POLICIA INVESTIGA CRIME COMETIDO HÁ UM MILHÃO DE
ANOS
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Publicado
na Folha de S. Paulo, sexta-feira, 22 de maio de 1964
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Neste texto foi mantida a grafia original
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PARIS, maio - A Policia, que já utilizava o concurso dos quimicos
para elucidar os grandes enigmas criminais, apela agora para os novos
recursos da fisica nuclear. Há alguns meses, o estudo de uma
mecha de cabelo pertencentes a Napoleão forneceu indicios cientificos
que possibilitaram a crença de que o celebre imperador francês
teria sido envenenado com arsenico. Uma analise efetuada por importante
laboratorio nuclear revelou a presença anormal de arsenico
nos referidos cabelos.
Pode
causar admiração que essas pesquisas desafiem o tempo
e possam denunciar assim um crime tão antigo. É que
os metodos da analise das radiatividades permanecem validos a despeito
dos seculos ou até dos milenios. São necessarios prazos
muito grandes para que desapareçam todos os vestigios de fenomenos
radiativos. Nossos aparelhos são hoje tão sensiveis
que descobrem a existencia de acontecimentos que remontam a milhões
de anos: razão demais para que façam surgir da sombra
acidentes infinitamente menos afastados.
Todos se lembram da descoberta, pela Policia romana, em fevereiro
deste ano: um corpo do sexo feminino foi encontrado num sarcofago
de pedra exumado por uma turma de operarios, no Norte de Roma. Acreditou-se
imediatamente num crime recente, tão bem conservados estavam
os despojos. Foi aí que intervieram os laboratorios e estabeleceram
logo a verdade: tratava-se de menina de 10 ou 12 anos que tivera morte
natural, sem duvida por doença, e que fora trazida do Egito,
onde especialistas locais tinham embalsamado o cadaver. Atualmente,
o inquerito prossegue com o fim de identificar a morta e descobrir
a doença que a vitimou.
Outro inquerito "no passado" foi aberto em Moscou, a proposito
do famoso czar Ivã, o Terrivel, que viveu de 1523 a 1584. Até
agora, a Historia tinha a morte do czar como natural. Todos os alunos
de escolas russas aprenderam que o grande monarca morrera de doença,
durante uma caçada.
Ora, os restos de Ivã, que foram exumados no passado, da cripta
de uma catedral do Kremlin, foram estudados em laboratorio. E a verdade
surgiu de repente: Ivã, o Terrivel, foi envenenado com mercurio.
Resta ainda determinar se o envenenamento foi ou não criminoso,
pois alguns historiadores pretendem que esse czar abusou dos ungentos
à base de mercurio, que usava para se tratar. Não é
da competencia dos laboratorios cientificos decidir se houve acidente
ou homicidio.
Mas acontece que os sabios examinam e estabelecem as provas do processo.
Foi o que sucedeu com o rei Eric XIV, que passou os ultimos 9 anos
de sua vida na prisão e morreu em 1568. Os exames cientificos
revelaram claramente os vestigios de envenenamento por arsenico.
Às vezes, é necessario apelar para medicos especialistas,
quando existe um dossiê de informações medicas
suficientes sobre a vitima. Foi o que ocorreu com Mozart. Por ocasião
da morte do grande compositor, em 5 de dezembro de 1791, corria na
Alemanha o rumor de que essa morte não parecia natural.
O dr. Dieter Kerner, toxicologo da Alemanha Ocidental, interessou-se
particularmente por esse enigma. Concluiu que, por um lado, os varios
sintomas clinicos mencionados pelos medicos da epoca e, de outro lado,
a mascara mortuaria de Mozart, descoberta há pouco tempo, revelam
"as caracteristicas tipicas do envenenamento por mercurio".
Para aí o inquerito do dr. Kerner. Mas os historiadores apontam
o presumido assassino: Antonio Salieri, que era rival excessivamente
ciumento do mestre. Mas, nesse genero de inqueritos cientifico-policiais
retrospectivos, há coisas mais extraordinarias. Especialistas
norte-americanos julgam ter obtido a prova de que o imperador Claudio,
morto no ano 54 de nossa era, foi envenenado por sua esposa Agripina,
que lhe deu a comer cogumelos altamente venenosos, chamados amanitas-mata-moscas.
Agripina teria tido como cumplice o medico particular do imperador
Claudio, chamado Xenofonte.
Acresce que atualmente a policia cientifica está interessada
num crime que certamente é o mais antigo da historia humana.
Foi perpetrado no mínimo há 1 milhão de anos,
na garganta de Olduvar, no Tanganica. Foi descoberto o cranio de um
menino dessa epoca longínqua, que apresentava uma perfuração.
É provavel que o assassino nunca seja identificado. Mas, de
qualquer maneira, o crime está prescrito...
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