MORRE DENG XIAOPING, LÍDER CHINÊS
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Publicado
na Folha de S.Paulo, quinta-feira 20 de fevereiro de 1997
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* Dirigente comunista, 92, sofria de mal de Parkinson e infecção
pulmonar
* Sucessor é Jiang Zemin, presidente desde 93; transição
deve ser tranquila
JAIME SPITZCOVSKY
de Pequim
O dirigente comunista Deng Xiaoping, 92, líder das reformas
pró-capitalismo que transformaram a China numa das economias
mais dinâmicas do planeta, morreu ontem em Pequim às
10h08 (horário de Brasília). Deng, que não ocupava
cargo oficial desde 90, sofria de mal de Parkinson e tinha infecção
pulmonar.
Seu sucessor é Jiang Zemin, presidente desde 93. A transição
deve ser tranquila, já que tem apoio da elite dirigente.
Ao lado de Mao Tse-tung, Deng foi um dos comandantes da Grande Marcha
pela tomada do poder na China, em 49. Ex-secretário-geral do
Partido Comunista, caiu em desgraça duas vezes, recuperou o
poder e comandou, a partir de 1978, o ''salto rumo ao capitalismo''
no país.
Em 89, patrocinou o massacre da Praça da Paz Celestial, quando
tropas do governo mataram cerca de mil manifestantes.
Mundo
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EDITORIAL |
SEM TIMONEIRO
Mao Tse-tung ficou conhecido como o ''grande timoneiro''. Depois
da sua morte, a China comunista atravessou ciclos de instabilidade
política, mas optou por um dos mais notáveis processos
de transição de uma economia planejada para uma economia
de mercado. Transição, aliás, que prossegue.
Deng Xiaoping, morto aos 92 anos, foi um dos principais articuladores
dessa transformação econômica iniciada em 1978.
Quase 20 anos depois, pode-se dizer que a abertura econômica
chinesa é irreversível. Entretanto, há um conjunto
nada desprezível de dificuldades políticas e econômicas
pela frente.
Em primeiro lugar, estão as incertezas políticas. Do
ponto de vista das lideranças, ocorre uma gradual substituição
da gerontocracia por novas gerações. Como o regime político
é totalitário, não há clareza sobre as
formas ou a intensidade da luta pelo poder nos próximos anos.
Outra preocupação política, desde o massacre
da Praça da Paz Celestial, em 1989, são as pressões
por democratização que, aliás, acompanharam o
desenvolvimento econômico em tantos países e também
se fazem sentir na China. A começar pelo fato de que as classes
médias emergentes tendem a abandonar a ideologia comunista
e seu viés nacionalista.
Na área econômica também há motivos para
preocupação. Embora se dê mais atenção
ao crescimento e aos investimentos externos, é preciso lembrar
que o sistema produtivo estatal chinês tem apresentado resultados
a cada ano piores, representando dessa forma um ônus crescente
sobre o próprio Estado.
Nas áreas abertas à iniciativa privada, também
há razões para preocupação, como a ausência
de instituições de mercado plenamente desenvolvidas
(por exemplo, um sistema de proteção à propriedade
intelectual). O desafio chinês, a partir de agora, é
continuar a transição ''lenta e segura'' ao capitalismo,
aparentemente sem poder contar com os grandes ''timoneiros'' do passado.
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Deng
Xiaoping morre aos 92 anos |
JAIME SPITZCOVSKY
de Pequim
O dirigente comunista Deng Xiaoping, 92, líder das reformas
pró-capitalismo que transformaram a China numa das economias
mais dinâmicas do planeta, morreu ontem em Pequim às
21h08 (10h08 de Brasília). Sua morte foi provocada por "consequências
do mal de Parkinson e de infecção pulmonar'', segundo
o comunicado oficial.
Responsável pelas reformas econômicas deslanchadas em
1978, Deng, com a saúde debilitada, não aparecia em
público desde fevereiro de 1994.
Não ocupava cargos oficiais desde 1990, mas mantinha influência
como "patriarca'' das mudanças no país mais populoso
do planeta e organizou sua sucessão ao indicar o atual presidente
Jiang Zemin.
Um revolucionário ortodoxo na juventude, Deng Xiaoping criou
a fórmula que injeta capitalismo na economia, mas mantém
o monopólio do poder nas mãos do Partido Comunista (PC).
O dirigente comunista cunhou frases como "enriquecer é
glorioso'' e, para explicar seu "pragmatismo econômico''
e as reformas pró-capitalismo, disse: "Não importa
se o gato é preto ou branco, o importante é que mate
ratos''.
O anúncio da morte de Deng chegou às 2h44 de hoje em
Pequim. O centro da cidade permanecia com movimento bastante reduzido,
e não havia sinais de tropas nas ruas da capital chinesa.
Foi reforçado o policiamento na região onde fica casa
de Deng, no centro de Pequim. O dirigente comunista morava perto da
Cidade Proibida, a antiga residência dos imperadores chineses.
A morte de Deng ocorreu depois de insistentes rumores sobre a piora
de sua saúde. Reportagens sobre as condições
do líder chinês provocavam quedas nas Bolsas de Valores
da China, de Taiwan e de Hong Kong nos últimos dias. Os investidores
temem eventual instabilidade do período pós-Deng.
O governo não divulgava informações sobre Deng
e se limitava a dizer que ele "tinha boa saúde para um
homem de sua idade''.
No fim-de-semana, o presidente Jiang Zemin e o premiê Li Peng
suspenderam viagens pelo país e voltaram com urgência
a Pequim para acompanhar a situação.
Não haverá convidados estrangeiros no funeral de Deng
Xiaoping, cuja data ainda não foi marcada. Ao fazer o anúncio,
o Comitê para o Funeral, organizado pelo governo chinês,
disse que segue a "tradição nacional''.
O Comitê para o Funeral reúne 459 integrantes e é
encabeçado pelo presidente Jiang Zemin. Formam o comitê
as principais lideranças políticas do país, entre
eles o ex-presidente Yang Shangkun, 89, e o ex-presidente do Parlamento
Peng Zhen, 95.
Idade
O comunicado oficial da morte, divulgado pela agência estatal
de notícias "Xinhua'', aponta 93 como a idade de Deng.
Ele nasceu em 22 de agosto de 1904, mas os chineses contam mais um
ano de vida depois do início do Ano Novo Lunar, ocorrido no
último dia 7.
Deng enfrentava as consequências de um estado avançado
do mal de Parkinson com complicações _como infecção
pulmonar_ e morreu de insuficiência respiratória, após
intervenção de emergência, segundo o comunicado
oficial.
Médicos realizaram uma traqueotomia de emergência, na
tentativa de salvar Deng, informou a agência de notícias
"Reuter''.
O comunicado da "Xinhua'' descreveu Deng como "um grande
marxista, um grande revolucionário proletário, um estrategista
militar, um diplomata e combatente comunista, arquiteto-chefe das
reformas socialistas da china, da abertura e da modernização''.
O PC se esforça para rejeitar a natureza capitalista das reformas,
que incluem propriedade privada e abertura a investimento estrangeiro.
Elas fizeram a economia chinesa crescer, entre 1979 e 1996, a uma
média anual de 9,5%.
Sucessão
A transição pós-Deng, em seus primeiros capítulos,
deverá ser estável, sem os sobressaltos que marcaram
os anos seguintes à morte de Mao Tse-tung.
Jiang Zemin possui uma base de apoio político construída
ao longo dos últimos anos. Contou com um período de
tempo que Hua Guofeng, o substituto de Mao, não teve, já
que a sucessão do "Grande Timoneiro'' foi decidida apenas
cinco meses antes de sua morte.
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Herdeiro
do poder tem ''fala mansa'' |
de Pequim
Jiang Zemin ganhou a bênção de Deng Xiaoping e
o direito divino da sucessão ao evitar que Xangai, cidade da
qual era prefeito, repetisse o banho de sangue que marcou Pequim na
repressão ao movimento pró-democracia de 1989.
Xangai, a maior cidade da China, era um feudo de Jiang Zemin. Desde
1985, ele ocupou os cargos de prefeito e secretário do Comitê
Municipal do Partido Comunista.
Jiang Zemin negociou com líderes estudantis, proibiu manifestações
e não se comprometeu com a violenta repressão que varreu
a praça Tiananmen (Paz Celestial) em 4 de junho de 1989. Deng
Xiaoping buscava justamente um herdeiro não associado ao massacre.
Jiang Zemin foi eleito secretário-geral do Partido Comunista
em junho de 1989. Substituiu Zhao Ziyang, um ''liberal'' derrubado
pelos setores ortodoxos durante os eventos da praça Tiananmen.
Em seguida, o Congresso Nacional do Povo (Parlamento) elegeu Jiang
Zemin chefe da Comissão Central Militar, que coordena as Forças
Armadas. Os deputados finalizaram a procissão de nomeações
ao eleger Jiang Zemin presidente da China em 1993.
Formação
Nascido em 1926, Jiang se formou em engenharia elétrica na
Universidade Jiaotong, em Xangai. Não tem experiência
militar, o que incomoda alguns generais.
Fez carreira como diretor de diversas empresas estatais. Foi também
ministro da Indústria Eletrônica. Estrangeiros que se
encontraram com ele descrevem-no como ''um homem de fala mansa, como
se fosse um gerente de uma fábrica, sem uma aura de poder''.
Jiang gosta de impressionar convidados com seu conhecimento de russo,
romeno e inglês. Também se delicia com suas citações
de poesia tradicional chinesa, sobretudo da dinastia Tang (618-907).
Ao contrário de Deng e Mao Tse-tung, Jiang Zemin veste terno
e gravata de estilo ocidental. Reserva a túnica maoísta
apenas para encontros com militares e veteranos do partido ou de significado
ideológico, nos quais os discursos remetem a valores tradicionais
do movimento comunista chinês.
(JS)
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Sucessão
definida em 89 quebra tradição de lutas palacianas |
de Pequim
O presidente Jiang Zemin representa o resultado de uma sucessão
acertada desde 1989. Então desconhecido na cena política
chinesa, ele foi pinçado por Deng para comandar o país
e, nos últimos anos, conseguiu construir uma base de apoio
que deve garantir sua sobrevivência no poder mesmo depois da
morte de seu padrinho político.
Entre 1989 e 1994, as radiografias da luta pelo poder na China mostravam
Jiang como figura transitória. Sua falta de carisma, de tradição
na vida política e de passado militar conspiravam contra.
Ele personificava um paradoxo na história a chinesa. Era o
''timoneiro'' mais frágil e com menos poderes desde a Revolução
de 1949, mas também o que acumulava mais cargos: presidente,
secretário-geral do Partido Comunista e chefe da Comissão
Central Militar, que coordena as Forças Armadas.
Jiang Zemin, nos últimos dois anos, teceu uma rede de apoio
político que apagou a imagem de dirigente de vida curta. Na
área administrativa, levou a Pequim seus mais leais seguidores,
que o acompanharam nos anos em que foi prefeito da maior cidade da
China _o chamado ''grupo de Xangai''.
No campo militar, promoveu oficiais leais à nova liderança.
Fez concessões aos generais, como o endurecimento da estratégia
para Taiwan, em março passado.
Naquele mês, a China realizou manobras militares para intimidar
Taiwan e influenciar as eleições presidenciais na ''ilha
rebelde''. A estratégia fracassou.
Lee Teng-hui, alvo da pressão chinesa, foi reeleito presidente
e a região mergulhou na pior crise desde os anos 50. Os EUA
chegaram a enviar dois porta-aviões para águas próximas
a Taiwan, numa demonstração de apoio à ilha.
Em sua agenda política, Jiang prioriza a reunificação
com Taiwan. Sabe que recuperar a ilha vai lhe garantir um lugar na
galeria dos grandes líderes chineses.
Além dos militares, Jiang Zemin tem de conviver com outros
focos emergentes de poder. O primeiro-ministro Li Peng simboliza setores
mais ortodoxos do Partido Comunista, desconfiados da transição
veloz ao capitalismo e seduzidos pelo canto nacionalista de uma ''China
poderosa''.
O triunvirato de poder encabeçado por Jiang se completa com
Qiao Shi (pronuncia-se tchiao xi), presidente do Congresso Nacional
do Povo (Parlamento).
Qiao Shi, embora tenha feito carreira no comando de ''órgãos
de segurança'', hoje busca posar como ''defensor de um regime
baseado no respeito à lei''.
Adota discurso mais liberalizante do que seus companheiros, mas longe
de romper ''dogmas'' como o fim do monopólio político
do Partido Comunista.
Mas Jiang Zemin, Li Peng e Qiao Shi parecem dispostos a quebrar a
tradição chinesa de mergulhar em lutas palacianas pela
sucessão. Sabem que o país vive um momento delicado
de transição econômica.
O triunvirato também teme que uma luta interna ajude a minar
a estrutura de poder em que se apóia o Partido Comunista.
No entanto, não pode ser descartada a hipótese de, alguns
anos depois da morte de Deng, um personagem da nova corte chinesa
avaliar que o momento é favorável para tentar abocanhar
uma fatia maior de poder.
(JS)
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