada anunciaram em Teerã que matarão os reféns e explodirão a sede diplomática caso Washington tente qualquer ação militar contra o Irã, fontes do Departamento de Estado disseram que "não temos meios de confirmar a validade dessas informações, ou quem as está originando".
Por sua vez, o porta-voz da Casa Branca, Jody Powell, lançou um apelo para que o Governo de Khomeini não interprete mal a firmeza das intenções dos Estados Unidos, manifestadas por Carter na terça-feira.
O governo iraniano "será considerado estritamente responsável pela segurança de todos os cidadãos norte-americanos no Irã e seria um erro dos mais sérios duvidar desta afirmação. É importante que as pessoas não interpretem mal que consideramos o Governo (iraniano) responsável pelas vidas e segurança de nossos concidadãos", disse Powell.
Embora não identificasse Khomeini especificamente como indiretamente responsável pelo ataque contra a embaixada de Islamabad, Powell disse que essa ação começou 90 minutos depois que o líder religioso iraniano acusara os Estados Unidos e os sionistas de envolvimento na tomada da grande mesquita de Meca.
"Tais declarações são ultrajantes e eram sabidamente falsas no momento em que foram feitas. Os que fizeram tais declarações serão considerados responsáveis."
Powell disse também que Carter não estará presente à chegada, na base aérea de Andrews, hoje de manhã, dos 13 reféns libertados da embaixada de Teerã, explicando que os 49 reféns "ainda detidos na capital iraniana já foram virtualmente condenados... e tenta-se converter reféns em prisioneiros. Nosso ponto de vista é que da mesma forma como aplaudimos esta libertação segura de reféns norte-americanos, não apenas por eles e suas famílias e todos os norte-americanos, temos que manter bem claro em nossas mentes que norte-americanos estão sendo mantidos reféns sob ameaça de julgamento por um sistema de justiça inexistente..."
"Há uma tentativa de converter reféns em prisioneiros. Ao mesmo tempo em que aplaudimos o regresso de alguns dos reféns... e estamos obviamente contentes com sua segurança, nossas mentes e as de todo o mundo têm que se fixar na segurança dos que estão sendo mantidos.
"Por suas palavras e ações, o presidente (Carter) tem que demonstrar" que o destino dos outros reféns é "seu interesse principal", acrescentou o secretário.
"O presidente mandou mensagens pessoais aos dirigentes de vários países pedindo segurança e proteção adicionais para as embaixadas e funcionários norte-americanos "declarou Powell, que se recusou a dizer quais os países que receberam a mensagem ou se foram só os países islamitas.

Pesquisa

Quase um terço das pessoas que responderam a uma pesquisa telefônica, em Boston, sobre a manutenção dos reféns em Teerã, declararam que os Estados Unidos devem deixar a situação evoluir naturalmente e não tomar qualquer ação direta para libertá-los.
A pesquisa, feita na segunda-feira, na área da Grande Boston, foi divulgada pela televisão WNAC antes das ameaças de Khomeini. De acordo com a consulta, 31 por cento dos entrevistados pensam que os EUA não devem tomar iniciativa; outros 30 por cento disseram que deve ser suspenso o embarque de alimentos para o Irã; 16 por cento opinaram que o ex-xá deve ser trocado pelos reféns.
Além disso, 12 por cento disseram, que Washington deve expulsar os estudantes iranianos dos EUA e 8 por cento defenderam o uso da força militar contra o Irã.

Na Meca, fanáticos resistem ao cerco

JEDAH, Arábia Saudita - Um grupo de muçulmanos, último reduto do comando que na terça-feira ocupou a grande mesquita de Meca, continuava no final da noite de ontem resistindo aos ataques com blindados e tropas de elite, lançados pelo Exército da Arábia Saudita para desocupar o local mais sagrado dos islamismo, libertar os reféns e impedir uma "guerra santa".
A informação, transmitida pela agência de noticias AFP, demente as declarações do governo saudita de que as tropas governamentais já haviam dominado totalmente os ocupantes e libertados os reféns.
Em Qom, no Irã, desmentindo que o ataque à mesquita de Meca tenha sido insultado por ele, o aiatolá Khomeini distribuiu um comunicado afirmando que a ocupação foi "obra do criminoso imperialismo norte-americano e do sionismo internacional".
Em Londres, a embaixada iraniana condenou o ataque à mesquita.
O ministro do Interior saudita, príncipe Nayef Bin Abdel Aziz, disse: "Apesar de estar com a situação sob controle, o comando do Exército não deseja tomar qualquer medida que possa causar danos aos muçulmanos dentro da casa de Deus ou violar a santidade da mesquita que foi violada por esses criminosos".
Os pistoleiros não identificados, também muçulmanos, invadiram a mesquita de Meca, onde está situada a pedra Coaba, de dois andares, o mais venerado santuário o islamita, durante as orações matutinas de anteontem, informou a rádio Riad.
Segundo a emissora, os pistoleiros ainda mantinham em seu poder número não determinado de reféns, fiéis que rezavam na mesquita. A rádio não identificou a nacionalidade nem o motivo dos pistoleiros, a quem classificou de "pervertidos religiosos".

Contradição

Contudo, fontes diplomáticas sauditas disseram em Washington que apenas o líder dos atacantes permanecia dentro da mesquita. Afirmaram que as 90 pessoas que tomaram o santuário pertencem à seita muçulmana xiita. Contaram ainda que os ataques contrabandearam armas para dentro, no interior de um caixão de defunto e, uma vez lá dentro, pegaram as armas e tomaram a mesquita.
Dois guardas sauditas foram mortos.
As autoridades governamentais sauditas tinham confirmado anteriormente a informação da agência noticiosa do Kuwait, informando que "a situação encontra-se agora sob controle e se dirige à solução final".
"As forças de segurança sauditas atacaram a grande mesquita de Meca e neutralizaram a ação dos fanáticos muçulmanos que ocuparam a casa de culto durante as orações" disse a agência.
A agência informou também que muitas pessoas foram mortas, inclusive o chefe religioso da mesquita. Noticias não confirmadas procedentes de Meca deram conta de que numerosas pessoas foram mortas e feridas durante um tiroteio entre os soldados e pistoleiros, anteontem.
O ataque ocorreu num dos dias mais importantes da religião islamita, no início do ano 1.400 do calendário muçulmano, que começa no dia em que o profeta Maomé fugiu de Meca para Medina, a fim de começar a pregar sua religião.
Como resultado da ocupação reuniram ontem os doutores do Islã para examinar a situação e pronunciar-se sobre a ocupação da mesquita.
Os ulemás qualificaram os rebeldes de "um grupo de fanáticos renegados que traíram o Islã".
"Esse julgamento, estimaram os especialistas, equivale a uma virtual sentença de morte para os fanáticos que participaram na ocupação da mesquita".

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