CASTRO: "A CAMPANHA CONTRA CUBA É A MAIS INFAME INJUSTA E CRIMINOSA JÁ INICIADA CONTRA UM POVO"


Publicado na Folha da Manhã, quinta-feira, 22 de janeiro de 1959

Neste texto foi mantida a grafia original

HAVANA, 21 - Fidel Castro apareceu na tribuna de oradores, às 17 horas de hoje, e foi recebido com uma estrondosa ovação. Os vivas e aplausos prolongaram-se por muitos minutos após ter ele iniciado seu discurso.
Castro conquistou a multidão com suas primeiras palavras, ao pedir-lhe o favor de ajudá-lo, dizendo: "Há um milhão de pessoas aqui que não ouvem os altofalantes e todo o mundo deve ficar em silencio, a fim de que eu possa dizer ao povo o que tenho de expressar, e para que os jornalistas e diplomatas estrangeiros conheçam o pensamento do povo de Cuba".
Acrescentou que o comparecimento popular supera todas as expectativas, e disse: "Nossos soldados talvez tremam diante do tamanho desta concentração, como jamais tremeram ante as balas do inimigo. Podemos dizer hoje uma coisa, que é que não há em Havana espaço suficiente para conter todos os que apoiam a revolução". Como exemplo de valor moral, contou que um amigo lhe perguntara onde se reuniriam determinados funcionarios do governo. E então ele respondeu: "Esta é uma concentração livre, a qual ninguem é obrigado a comparecer".
Mais adiante, observou. Castro: "como é diferente quando o povo é livre e tem fé. Vieram a pé Matanzas e Pinar Del Rio (provincias proximas a Havana) milhares de cubanos, pois não havia veiculos em numero suficiente para transportá-los.
Cruzei a capital antes de vir para cá, e a cidade está deserta, pois todos os habitantes de Havana estão aqui. Se fosse possivel, haveria aqui seis milhões de cubanos (toda a população da ilha)".
Mais adiante, disse Fidel Castro: "O monopolio internacional das linhas cabograficas, que semeou a calunia, acreditou que poderia debilitar a revolução e desacreditar o povo de cuba. Estava enganado, porque a revolução é hoje mais firme e mais forte. Somente nos robusteceram. A revolução tem sido exemplar. Se esta não houvesse sido uma revolução, não teriamos inimigos e não nos teriam atacado, nem teriamos sido caluniados. Enquanto viveu um tirano neste palacio, que vendeu os interesses do pais e fez as mais onerosas concessões ao estrangeiro ninguem o atacou, não houve campanha de imprensa contra ele no exterior, nem se ergueram vozes parlamentares para acusá-lo.
"Quando aqui estava um traidor miseravel, um criminoso que assassinou vinte mil compatriotas, ninguem realizou essas campanhas contra Cuba ou contra ele. Quando havia bancos de ladrões no poder, que roubaram um bilhão de dolares, não houve campanhas, nem sequer quando meia dezena de compatriotas eram assassinados todas as noites, quando os jovens apareciam com uma bala na cabeça. Quando os patios das guarnições militares estavam cheios de cadaveres, as mulheres eram violadas e as crianças torturadas, essas campanhas não se realizavam contra Cuba, nem se levantavam parlamentares ali (nos Estados Unidos), com exceção de alguns, para condenar a ditadura."
Afirmou Castro que ninguem atacou o ex-presidente dominicano, Rafael Trujillo, nem o presidente da Nicaragua. Luís Somoza, nem organizou campanhas contra eles - "ditadores que mantém repletos os carceres, com censura à imprensa, com seus milhares de crimes. E não se organizam campanhas contra eles".
Acrescentou que, por outro lado, foram organizadas campanhas contra Cuba "porque esta se converteu num exemplo perigoso para a America, porque sabem que vamos pedir a abolição de todas as concessões onerosas a interesses estrangeiros, porque sabem que vamos reduzir as tarifas de eletricidades, porque sabem que todas as concessões da ditadura serão revistas e anuladas".
"Essa é, meus caros compatriotas, a causa principal de toda essa campanha." A seguir, disse: "A atual campanha contra Cuba é a mais infame, a mais criminosa, a mais injusta já iniciada contra um povo". E perguntou: "Por que, apenas quatro dias depois de nossos triunfo, as agencias internacionais de noticias e diversos parlamentares iniciaram uma onda de difamação contra o povo de Cuba?" E ele mesmo respondeu: "O objetivo é claro. Nossa revolução pode ser para o mundo um modelo de revoluções. Ao povo de Cuba não precisamos explicar muito o que se passa. É a opinião mundial que precisamos convencer. Por isso, vamos reunir-nos com trezentos e oitenta jornalistas de todo o continente para nos submeter a um interrogatorio da America, como pode submeter-se alguem que cumpriu com seu dever e tem a consciencia tranquila. Não tenho de prestar contas a nenhum parlamentar dos Estados Unidos, nem a nenhum governo estrangeiro, mas darei contas aos povos, primeiro ao povo cubano e depois a todos os povos da America, aos do Mexico, Estados Unidos, Costa Rica, Venezuela e de todos os restantes paises do hemisferio."
Explicou em seguida que os havia convidado a vir a Cuba "porque aqui há justiça e onde há justiça e liberdade, e não há censura, não há crimes a ocultar".
Ajuntou que os julgamentos por crimes de guerra em Cuba serão mais justiceiros do que os de Nurembergue, pois nestes ultimos os culpados foram julgados segundo um codigo penal redigido depois do fim da guerra, ao passo que os de Cuba se basearão no Codigo Penal fundado em lei já existente, e por que os processo de Cuba serão publicos e honestos os tribunais.
Castro pediu aos jornalistas e diplomatas presentes que se imaginassem na presença de um juri de um milhão de homens e mulheres de todas as classes sociais, de todas as religiões e credos politicos.
"Vou pedir a esse juri - disse - a esse povo, a esse milhão de pessoas, que quem estiver de acordo comigo que levante a mão."
(Uma tremenda ovação interrompeu o discurso de Castro durante varios minutos).
A seguir, o orador observou: "Senhores, representantes do corpo diplomatico, jornalistas de todo o continente: um juri de um milhão de cubanos, de todas as idéias e classes sociais, acaba de votar. Deixem que os democratas e os que se intitulam democratas digam se isso não é na verdade a democracia. Se isso não é na verdade respeito à vontade do povo".

Discurso do presidente Urrutia

HAVANA, 21 - Em breve discurso pronunciado após o de Fidel Castro, o presidente provisorio, sr. Manuel Urrutia, revelou que o governo de Cuba se propõe denunciar os tratados e convenções sobre direito de asilo, "a fim de impedir que os tiranos e seus colaboradores" busquem refugio nas embaixadas estrangeiras.
"Esta magnifica demonstração do povo de Cuba - declarou - deve obrigar a essa parte da imprensa estrangeira que está procurando enganar seus povos, a respeito de Cuba, a fechar a boca."
Urrutia mencionou especificamente os Estados Unidos e o Mexico como paises onde "certa parte da imprensa" está "enganando seus povos", sobre os acontecimentos deste país.
Acrescentou que não poderá haver verdadeira democracia, a menos que o povo esteja fielmente informado.

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.