DOIS MILHÕES PROTESTAM EM TEERÃ

Publicado na Folha de S.Paulo, sábado 20 de janeiro de 1979

A praça central de Teerã, chamada Memorial Shayad em homenagem à monarquia iraniana, foi rebatizada ontem com o nome de "praça Khomeini" por mais de 2 milhões de iranianos que se manifestaram na capital do país exigindo o fim do governo "ilegal" do primeiro-ministro Shapour Bakhtiar e o estabelecimento de uma república islâmica no Irã.
Nas cidades do interior do país, centenas de milhares de pessoas também responderam à convocação do aiatolá Khomeini e da hierarquia xiita para a comemoração do 40º dia da "achura" (morte do imã Hussein, neto do profeta Maomé), que a verdade foi uma demonstração de força da oposição religiosa do Irã.
Em Paris, Khomeini declarou que não receberá o presidente do Conselho de Regência iraniano, Kalal Teerani, a menos que o dirigente renuncie a seu cargo. O aiatolá acrescentou que as manifestações de ontem foram um "espetacular referendo" para uma república islâmica no país.

Milhões de manifestantes exigem saída de Bakhtiar

TEERÃ - Respondendo a convocação do aiatolá Khomeini e dos líderes muçulmanos xiitas, milhões de iranianos sairam ontem às ruas de Teerã e de outras cidades iranianas, para protestarem contra o governo civil do primeiro-ministro Shapour Bakhtiar e exigir o estabelecimento de uma república islâmica no Irã.
Embora os dirigentes xiitas tivessem convocado os iranianos para comemorar o aniversário do quadragésimo dia do martirio do imã Hussein (mártir dos muçulmanos xiitas), as manifestações tiveram significado político claro: uma demonstração de força da oposição religiosa ao governo de Bakhtiar, "ilegal" segundo o aiatolá Khomeini.
As manifestações foram ainda maiores que as marchas de dezembro, que também contaram com milhões de participantes. Ahmad Iourjani, um dos organizadores da passeata, calculou em quatro milhões o número de pessoas que saíram às ruas de Teerã ontem. A rádio oficial iraniana, por sua vez, afirmou que a manifestação reuniu um milhão e meio de pessoas. As agências noticiosas afirmaram que cerca de dois milhões de manifestantes responderam á convocação dos líderes religiosos, na capital.
Na capital iraniana, desde as primeiras horas da manhã, centenas de milhares de pessoas reuniram-se em nove pontos previamente marcados convergindo para as duas avenidas principais e finalmente em direção da praça central de Teerã, Memorial Sahayad, que foi rebatizada com o nome de praça "Khomeini" pelos muçulmanos.
Na praça "Khomeini", chefes religiosos leram um documento que qualificou de "ilegal" o governo de Shapour Bakhtiar, e pediu a volta do aiatolá Khomeini para assumir o controle do governo iraniano.
"Nós aqui reunidos, declaramos que a dinastia Pahlevi é ilegal e que o xá está deposto do trono que ele e seu pai usurparam pela força. Rejeitamos o sistema reacionário da Shahanshahi (monarquia iraniana) e exigimos o estabelecimento de uma república islâmica no Irã, que será instalada por voto popular e que conduzirá os assuntos da nação com base nos revigorantes ensinamentos do Islã", dizem as primeiras palavras do documento.
O documento exige também a renúncia de todos os membros do Parlamento, que as Forças Armadas apóiem em público o movimento contra o xá, e que governos estrangeiros "não conspirem contra a luta heróica do povo iraniano", pois "qualquer intervenção desse tipo no movimento porá seriamente em risco futuras relações econômicas e políticas entre o Irã e esses governos". Foi exigida, ainda a renúncia do Conselho de Regência nomeado pelo xá, e anunciada a continuidade das greves e das manifestações até o estabelecimento da república islâmica.
Nenhum incidente foi registrado durante toda a manifestação. O Exército iraniano sumiu das ruas da capital, enquanto apenas alguns helicópteros acompanhavam o protesto. Os organizadores da manifestação colocaram-se de acordo sobre as 61 palavras de ordem autorizadas, que não continham nenhuma expressão de provocação ao Exército.
O xá continuou sendo o alvo preferido dos manifestantes, que levaram faixas que diziam "rei sujo não volte", e gritavam constantemente "morte ao xá". Os manifestastes também gritaram "slogans" acusando o premiê Bakhtiar de testa-de-ferro dos Estados Unidos e Israel. Havia, ainda, um forte sentimento anti-norte-americano, sendo que umas das faixas carregadas pelos manifestantes dizia: "Jimmy boy run, run, run, the people of Iran are pecking the gun" (Jimmy, corra! corra! O povo iraniano está pegando em aramas).
No interior, a maior manifestação aconteceu em Machad, onde meio milhão de pessoas saiu às ruas. Centenas de milhares manifestaram-se na cidade sagrada de Qom, assim como em Isfahã e em Tabriz.

Exército

O aiatolá Charlat Madari, líder xiita de Teerã, lançou uma exortação ao "exército muçulmano do Irã" para que entre em entendimento com o povo e evite violência e matanças. Em um comunicado divulgado pelo rádio, o aiatolá Madari pediu também à população para manter a calma e "respeitar os irmãos do Exército".
Por outro lado, várias centenas de militares iniciaram uma greve de fome na importante base aérea de Charoji, no sul do país, num protesto contra seus oficiais superiores. Segundo fontes da oposição, alguns oficiais deram ordem de treinamento aos pilotos, com vistas "a futuros bombardeios urbanos". Os pilotos negaram-se a cumprir a ordem, o que está causando "tensão" na base aérea.

Aiatolá continua vetando diálogo

PARIS - O líder da oposição religiosa do Irã, aiatolá Khomeini, afirmou ontem que não receberá Kalal Teerani, presidente do Conselho de Regência iraniano, a menos que ele renuncie ao seu cargo. Teerani foi enviado a Paris pelo governo do premiê Shapour Bakhtiar, para negociar um acordo que ponha fim à crise que atravessa o país.
Khomeini considera "ilegal" tanto o governo civil do premiê Bakhtiar, que foi organizado a pedido do xá, como o Conselho de Regência, nomeado pelo xá. Um porta-voz de Khomeini, Ibrahim Yazdi, disse que Teerani já foi informado que só será recebido pelo aiatolá se renunciar a seu cargo, admitindo explicitamente que o Conselho de Regência é "ilegal".
Por outro lado, em entrevista à TV francesa, o líder xiita afirmou que seus partidários assumirão o poder no Irã, seja legalmente, seja por força da opinião pública. Quanto ao Exército, o aiatolá disse que "algumas de suas unidades já se uniram ao povo iraniano". Khomeini acrescentou que o "Exército não precisa apoiar o xá pois "o monarca arruinou o pais e é um traidor. Os militares devem cortar relações com ele".
Em Teerã, o primeiro-ministro Shapour Bakhiar fez um apelo ao povo iraniano no sentido de que coopere para pôr fim à crise que o pais enfrenta. Em mensagem transmitida pelo rádio e TV, quinta-feira à noite, o primeiro-ministro acrescentou que a maioria das exigências de Khomeini foram satisfeitas e exortou os trabalhadores a voltarem ao trabalho.

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