EXECUTADOS OS ROSENBERG

Julius e Ethel morreram ontem à noite na cadeira eletrica, em Sing Sing
Ultimos e desesperados esforços para salvar os condenados


Publicado na Folha da Manhã, sabado, 20 de junho de 1953

Neste texto foi mantida a grafia original

A corte suprema suspendeu o "sursis" e o presidente Eisenhower negou a clemencia — recusado um apelo de Ethel em favor do marido — as ultimas horas dos sentenciados — não pronunciaram uma palavra por ocasião da execução
 
A grande tragedia teve ontem o seu epilogo: os Rosenberg pagaram na cadeira eletrica, como espiões, o crime de terem revelado à União Sovietica o segredo da bomba atomica. Segundo observou o juiz Kaufman em 1951, ao anunciar aos acusados a sentença de morte, foi essa revelação que permitiu à Russia fabricar a terrivel arma dez anos antes do que tinham previsto os mais eminentes sabios norte-americanos. "Considero o crime de vocês — acentuou então aquele magistrado — pior do que o homicidio. O assassino faz somente uma vitima. Ajudando os russos a fabricarem a bomba atomica, vocês já deram causa, na minha opinião, à guerra da Coréia e a todas as perdas humanas que daí resultam. Com essa traição, vocês modificaram o curso da Historia em prejuizo da propria patria."

Fazendo executar a sentença, a justiça norte-america foi inexoravel, como inexoravel foi o presidente Eisenhower deixando de beneficiar os acusados com o ato de clemencia. Seriam realmente beneficiados? É o problema que se discute. Morrendo na cadeira eletrica, talvez se tenha apenas antecipado — "talvez", porque fora da prisão muita coisa poderia ter-lhes acontecido, como a tantos outros mortais — um fato que inevitavelmente a todos ocorre por qualquer outra forma. Ao contrario, continuando a viver, eles não se transformariam, como já se transformaram, em martires das perniciosas idéias que abraçaram com fanatismo.

Posto de lado o aspecto hediondo da traição à patria — o que para os comunistas só tem importancia quando se trata da Russia — venceram os Rosenberg uma dupla batalha: a da competição internacional pela posse da bomba atomica e a da incompreensão politica dos adversarios, que não souberam sobrepor às paixões momentaneas o interesse de não se permitir que os comunistas, como afilhados da morte de seus proprios correligionarios, tenham doravante mais dois instrumentos de agitação e propaganda. Os senhores do Kremlin devem estar exultantes.

Como disse Saint-Just ao acusar Danton, "existe algo de terrivel no amor sagrado da patria". Foi certamente o que levou o presidente Eisenhower, a mostrar-se inabalavel diante dos milhares de apelos que lhe foram dirigidos. Assim procede o patriota, não o politico. No caso dos Rosenberg, ambas as qualidades poderiam, aliás, ter-se combinado magnificamente, de modo que se fizesse justiça e se defendessem com mais eficacia os interesses politicos dos Estados Unidos e do mundo livre. É a unica restrição que se pode fazer — unica, mas bastante grave — à maneira por que nesse drama se conduziram os dirigentes da grande republica do norte. Quanto ao mais, em obediencia à lei e de acordo tambem com a etica em vigor na civilização dos nossos dias — tudo inteiramente certo e a tempo.

Sing Sing, 19 - Foram executados os Rosenberg.
 
A eletrocussão

SING SING, 19 - Julius e Ethel Rosenberg, condenados à morte por espionagem atomica, foram executados na cadeira eletrica, esta noite, na prisão de Sing Sing.
Julius foi o primeiro a subir à cadeira eletrica, e recebeu o primeiro choque às 20 h 04 (hora local de sexta-feira) e foi considerado morto às 20 h 06 e 3/4. Ethel subiu à cadeira às 20 h 11 minutos, e os medicos presentes declararam sua morte às 20 h 16.
Para executar Julius foram necessarias 3 descargas sucessivas, e 5 para Ethel.

Não pronunciaram uma palavra

NOVA YORK 19 - Os dois condenados subiram à cadeira eletrica impassiveis, e não pronunciaram uma unica palavra.

Na sala onde se desenrolou a execução, encontravam-se 4 bancos, reservados geralmente aos jornalistas, cujo numero, para essa execução federal, tinha sido fixado em 3. Os bancos faziam frente à cadeira elétrica, à direita da qual uma porta de aço com o pequeno guichê de vidro dava para um corredor, pelo qual chegaram os condenados.

Um guarda estava diante da porta, e abriu-a à chegada de Julius Rosenberg. À esquerda da cadeira eletrica se encontrava o quarto fechado por uma porta, reservado ao carrasco encarregado de desfechar o contacto eletrico.

Alem dos três jornalistas estavam presentes, na qualidade de testemunhas da execução, o oficial da policia federal U.P.S. Marshall e o diretor da prisão Wilfred Denno, dois medicos encarregados de constatar o falecimento dos condenados, e o rabino Irving Koslow, que acompanhou Julius e Ethel, até a cadeira eletrica, ficando a 3 metros da mesma, durante a execução.

Julius foi o primeiro a entrar, o rosto impassivel, busto erecto, avançando lentamente atrás do rabino. O aparelho de eletrocução lhe foi então colocado sobre a cabeça e seus braços e pernas foram ligados com correias de couro. Na perna esquerda sua calça havia sido cortada para permitir um contato direto do fio com a epiderme.

À primeira descarga eletrica, marcada com um silvo, Julius Rosenberg pareceu dar um salto sobre a cadeira eletrica. Seus pulsos entumesceram. Seu peito se abalou. E, consoante o tecnico da corrente, ele vergou-se. À segunda descarga pareceu restabelecê-lo. Após a terceira, o corpo vergou-se novamente e o carrasco saiu então da sala.

Os dois medicos se aproximaram para o exame e constataram a morte. Julius Rosenberg, que até os ultimos momentos ostentava bigodes, tinha sido barbeado para a execução.

A seguir, o corpo foi colocado em uma mesa rolante pelos guardas e levado para o necroterio.

Cinco minutos mais tarde, Ethel Rosenberg entrou, por sua vez, acompanhada do rabino. Os cabelos negros cortados curtos, mas não rentes, os labios contraidos, estava com um vestido verde, ramado.

Entrando, e antes de subir para a cadeira, ela se deteve bruscamente, e depois adiantou-se para a sra. Evans, guardiã da prisão, a quem tomou pela mão e beijou.

O capacete foi colocado em sua cabeça, capacete que descia até o queixo. Depois ela foi ligada à cadeira eletrica como meu marido, pelos braços e pernas, e tambem segura abaixo dos seios, por uma tira de pano suplementar.

Na primeira descarga eletrica, um ligeiro fio de fumo cinza, semelhante à fumaça de cigarro, se elevou do capacete. As mãos de Ethel bruscamente crisparam e, como seu marido, ela foi sacudida por um sobresalto. Somente depois de quinta descarga, é que ela foi considerada morta pelos dois medicos presentes.

A noticia da execução do casal Rosenberg foi acolhida com uma indiferença geral por parte dos assistentes que estavam atrás das barragens policiais, à beira da prisão de Sing Sing.

A descrição da "United Press"

SING SING, 19 - A morte do casal Rosenberg ocorreu ao cabo de um dia de numerosas gestões e esforços de carater juridico para salvar-lhe a vida. O ultimo destes ocorreu poucas horas antes da execução. Enquanto os condenados conversavam tranquilamente na prisão, com uma grade entre eles, o Tribunal Supremo dos Estados Unidos rechaçou quatro desesperados esforços de ultima hora para o adiamento da execução.

Pouco mais de uma hora antes da execução, o principal advogado dos condenados foi impedido de entrar à Casa Branca, para fazer uma petição pessoal ao presidente Eisenhower.

Os Rosenberg, pais de dois filhos — Miguel, de dez anos, e Roberto, de seis — faleceram somente poucos minutos depois de um de seus advogados ter feito uma dramatica petição de adiamento ao juiz que os condenou à cadeira eletrica.

Às 19 h 15 horas, o advogado visitou o juiz Kaufman, rogando-lhe que adiasse a execução por uma hora, para poder argumentar em favor dos condenados.

Às 19:30 horas, a Casa Branca anunciou que o presidente Eisenhower havia lido uma carta da senhora Rosenberg, pedindo clemencia. Disse o presidente que a carta não fazia nenhuma alteração ao caso.

Às 19,50 horas, Kaufman rechaçou a ultima petição de adiamento.

Então, enquanto o sol depositava seus ultimos raios do dia sobre as grades da prisão, os Rosenberg foram conduzidos à camara da morte, onde outro casal foi executado por assassinato em 1928.

Dez testemunhas oficiais da execução chegaram à camara de eletrocutação às 20 horas e um minuto, pouco depois, um guarda abriu uma porta situada a uns três metros da cadeira. O rabino Irving Koslower entrou lendo em inglês o Salmo XXIII da Bíblia, sem seu bem conhecido bigode, dois guardas, um de cada lado, entraram na camara com ele, dois mais lhe seguiam a alguns passos.

O homem que haveria de morrer em alguns segundos olhou com ar de desafio no rosto dos que se encontravam no local. Parecia encontrar-se completamente calmo quando o prenderam à cadeira. Olhou em frente durante uns momentos. Um leve sorriso parecia bailar nos labios de Julius quando os guardas lhe colocaram o capacete. Depois foi-lhe coberto o rosto com uma mascara de couro escura, que ocultava todas suas feições, exceto a parte inferior da mandibula.

Os guardas separaram-se. O carrasco, Joseph P. Francel abriu o interruptor da corrente. A primeira descarga durou 30 segundos. Num canto da camara, em frente aos quatro bancos ocupados pelas testemunhas, o rabino sussurava o que parecia ser uma oração.

A segunda descarga durou 57 segundos. Então veio a terceira e ultima, que tambem durou 57 segundos. Um guarda adiantou-se e abriu a camisa de Julius. Dois medicos, H. W. Kipp e Goerge Mccracker, tambem se adiantaram. Cada um aplicou seu estetoscopio ao lado esquerdo do peito de Rosenberg.

"Declaro morto este homem", disse o doutor Kipp.

Dois guardas então avançaram uns passos, desamarraram as ligaduras, suspenderam o cadaver, colocaram-no em uma mesa de rodas, e o transportaram para fora da camara pela porta oposta a que entrara com vida.

Passaram-se varios minutos. Então a senhora Ethel Rosenberg, vestindo um traje verde que não lhe assentáva bem, entrou na camara, precedida pelo rabino Koslow, que leu desta vez, segundo disse, uma combinação dos salmos 15 e 31. Atrás dela e de ambos os lados caminhavam a senhora Evans e a senhora Lucy Many, uma telefonista que prestou sua ajuda na execução. A senhora Rosenberg mantinha o olhar fixo em frente. Rapidamente voltou-se, apertou as mãos da senhora Evans e depois, num gesto impulsivo, inclinou-se para a frente e beijou a senhora Evans na face. Esta, quase em lagrimas, murmurou algumas palavras à senhora Rosenberg, deu-lhe umas palmadas no ombro, e depois, juntamente com a senhora Many, abandonou a camara.

Foram necessarias cinco descargas para causar a morte da pequena mas robusta Ethel Rosenberg. Depois da quarta descarga, os guardas soltaram dois dos laços de ferro que a prendiam à cadeira. Dois medicos aplicaram-lhe seus estetoscopios. Não estavam certos de que houvesse morrido. O carrasco Francell aproximou-se, desde o quadro de interruptores, situado a pouco mais de três metros da cadeira.

"É preciso outra descarga?" — perguntou Francell.

Os medicos assentiram com um rapido movimento de cabeça. Os guardas voltaram a colocar as presilhas de ferro e aplicou-se a Ethel a quinta descarga.

"Declaro morta esta mulher", disse Kipp depois de aplicar o estetoscópio.

Até o proprio momento em que o verdugo ligou o interruptor, que privou da vida os Rosenberg, o juiz federal Irving R. Kaufman permaneceu recolhido em seu gabinete do edificio da Justiça Federal da cidade de Nova York. Esteve ali com o objetivo de agir imediatamente, no caso de que se houvesse adotado nos ultimos instantes qualquer medida em favor dos acusados. Estava decidido tambem a agir, caso os Rosenberg tivessem resolvido falar à ultima hora.

Anteriormente havia-se informado que os funcionarios oficiais expressaram ao casal Rosenberg que poderia salvar a vida, se revelassem tudo o que sabia sobre a rede de espiões que roubou os segredos atomicos.

O juiz suspendeu por duas vezes a execução durante a longa contenda legal, o Tribunal de Apelações concedeu-lhes outra suspensão, e o magistrado do Supremo Tribunal, William O. Douglas, a quarta.

Depois de que o Supremo Tribunal rechaçou o quinto e ultimo recurso que se apresentou para que se adiasse a execução, o presidente Eisenhower decidiu sua sorte, negando-lhes pela segunda vez o perdão que haviam solicitado.

Kaufman, que lhes condenou à cadeira eletrica, em abril de 1951, rechaçou então a petição de adiamento da execução e o recurso de "habeas corpus" solicitado.

O juiz do Supremo Tribunal, Harold H. Burton, mais tarde, rechaçou outra petição de adiamento à execução.

A ultima petição veio às 17 horas, menos de 3 horas antes da execução. Os juizes Jerome N. Frank e Thomaz W. Swan, do Tribunal de Apelações dos Estados Unidos, rechaçaram outra petição de adiamento, a decisão destes dois juizes foi feita na residencia do juiz Frank, em New Heaven, Connecticut.

Os Rosenberg, portanto, converteram-se nos primeiros civis norte-americanos executados por ordem de um tribunal civil, por espionagem contra seu país. É também o primeiro casal já executado de conformidade com uma ordem federal, e a senhora Rosenberg é a primeira mulher já executada por um delito federal.

A unica mulher, anteriormente à senhora Rosenberg, que foi executada sob uma ordem federal, foi a sra. Mary Surratt, uma hoteleira de Washington, que foi enforcada na capital em 1865, por ter tramado o assassinato de Abraham Lincoln.

A decisão da Corte Suprema

WASHINGTON, 19 - Por seis votos contra três a Corte Suprema anulou o "sursis" de execução dos Rosenberg, concedido pelo juiz William Douglas.

Os juizes refs., Jackson, Burton, Clark, Minton e o presidente Vinson votaram pela anulação da medida; e os juizes Douglas, Black e Frankfurter contra a anulação.

A sessão extraordinaria

WASHINGTON, 19 - Exatamente ao meio-dia, o guarda da Corte Suprema lançava o apelo tradicional: "Alô! Alô! Alô! Eis o honoravel Fred Vinson, chefe da Justiça dos Estados Unidos e os juizes".

Os nove juizes apareceram, então. Lentamente, instalaram-se sobre o longo estrado. Uma vez sentados seus colegas e ele proprio, Fred Vinson leu, com voz muito calma, a decisão da Corte, a qual sela o destino dos Rosenberg.

Nenhuma emoção se manifestou na fisionomia dos nove membros da Corte Suprema. Silencio absoluto reinava na sala.

O publico estava imovel. Num canto, os jornalistas tomavam notas, febrilmente.

Diante do estrado dos juizes, os advogados dos Rosenberg não se mexiam.

Bastaram alguns minutos para que o presidente lesse a decisão. Mal acabou de lê-la, ouviu-se a voz do juiz William Douglas: "Não estou de acordo!"

Essa formula consagrada do processo era tambem a expressão de uma convicção. O juiz Douglas expôs então, as razões pelas quais os Rosenberg deveriam beneficiar-se do "sursis" de execução. Entendia que sua condenação à morte era ilegal. Falou brevemente, lendo um texto preparado antecipadamente. Ao terminar, tirou os oculos com um gesto brusco e apoiou-se no encosto da poltrona. Seu rosto tornou-se vermelho, subitamente. Disse que havia estudado durante muitas horas os aspectos legais da apelação dos Rosenberg. "Sei que estou agindo dentro da lei. Nenhum homem e nenhuma mulher pode ser condenado à morte simplesmente porque seu advogado não suscitou um ponto legal."

Mais adiante, com voz emocionada, Douglas disse: "O juiz Irving Kaufman não tem autoridade para impor a pena de morte. Por minha vez, tenho profunda convicção de meu dever. Sou de opinião que o Tribunal não tem autoridade para cancelar o adiamento".

Alguns instantes depois, o juiz Hugo Black tomou a palavra. Tambem não estava de acordo. Leu sua decisão com voz pausada, que mal se ouvia. Seus argumentos serão certamente inscritos no processo Rosenberg e nos anais judiciarios dos Estados Unidos.

O juiz Felix Frankfurter era o terceiro magistrado que discordava da anulação do "sursis". Não teve tempo de redigir suas considerações. Mas elas tambem ficarão registradas nos anais.

A sessão terminou, quando o advogado da defesa, Emanuel Bloch, visivelmente agitado, tomou lugar atrás do pulpito, diante do estrado dos juizes e, esforçando-se para manter a calma, pediu à Corte que concedesse um "sursis" de execução, a fim de que os defensores dos Rosenberg dispusessem de tempo para solicitar ao presidente Eisenhower, pessoalmente, clemencia para os condenados.

O presidente Vinson respondeu-lhe, com a maior calma, que seu requerimento seria levado em consideração.

Em seguida, um advogado do Ministerio da Justiça pediu a palavra. Não se compreendeu muito bem o que ele dizia.

Dando, então, dois golpes de martelo sobre a madeira do estrado, o presidente da Corte Suprema indicou que a sessão estava suspensa. Terminou no sentido literal como no sentido figurado. E para a Corte Suprema, o caso Rosenberg estava encerrado.

O texto da decisão da corte suprema

WASHINGTON, 19 - É o seguinte o texto integral do considerando da Corte Suprema, rejeitando o pedido de sursis de execução dos Rosenberg. Esse texto, designado no Direito americano, uma "opinion percuriam" foi lido pelo presidente Fred Vinson, na abertura da sessão do tribunal, hoje, ao meio-dia.

É do seguinte teor:

"Nós nos reunimos, em sessão extraordinaria, para estudar um requerimento do promotor-geral, destinado:

1 — a rever o sursis de execução de Julius e Ethel Rosenberg, concedido pelo juiz Douglas, a 17 de junho de 1953; e

2 — a reconsiderar ou a reafirmar a ordem dessa Corte, recusando um sursis aos requerentes Ethel e Julius Rosenberg, contra Wilfred Denno, chefe da guarda da prisão de Sing Sing.

'O procurador-geral adjunto admite, e nós não o duvidamos, que o juiz Douglas tinha o poder de ordenar um "sursis" nesse processo. Não é contestado que um "sursis" deve ser ordenado somente se existe questão de fundo, visando novos exames pelos tribunais.

"Essa questão que nos foi e que nos é apresentada, agora, como sendo fundamental, é a de saber se os termos da lei sobre a energia atomica, de 1946, inscrita no Codigo dos Estados Unidos tomo 42, seção 1.810, paragrafo B e sub-paragrafos 2 e 3, prevêem que os tribunais de distrito não têm a autoridade de pronunciar a pena de morte, em virtude da lei de 1917, reprimindo a espionagem, que foi invocada pelas acusações.

"Embora essa questão tenha sido levantada e apresentada pela primeira vez ao juiz Douglas, por um advogado que nunca estivera a serviço dos Rosenberg e que, até o presente não teve nenhuma participação no caso, a Corte Suprema, reunidos todos os juizes, a estudou segundo os seus proprios meritos.

"Consideremos que essas questão não é fundamental. Acreditamos, por outro lado, que o processo destinado a levantá-la não tem fundamento.

"Foi provado e afirmado que uma conspiração violava, em tempo de guerra, a lei sobre a espionagem. A lei sobre a energia atomica não abrogou ou restringiu as clausulas da lei sobre a espionagem. Consequentemente, anulamos o "sursis" ordenado pelo juiz Douglas, a 17 de junho de 1953.

"Registramos essa ordem no processo verbal, na expectativa da preparação das opiniões que serão comunicadas ao cartorio, para os devidos fins."

Eisenhower nega clemencia

WASHINGTON, 19 - É o seguinte o texto da declaração do presidente Dwight Eisenhower, negando clemencia a Julius e a Ethel Rosenberg:

"Desde que a Corte Suprema dos Estados Unidos estudou pela primeira vez o recurso de cassação interposto no processo dos Rosenberg, os tribunais inferiores consideraram outros numerosos recursos, que foram apresentados com o proposito de anular a sentença imposta aos acusados. Nos dois ultimos dias a Corte Suprema, reunida em sessão extraordinaria, examinou mais um recurso que, na opinião de um dos magistrados, os Rosenberg tinham direito de utilizar. Esta manhã, a Corte Suprema decidiu que esse recurso não é aplicavel no caso.

"Estou convencido de que a unica conclusão que se pode tirar do estudo dos antecedentes deste caso, é a de que os Rosenberg gozaram o beneficio de todas as garantias que foram concedidas pelo sistema judiciario norte-americano. Não há duvida alguma, em minha consciencia, de que, com o primeiro processo e com a longa serie de apelações, se fez plena justiça e foram atendidas todas as exigencias da lei. No curso das numerosas complicações legais e dos recursos processuais deste caso, nenhum juiz expressou a menor duvida sobre um fato: o de que os acusados cometeram os mais graves delitos de espionagem.

"Por conseguinte, somente as mais extraordinarias circunstancias garantiriam a intervenção do Executivo neste caso. Não ignoro que este caso causou grave preocupação, aqui e no estrangeiro, no espirito de pessoas sinceras, preocupação essa alheia às manifestações legais. A este respeito, posso somente dizer que, ao aumentar extraordinariamente o periodo da guerra atomica, os Rosenberg poderão haver condenado à morte dezenas de milhares de pessoas inocentes.

"Sei que a execução de dois seres humanos é um fato grave. Porem, muito mais grave é pensar em milhões de pessoas, cuja morte poderia talvez ser atribuida diretamente ao que fizeram estes espiões.

"Não intervirei neste caso porque os dois inimigos da democracia foram declarados culpados de haver cometido um crime horrivel; porque se utilizaram no maximo todos os recursos legais da democracia para proteger a vida dos espiões culpados, e porque, em solene decisão, os tribunais dos Estados Unidos consideraram culpados os acusados e justa a sentença."

Ethel pedia clemencia para seu marido

WASHINGTON, 19 - O presidente Eisenhower rejeitou, hoje à noite, um pedido de graça, pessoal, da sra. Ethel Rosenberg, para que fosse poupada a vida de seu marido.

Recusado um pedido de adiamento da execução

WASHINGTON, 19 - O juiz da Corte Suprema, Harold H. Burton, rejeitou, pouco depois das 16 horas de hoje, um recurso para que se adie a execução do casal Rosenberg.


As ultimas horas dos condenados
 
Juntos na capela do presidio

SING SING, 19 - Com suas vidas pendentes de uma decisão judicial, os espiões Julius e Ethel Rosenberg pediram permissão para passar outro dia juntos na capela de Sing Sing. Ontem, estiveram reunidos na parte das celas da morte dedicada às mulheres. Esta manhã, antes de tornarem a reunir-se, recusaram qualquer concessão especial, aceitando simplesmente o que é facultado pelo regulamento penal. Os guardas e outros funcionarios incumbidos de sua custodia demonstram muita solicitude em servi-los, convencidos que estão de que o casal será executado esta noite.

Cientes da recusa do presidente

SING SING, 19 - Os esposos Rosenberg pediram para se ver quando souberam que a graça presidencial havia sido recusada. Conseguiram autorização para conversar durante duas horas.

Segundo o guarda da prisão não demonstraram nenhuma emoção.

Pelo radio, quando almoçavam

SING SING, 19 - Foi através do radio da prisão que Julius e Ethel Rosenberg tomaram conhecimento, enquanto almoçavam, da decisão da Corte Suprema de anular o "sursis" de execução.

Aprovada a decisão nos meios parlamentares

WASHINGTON, 19 - A decisão da Corte Suprema, anulando o "sursis" de execução dos Rosenberg, concedido pelo juiz Douglas, foi geralmente aprovada pelos parlamentares norte-americanos.

O representante democrata Wheeler, autor de uma resolução apresentada à mesa da Camara, pedindo que o juiz Douglas fosse levado à barra da Alta Corte, declarou aos jornalistas que iria prosseguir no processo parlamentar que iniciou.

O senador democrata McLellen disse que a decisão de hoje encontraria, sem duvida alguma, a "aprovação universal, porque está de conformidade com o sistema de justiça regido por nossas leis".

Por seu lado, o senador republicano Mundt, congratulou-se com o presidente da Corte, Fred Vinson, pela sua decisão de convocar uma sessão especial, sendo o caso Rosenberg "muito importante" para deixá-lo em suspenso durante o verão.

"Não tinha o direito de reconsiderar a decisão"

WASHINGTON, 19 - Francis Walter, representante democrata da Pennsylvania, declarou, hoje, que Corte Suprema não tinha o direito de reconsiderar a decisão do juiz Douglas, que concedeu quarta-feira um "sursis" ao casal Rosenberg.

O representante Walter é um eminente advogado e membro da Comissão de Justiça da Camara.

Kaufman não comenta

NOVA YORK, 19 - O juiz federal Irving Kaufman, que condenou o casal Rosenberg à morte, recusou fazer o menor comentario sobre a decisão da Corte Suprema anulando o "sursis" de execução concedido pelo juiz Douglas.

Visita do irmão de Julius

OSSINING, 19 - Às 22 horas (GMT) ou seja, duas horas antes da execução, David Rosenberg chegou a Sing Sing para uma ultima visita de despedida a seu irmão Julius.

Pouco tempo antes, o capelão israelita havia visitado os condenados.

Emocionado o irmão de Rosenberg

OSSINING, 19 - David Rosenberg, irmão de Julius, deixou a prisão pouco antes da hora da execução, escondendo o rosto num jornal. Todavia, seus olhos foram vistos. Estavam avermelhados, mostrando que havia chorado. Os labios tremiam. David não respondeu às perguntas dos jornalistas, tomando, imediatamente um automovel.

Notificada a mãe de Ethel

NOVA YORK, 19 - No apartamento da mãe de Ethel Rosenberg, nesta cidade, o radio transmitia uma peça musical, quando os jornalistas bateram na porta, para anunciar a fatidica noticia. Os reporteres gritaram, através da porta: "Sabeis da noticia?" "Estou desolada", respondeu, simplesmente, a sra. Greenglass. Todavia, não se ouvia mais a musica do radio.


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