MORTOS OS CHEFES DO TERROR ALEMÃO


Publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 1977

Neste texto foi mantida a grafia original


Andreas Baader, lider da organização extremista alemã Baader Meinhof, e seus companheiros Jan-Carl Rasper e Gudrun Esslin suicidaram-se ontem na prisão de Stammheim, próxima a Stutgart, ao tomarem conhecimento do fracasso do sequestro do Boeing-737 da Lufthansa segundo informou o governo da Alemanha Ocidental.
Os nomes dos três, que cumpriam pena de prisão perpétua, constavam da lista de 13 presos cuja libertação era exigida pelos sequestradores do Boeing —mortos por um comando de soldados alemães especializados na luta antiterrorista, que invadiu o aparelho no aeroporto de Mogadíscio, na Somália, e libertou todos os passageiros, na madrugada de ontem.
O Ministério da Justiça do Trabalho de Baden Wurtzemberg, onde fica o presídio, informou que Baader e Rasper se mataram com tiros de pistola e que Esslin se enforcou. Acrescentou que outra presa, Irmgard Moeller, de 30 anos, também tentou o suicídio, cortando as veias do pulso e do pescoço, e encontra-se hospitalizada em estado grave.
O porta-voz do Ministério não informou contudo, como os extremistas conseguiram as pistolas, do tipo das que são usadas exclusivamente pelas Forças Armadas da Alemanha. Afirmou, entretanto, que foi aberto um inquérito para determinar as circunstâncias em que ocorreram os suicídios.
A morte dos extremistas foi notada horas antes do desembarque em Colônia - sob os aplausos de parentes, amigos e autoridades - do comando antiterrorista que resgatou os reféns do aparelho. Também chegaram ontem à Alemanha 80 dos 86 passageiros libertados. Seis deles, feridos durante a invasão do Boeing, permanecem hospitalizados em Mogadíscio.
O chanceler Helmut Schmidt agradeceu ontem ao presidente da Somália, general Siad Barre, a colaboração prestada ao comando encarregado da ação contra os sequestradores.

Inquérito

Os diretores da prisão de Stammheim, a mais bem vigiada do país, informaram que abriram um inquérito para determinar como Baader e Raspe tiveram acesso às pistolas de uso privativo das Forças Armadas, e também como possuíam informações sobre o sequestro em Mogadíscio, uma vez que não recebiam jornais e revistas, e não possuiam rádio nem televisão em suas celas.
Segundo fontes da prisão, os extremistas tinham conhecimento de tudo o que se referia ao sequestro, e ficaram muito alegres quando souberam que seus nomes figuravam na lista de prisioneiros exigidos pelos sequestradores. "Baader chegou a declarar que em breve estaria livre', afirmaram essas fontes.
O doutor Helmut Henck, chefe do Hospital Penitenciário de Stuttgart, confirmou a morte dos três extremistas e informou que a autópsia será realizada por uma comissão internacional de médicos. Um porta-voz do Ministério da Justiça de Baden Wurtemberg afirmou que esse organismo também fará um inquérito para determinar como foi possível fazer chegar até os detidos pistolas de 7,65 milímetros. Acrescentou que um representante da organização Anistia Internacional será confiado a participar da autópsia dos três extremistas.
O porta-voz do Ministério afirmou ainda que os funcionários do presídio não ouviram os disparos, o que faz supor que os extremistas usaram silenciadores.
Depois dos três suicídios, foi dobrada a vigilância nas celas onde encontram-se outros extremistas da organização Baader-Meinhof.

Advogado

O ex-advogado de defesa de Andreas Baader, Hans Christian Strobele, afirmou ontem que, por enquanto, não podia comentar os suicídios e nem assegurar se realmente se trata de suicídios. Salientou, no entanto, que parece impossível que Baader e seus dois companheiros submetidos a total isolamento, pudessem ter acesso a armas de fogo.
Por outro lado, alguns políticos social-democratas criticaram ontem as condições a que estavam submetidos os extremistas e que os rigores do presídio podem ter contribuído para que tomassem tal decisão.
Os meios políticos ligados ao Partido Social-Democrata, do primeiro-ministro Helmut Schmidt, lembraram que a líder do grupo Baader-Meinhoff, Ulrike Meinhof, de 41 anos, também matou-se no mesmo presídio, em maio de 1976, e de lá para cá não foram tomadas medidas para suavizar os rigores da prisão. Destacaram ainda que outro extremista, Holger Meins, havia morrido também na prisão depois de uma greve de fome de dois meses.

Condenação

Os três extremistas que se suicidaram ontem cumpriam pena de prisão perpétua pela participação em várias ações terroristas entre elas o ataque a um regimento de soldados norte-americanos em Heidelberg, em 1972. Imgard Mollder, que está gravemente ferida, cumpria pena de quatro anos e deveria responder a mais um processo, este por ataque a uma repartição pública.

Os presos que Bonn não quis libertar

Estes são os onze presos cuja libertação era exigida pelos sequestradores do Boeing da Lufthansa:

Andreas Baader

Com 34 anos, Andreas Baader foi apontado durante todo o tempo como o principal líder dos extremistas alemães, a ponto da organização cujo nome é Fração Alemã do Exército Vermelho ser conhecida comumente por Grupo Baader-Meinhof - Meinhof, no caso se refere a outra dirigente. Ulrike Meinhof, jornalista que se suicidou na prisão em maio passado, de acordo com a versão oficial das autoridades de Bonn.
Baader ficou conhecido internacionalmente depois de sua fuga da prisão em 1970 quando, aos 27 anos, cumpria pena por haver incendiado uma grande loja comercial, "em protesto contra a sociedade de consumo".
Atualmente Andreas Baader estava condenado à prisão perpétua (pena máxima na Alemanha Ocidental), pelo assassínio de cinco pessoas, por outras 59 tentativas de morte, além de ter organizado atentados a bomba e assaltos a bancos.

Gudrun Esslin

Ex-professora primária, Gudrun Esslin era uma das mais antigas militantes extremistas da Alemanha Ocidental, tendo participado, ao lado de Andreas Baader e Ulrike Meinhof da criação do grupo. Presa em junho de 1972 juntamente com Baader, Meinhof e Jan-Carl Raspe, Gudrun, agora com 37 anos, cumpria pena de prisão perpétua por ter participado de atentados e assaltos.

Jan-Carl Raspe

Preso a 5 de junho de 1972 em Frankfurt, juntamente com o líder do grupo, Andreas Baader, Jan-Car Rasper, um sociólogo que estava agora com 33 anos, foi condenado em abril passado à prisão perpétua.
Quando em 1975 um grupo de militantes da Fração do Exército Vermelho ocupou a Embaixada alemã em Estocolmo, fazendo reféns vários membros do corpo diplomático, foi exigida sua libertação em troca da vida dos diplomatas, mas sem nenhum resultado.

Guenter Sonnernberg

Quando em abril passado os órgãos de segurança da Alemanha Ocidental publicaram a fotografia de três jovens como supostos implicados no atentado que matou o procurador geral da República Siegfried Bubak, seu motorista e seu guarda-costas - metralhados numa rua de Karlsruhe - o público, tomava conhecimento do nome de mais um extremista alemão: Guenter Sonnernberg.
Em maio, durante um tiroteio com a Polícia, Sonnernberg seria preso, ferido na cabeça por um tiro.
Membro ativo do grupo dirigido pelo advogado Siegried Haag, Sonnernberg, 23 anos, aguarda julgamento.

Karl-Heinz Dellwo

Depois de cumprir um ano de prisão em 1973 por ter ocupado ilegalmente uma casa, Karl-Heinz Dellwo, um ex-comerciário que tem hoje 25 anos, voltou a ser preso em 1975, depois de ter ocupado juntamente com três outros militantes de Fração do Exército Vermelho a Embaixada alemã em Estocolmo.
Extraditado pelo Governo alemão, Dellwo foi condenado recentemente à prisão perpétua.

Hanna-Elise Krabbe

Membro do grupo radical de Heidelberg, a ex-estudante Hanna-Elise Krabbe, de 31 anos, está condenada à prisão perpétua por ter participado da invasão da Embaixada da Alemanha na Suécia (1975), quando morreram duas pessoas.

Ingrid Schubert

Do mesmo modo que Jan-Car Raspe, Ingrid Schubert, uma assistente de medicina que hoje tem 32 anos, teve sua libertação pedida pelo grupo que invadiu a Embaixada de Bonn em Estocolmo, em 1975.
Seu nome começou a ser conhecido no início desta década, quando, juntamente com Ulrike Meinhof, planejou e participou da ação guerrilheira que levou à soltura de Andreas Baader, o que lhe valeu, um ano depois, a condenação a 12 meses de prisão "por tentativa de homicídio".
Em 1974, Ingrid voltou a ser condenada, desta vez a 13 anos de detenção, sob a acusação de ter participado de assaltos a bancos.

Werner Hoppe

Antigo trabalhador do porto de Hamburgo, Werner Hoppe foi preso durante um tiroteio com a polícia em 1972, é acusado de homicídio.
Com 28 anos, ele cumpre hoje uma pena de dez anos.

Bernhard-Maria Roessner

Bernhard-Maria Roessner, de 31 anos, cumpre pena de prisão perpétua por ter participado da ação de invasão da Embaixada de Bonn em Estocolmo em 1975.
Do mesmo modo que sua companheira Hanna-Elise Krabbe, Roessner fazia parte do grupo radical de Heildelberg, e tomou parte em ocupações ilegais de residências em Hamburgo.

Irmgard Moeller

Já condenada a quatro anos e meio de prisão por militância na Fração do Exército Vermelho e por ter participado da organização de diversos atentados, Irmgard Moeller, uma ex-estudante, aguarda hoje, aos 30 anos, o julgamento de outro processo, no qual é apontada como suspeita de ter participado do atentado ao quartel-general das forças norte-americanas em Heildelberg.

Verena Becker

Caso as autoridades alemãs houvessem concedido em negociar com os sequestradores do avião da Lufthansa, esta seria a segunda vez que a jovem Verena Becker seria libertada em consequência de um sequestro. A primeira vez foi em 1975, quando foi solta em troca da libertação do democrata-cristão Peter Lorenz, candidato à Prefeitura de Berlim.
Apesar de ser um dos mais jovens membros do grupo - conta agora 25 anos - Verena Becker tem uma das mais agitadas biografias.
Sua primeira prisão, em 74, lhe valeu uma condenação a seis anos de prisão, sob a acusação de ter colocado uma bomba no Iate Clube Inglês de Berlim, do que resultou um morto. Na ocasião ela fazia parte do "Comando 2 de Junho".
Libertada no ano seguinte em troca de Lorenz, volta clandestinamente à Alemanha, e é presa em maio passado em companhia de Guenter Sonnernberg.
Atualmente aguardando julgamento, suspeita-se que Verena tenha sido a moça (descrita por testemunhas) que, da garupa de uma motocicleta, disparou a rajada de metralhadora que matou em abril passado o procurador-geral da República Siegfried Bubak e mais duas pessoas.

As contradições da luta contra o grupo de Baader

Inexiste na Alemanha uma diferença conceitual entre "bandido" e "militante extremista". A simples menção da existência de Andreas Baader inspirava um horror pueril por parte de uma população que nele identificava o inimigo de um regime que permitiu à RFA, depois da última guerra, a conquista de um confortável padrão econômico.
Temer o grupo de Baader correspondia a temer o diabo. E, de fato, a linguagem empregada pelo governo de Bonn assemelhava-se às antigas demonologias religiosas. Todos os meios eram lícitos e aceitáveis para neutralizar a minúscula e perigosíssima organização clandestina.
Dois exemplos entre muitos: a política rodoviária equipou-se há seis anos com sofisticados Porsches para eventualmente perseguir os "marginais' que poderiam, um dia nas auto-estradas, utilizar veículos velozes. Antes de sua prisão, Baader tinha sua fotografia estampada nos banheiros públicos masculinos, ao lado de cartazes anunciando os perigos das doenças venéreas.
Neste círculo vicioso em que a Chancelaria refletia o temor do público e ao mesmo tempo o incentivava, os alemães perderam a dimensão do tratamento aos prisioneiros, cujo caráter inumano só perdia para as violências gratuitas que os extremistas em liberdade exerciam sobre seus reféns.
Juristas europeus certa vez assimilaram à mais pura expressão da tortura o processo de "isolamento sensorial", pelo qual os integrantes da "bande-à-Baader" eram fechados por dias seguidos em cubículos isolados de qualquer ruído ou estímulo externo. Uma entidade de isenção política como a Anistia Internacional chegou a denunciar esta terapia que precedia os interrogatórios. E, mesmo condenando com veemência a violência provocada pelos companheiros de Baader, intelectuais de outros países europeus assinaram documentos condenando uma reforma da legislação penal que impedia os prisioneiros políticos de entrarem em contato com seus advogados.
Como o extremismo de um lado gerava a inflexibilidade repressiva do outro, é bem provável que os "simpatizantes" tenham aderido à ação armada em sinal de solidariedade com os presos assim tratados. Este fenômeno tornou-se patente pelas estimativas oficiais em alta sobre o número de elementos da organização clandestina. Se há cinco anos acreditava-se que eles não superavam a casa dos 50, hoje fontes do Ministério do Interior acreditam haver mais de mil.
A equação segundo a qual todo o contestador político era um extremista em potencial permitiu que a RFA instituísse a caça às bruxas, impedindo aos marxistas o acesso a empregos públicos. Um professor de estética da Universidade de Vincennes, em Paris, considerou recentemente em artigo na imprensa como "insuportável" o clima universitário na Alemanha, onde lecionou alguns meses. Afirmou que os docentes temiam citações de autores que informantes da polícia poderiam identificar como índices de simpatia ao extremismo armado.
Em suma, os alemães provavelmente se transformem no futuro em material de estudo dos fenômenos de psicose social, em que o sangue vertido por alguns gerou uma reação politicamente pouco sadia por parte de quase todos.
Andreas Baader morreu. A população alemã respira aliviada. Tão aliviada quanto ao fim de um programa mensal de TV - que bate todos os recordes de audiência na Alemanha em que prendem-se criminosos comuns através da delação coletiva depois da representação, por atores de uma tétrica telenovela, dos crimes que cometeram.

A escalada do terror

A escalada do terrorismo na Alemanha este ano, começou a 8 de abril, quando o promotor-geral da República, Siegrified Bubak, foi assassinado numa rua da cidade de Karlsruhe. Seus matadores não foram identificados até hoje.
Pouco mais de três meses depois, a 30 de julho, o presidente do Dresdner Bank, Juergen Ponto, era morto em sua casa por um comando extremista.
Em 5 de setembro, o presidente da Federação das Industrias Alemãs. Hans-Martins Schleyer era sequestrado em Colônia.
Finalmente, quinta-feira passada, consumava-se o sequestro do Boeng da Lufthansa.


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.