A ÚLTIMA VONTADE DO CAUDILHO


Publicado na Folha de S.Paulo, sexta-feira, 21 de novembro de 1975


"A Espanha não estava viúva, mas sim, orfã". Com essa frase, dita com a voz embargada de emoção, o primeiro-ministro espanhol, Carlos Arias Navarro, anunciou ontem às 10 horas, em Madri, através de uma rede de rádio e televisão, a leitura do testamento político do generalíssimo Francisco Franco, falecido cinco horas antes, no hospital de La Paz.
"Pelo amor que sinto por nossa pátria, peço que conservem a unidade e a paz e que rodeiem o futuro rei de Espanha, don Juan Carlos de Borbón, do mesmo afeto e lealdade que a mim me brindam e lhe prestem em todo momento o mesmo apoio e colaboração que vocês me prestaram".
Este o último pedido de Franco ao povo espanhol.
O Caudilho também pediu "perdão a todos, assim como de todo coração perdôo a quem se declarou meu inimigo, sem que eu o tivesse como tal".
O corpo de Franco será transferido hoje de manhã para a Sala das Colunas do Palácio do Oriente, no centro de Madri, onde ficará exposto à visitação pública até domingo, dia do grandioso funeral programado pelo próprio Franco, no Valle de Los Caídos.

As seis horas, o governo anuncia a morte de Franco

MADRI - O hino nacional espanhol e um réquiem seguiram-se ao anúncio oficial da morte do generalíssimo Francisco Franco, lido na madrugada de ontem, às 6 horas (2 horas de Brasilia), na Rádio Nacional, pelo ministro de Informação e Turismo, Leon Herrera.
A primeira informação fora divulgada uma hora e meia antes pela agência Europa Press, num "flash" repetido três vezes, que dizia: "Franco está morto" e, posteriormente confirmado pela agência oficial, Cifra. Fontes do Palácio de El Pardo disseram que ao lado de Franco estavam, no momento do desenlace, sua filha, Carmen, e quatro de seus netos. A esposa de Franco, Carmen Polo, com quem ele viveu 52 anos, permanecia no palácio, muita cansada após prolongada vigilia.

A mensagem

Em breve mensagem, Herrera informou que o Conselho de Regência assumiu de forma automática os poderes. O texto integral do comunicado lido por Herrera é o seguinte:
"Com profundo sentimento de pesar dou leitura ao seguinte comunicado:
"Dia 20 de novembro de 1975. As Casas Civil e Militar informam às 5h25 que, segundo os médicos de plantão. Sua Excelência, o generalíssimo, acaba de falecer, por paralisação cardíaca como final de um curso de seu choque tóxico por peritonite. Posteriormente será divulgado um comunicado médico detalhado.
"Desde esta hora de tristeza para a Espanha, a que Franco entregou toda sua vida, rezemos uma oração por sua alma e tenhamos, ao mesmo tempo, uma recordação muito especial para com sua familia, que hoje está na vanguarda da imensa dor nacional".
"Devo anunciar que, em virtude do artigo 7 da Lei de Sucessão, os poderes da chefatura do Estado foram assumidos, em nome de Sua Alteza Real o Príncipe de Espanha, pelo Conselho de Regência, Conselho que, conforme o artigo 3 da dita lei preside don Alejandro Rodriguez de Valcarcel, presidente das Cortes, e do qual fazem parte monsenhor Pedro Cantero Cuadrado, arcebispo de Saragoça e o tenente-geral do Exército do Ar, don Angel Salas Larrazabal.
"E um importante aviso: o presidente do governo, don Carlos Arias Navarro, se dirigirá à nação através da Rádio e Televisão Espanhola, às 10 horas de hoje. A partir deste momento, será facilitada qualquer informação que se estime de interesse divulgar com a maior urgência".

Salvas

Ao terminar a leitura da mensagem do ministro de Informação, todas as emissoras espanholas entraram em cadeia com a rede oficial de difusão e passaram a transmitir o hino nacional e um réquiem. Em seguida - e durante todo o dia - foi difundida música sacra. De quinze em quinze minutos, desde às 6h30, ressoavam as salvas de canhão regulamentares por motivo da morte do Caudilho. As baterias dispararam durante todo o dia, até o cair da noite.
O ministro da Justiça espanhol, José Maria Sanchez Ventura, na qualidade de "Mandatário do Reino", chegou às 4h33 (GMT) ao hospital de La Paz, para constatar, oficialmente, a morte do chefe de Estado.
Constitucionalmente, Sanchez Ventura anunciara o falecimento ao chefe do governo, Arias Navarro, mas este chegou ao hospital três minutos antes de Ventura. Neste momento, o médico e genro do Caudilho, Martinez Bordieu (Marquês de Villaverde, que se despedia da equipe médica, abandonou o hospital pela porte de emergência, sem fazer nenhumas declaração. Veículos oficiais - civis e militares - começaram a chegar ao hospital, enquanto a rádio Nacional ainda não havia anunciado a morte de Franco.

Orações

Pouco depois do comunicado de Herrera, o cardeal-primaz da Espanha, Vicente Enrique y Taracón, pediu orações pela alma do Caudilho, invocando a "unidade dos espanhóis".
O cardeal apelou a seus fiéis a "cumprir um triplo esforço cristão de oração, reflexão e esperança".
Enrique y Taracón sustentou que era necessaria a reflexão porque a morte de Franco "nos coloca a clara afirmação dos laços que devem unir-nos a todos os espanhóis para superar qualquer causa de discrepância entre irmãos".
O primaz apelou especialmente "a quem mais pode fazer agora pela paz".
"Quem de maior poder, bens econômicos, prestigio social e cultural, e influência nas opinião pública, ponha todos esses dons recebidos de Deus a serviço da comunidade e especialmente daqueles que mais carecem dessas possibilidades", afirmou.
Enrique y Taracón expressou sua esperança "porque a Espanha é hoje um país jovem, moderno e cheio de vida, profundamente impregnado de ideias de igualdade civil e de justiça social, seguindo subtamente vigentes os valores de nossa concepção cristã".
O cardeal enviou sua benção ao príncipe Juan Carlos de Borbón para que "faça frente com fortaleza e decisão às altas responsabilidades que assume neste momento".

Primeira homenagem

A primeira homenagem à memória do generalíssimo Francisco foi feita ontem pelos falangistas que assistiam à cerimônia comemorativa do trigésimo nono aniversário da morte do fundador da Falange, José Antônio Primo de Rivera.
A cerimônia —que se realiza anualmente, na capela do Valle de Los Caidos, proxima ao local onde tombou Rivera— contou com a presença do governador civil de Alicante.
Ao término da missa, o governador colocou cinco simbólicas rosas vermelhas aos pés da cruz erigida no local onde Rivera foi fuzilado, no dia 20 de novembro de 1936. Em seguida, fez o tradicional chamado: Antônio Primo Rivera, ao qual os falangistas responderam: "Presente".
Mas, desta vez houve um segundo chamado: "Francisco Franco". E a resposta: "Presente".
Franco morreu à mesma hora em que há 39 anos Primo de Rivera, fundador da Falange, era fuzilado na prisão de Alicante.
A 20 de novembro de 1936, também morreu em Madri a figura máxima do anarquismo espanhol, Buenaventura Durrutti, 40 anos, em virtude de uma bala que lhe atingira um dia antes à frente da coluna que levava seu nome, nas trincheiras da capital espanhola.


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