TERMINA A GUERRA NA INDOCHINA

Publicado na Folha da Manhã, quarta-feira, 21 de julho de 1954

Neste texto foi mantida a grafia original

Linha de armisticio entre os paralelos 17 e 18

GENEBRA. 21 - Foram firmados os acordos pelos quais se suspendem as hostilidades nos Estados indochineses de Vietnam e Laos.
Os documentos foram formados às duas horas de hoje (hora local), pelo general Henri Delteil, pela França, e por Ta Gjang Buu, vice-ministro de Defesa do Vietminh.

Às 2 H 50

GENEBRA. 21 - Os acordos para a cessação do fogo na Indochina foram assinados às 2 h 50, GMT.

A cerimonia

GENEBRA. 21 - A cerimonia da assinatura dos acordos para a cessação do fogo na Indochina durou sete minutos. Nenhum aperto de mão foi trocado após a assinatura, entre o general Delteil, representante dos comandos francês, vietnamita e laociano, e o sr. Ta Quang Buu, vice-ministro da Defesa e delegado do comando vietminita.

Hanói e Haiphong entregues aos comunistas

GENEBRA. 20 - Em virtude do acordo de hoje, a França entregará aos comunistas o poderoso baluarte de Hanói e o grande porto de Haiphong.
O historico acordo, concertado em uma serie de febris negociações de ultima hora, estipula:
1. A cessação do fogo nos três Estados indochineses: Vietnam, Laos e Camboja.
2. Uma linha de tregua que dividirá o pais seguindo curso do pequeno rio Ben Hai, entre os paralelos 17 e 18. O rio corre a 20 quilometros ao norte da Estrada Colonial numero 9, que une a Sanannaket, no Laos, com o mar, perto de Quang Tri.
3. Evacuação de todo o norte do Vietnam, com sua população de mais de 12 milhões de habitantes, pelos franceses. A França entregará a cidade de Hanói e, no prazo de dez meses, o porto de Haiphong.
4. As eleições no Vietnam se realizarão em julho de 1956. As "partes interessadas" se reunirão para discutir sobre esse assunto em julho de 1955.
5. Haverá um reagrupamento de forças comunistas em Laos.
6. Uma comissão de três nações - Canadá, India e Polonia Comunista - fiscalizará o armisticio, velando pelo cumprimento de suas estipulações.

Hoje , a sessão plenaria

GENEBRA. 20 - Informa-se nos meio autorizados que a sessão plenaria da conferencia de Genebra foi adiada para amanhã durante o dia.

A posição do Vietnam

GENEBRA. 20 - Eis o texto da proposta da delegação do Estado do Vietnam:
"Os projetos francês, sovietico e vietminita admitem o principio de uma divisão do Vietnam em duas zonas, devendo todo o norte do Vietnam ser abandonado ao Vietminh. Embora essa partilha não seja senão provissoria teoricamente, não deixará de produzir, no Vietnam, os mesmos efeitos que na Alemanha, Austria e Coréia. Não proporcionaria a paz procurada, porque, ferindo profundamente o sentimento nacional do povo vietnamita, provocaria perturbações em todo o país, perturbações que não deixariam de ameaçar uma paz tão raramente obtida.
"Antes de discutir as modalidades de uma partilha efetiva de consequencias tão desastrosas para o povo do Vietnam e para a paz do mundo, a delegação do Estado do Vietnam renova, pois, sua proposta de cessação do fogo sem linha de demarcação, sem divisão, mesmo provisoria.
"Ela propõe, pois: 1 - cessação do fogo sobre as posições atuais; 2 - reagrupamento das tropas em duas zonas de estacionamento; 3 - desarmamento de tropas irregulares; 4 - após um prazo a fixar: desarmamento das tropas do Vietminh e retirada simultanea das tropas estrangeiras; 5 - controle pela ONU: a) da cessação do fogo; b) do reagrupamento; c) do desarmamento e da retirada; d) da administração de todo o país; e) eleições gerais, quando a ONU considerar que a ordem e a segurança estão verdadeiramente restabelecidas em toda a parte.
"Essa proposta, feita por instruções formais de sua majestade Bao Fai e do presidente Mgo Dinh Diem, demonstra que o chefe do Estado do Vietnam, mais uma vez, coloca a independencia e a unidade de seu pais acima de qualquer outra consideração, e que o governo nacional do Vietnam preferiria esse controle provisorio da ONU sobre um Vietnam verdadeiramente independente e unido de sua manutenção no poder em um país desmembrado e condenado à servidão.
"A delegação vietnamita renova seu pedido de que uma sessão seja consagrada ao estudo de sua proposta de uma cessação do fogo sem partilha.
"Ao juntar essa proposta à de outros membros da conferencia, a delegação do Estado do Vietnam entende dar uma contribuição positiva à busca de uma paz real, duradoura e conforme as aspirações do povo vietnamita."

A expectativa de Dulles

WASHINGTON, 20 - O secretario de Estado, sr. John Foster Dulles, anulou a sua conferencia de imprensa de hoje.
Anunciando esta decisão do ministro, o secretario de Estado explicou que o sr. Dulles desejava estar em comunicação constante com o sr. Walter Bedell Smith, que dirige a delegação americana em Genebra, e que pretendia não ser distraido, um instante sequer, dos assuntos prementes que exigem a sua atenção.
Parece de resto que as entrevistas confidenciais do Departamento de Estado com os representantes da Grã-Bretanha, Australia, Nova Zelandia, Tailandia e Filipinas, para a formação de uma aliança, defensiva do sudeste da Asia, progridem com agrado do sr. Dulles. Um tal acordo entre os paises interessados na defesa daquela região não poderá, todavia, concretizar-se por tratado militar antes de alguns meses em consequencia de necessidade de ser aprovado pelos diversos parlamentos.

Mendès-France regressa hoje a Paris

GENEBRA. 20 - A partida do sr. Mendes-France para Paris está prevista para amanhã à tarde. Antes de deixar Genebra, o presidente do Conselho da França conferenciará com os srs. Eden Bedell Smith, Chu En Lai e Molotov, assim como com os chefes das delegações dos três Estados indochineses e do Vietminh.

"A meia-noite ou nunca mais"

GENEBRA. 20 - Ao sair da reunião com os chanceleres da Grã-Bretanha e da União Sovietica e com o chefe da delegação do Vietminh, o sr. Mendes-France foi interpelado pelos jornalistas que o aguardavam. O primeiro-ministro francês declarou: "A meia-noite ou nunca mais". E foi tudo.

Por que a França não ganhou a guerra


PARIS, 20 - Por que a França não ganhou a guerra da Indochina? Por que uma grande potencia, apoiada pelo dinheiro e armas dos Estados Unidos, não derrotou a um exercito comunista que começou apenas como um bando mal armado? A resposta dos entendidos militares franceses é que se fez pouco e tudo muito tarde.
Nunca, em oito anos, a França se decidiu a uma guerra total e os vietnamitas, vendo indecisão de Paris e sem fé em que se lhes daria a independencia, não puseram o coração na luta. Milhões deles ficaram sentados, esperando para ver quem ganharia.
Segundo os entendidos, os governos franceses compreenderam demasiado tarde que as taticas classicas da guerra européia não valiam na Indochina com sua luta em grande escala, fluída de guerrilheiros sem "frentes" fixas. Até há pouco, o corpo expedicionario francês de 260.000 homens estava disseminado em um territorio mais extenso que toda França.
Havia que montar guarda continua. As zonas que, de dia, eram dos franceses, passavam aos rebeldes à noite. Os camponeses que reparavam pontos e estradas, de dia, sob as ordens dos franceses, os dinamitavam de noite, sob as ameaças dos comunistas.
Obrigados a reparar cada ponte, porto, aldeia, via ferrea ou estrada, os franceses nunca puderam reunir forças suficientes para grandes ofensivas.
A Força Aerea, sempre debil, se consumiu abastecendo, pelo ar, as guarnições isoladas, em vez de manter cortadas as rotas de abastecimentos comunistas na China Vermelha, ou realizar grande ataques contra as concentrações vermelhas importantes .
Quando os franceses realizaram grandes operações, os comunistas foram os primeiros a ressentir. Suas forças dispensavam-se imediatamente pelas selvas, montanhas e arrozais. Os vermelhos, com pouco para defender, defendiam seu territorio, para atacar só quando tinham uma grande superioridade local. Só em três ocasiões aceitaram batalhas campais: Caboano, em julho de 1950 (a primeira vez que lutaram em regimentos, em vez de bandos); Vinh Yen, a 50 quilometros de Hanói, em janeiro de 1951 (quando pela primeira vez usaram divisões); e Dien Bien Phu, este ano.
Só em janeiro do ano passado - com o famoso Plano Navarre do ex-comandante supremo, general Henri E. Navarre - acentuou-se o abandono de alguns postos isolados, para formar forças moveis de ataque. Ainda depois disso, as unidades blindadas tiveram que seguir a pé pelas estradas. As tropas sempre levavam demasiado peso para alcançar os comunistas descalços. E os aldeões pouca ou nenhuma ajuda prestaram para encontrar os comunistas infiltrados, ou revelar a posição de seus depositos de munições e armas. O plano Navarre não teve nunca oportunidade de ser posto em pratica.
A China Vermelha, entretanto, continuava enviando apetrechos, cada vez mais. Os rebeldes, que há cinco anos, lutavam com escopeta e armas brancas, começaram a dispor de fuzis automaticos, caminhões Molotov, lança foguetes de dez tubos ("orgãos Stalin"), canhões morteiros e material anti-aereo com radar. Oficias chineses assessoravam o comando e davam instruções às tropas do outro lado da fronteira.
Politicamente, segundo os entendidos, o fracasso se deveu a que nenhum governo deu aos militares os meios de lutar. A guerra era impopular e os politicos sempre quiseram desentender-se a seu respeito. Aprovaram uma lei que proibiu o envio de conscritos à Indochina e se pediu aos generais que se evitasse sofrer muitas baixas. Comunistas e esquerdistas convenceram a massa de que se tratava de uma guerra "colonial", e ninguem pode explicar claramente que essa fase "colonial" terminara em 1949, quando a França começou a dar autonomia à Indochina até culminar este ano com a completa independencia do Vietnam.
Nenhum politico pode explicar que a Indochina era um bastão na luta mundial contra o comunismo. Ninguem prestava atenção. Muitos cinicos diziam que era uma guerra de beneficios para os ricos. À pressão norte-americana, para que se continuasse a guerra, responderam que melhor era deixar aos Estados Unidos a terefa de terminá-la. Tambem clamaram por um maior esforço do Vietnam em sua propria guerra.


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