O BOEING 747 VAI CAIR; PASSAGEIROS ESCREVEM CARTAS


Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 19 de agosto de 1985

"A meus três filhos: tomem conta de sua mãe. O avião está caindo e vem uma fumaça branca da parte de trás. Podemos ter apenas mais cinco minutos (...). não há esperança. Foi uma vida feliz para mim. Deus nos ajude. Adeus". Esta carta, assinada por Hiroshi Kawagushi, 52, foi uma das duas escritas por passageiros do Boeing 747 da Japan Air Lines durante os 32 minutos em que o comandante Massami Takahami tentava evitar a queda do aparelho. O avião fazia a rota Tóquio-Osaka e caiu há uma semana no monte Osutaka, na região central do Japão, matando 520 dos 524 ocupantes. As mensagens foram encontradas pelas equipes de resgate.
Os especialistas japoneses e norte-americanos que investigam a causa do acidente ainda não chegaram a qualquer conclusão. No início do ano passado, porém, técnicos da JAL encontraram fissuras na cauda de três aviões do mesmo modelo, provocadas por superpressurização da cabine de passageiros.
Keiko Kawakami, 12, uma das quatro sobreviventes, revelou que seu pai e sua irmã sobreviveram à queda do avião, mas morreram antes que chegassem as equipes de socorro.

O avião está caindo; passageiros escrevem suas despedidas

Os passageiros do vôo 123 da Japan Air Lines (JAL) entre Tóquio e Osaka, na segunda-feira passada, tiveram tempo de escrever bilhetes para seus familiares antes que o avião, um Boeing 747 (Jumbo), caísse sobre o monte Osutaka, na região central do Japão, matando 520 dos seus 524 ocupantes. Os jornais japoneses de ontem publicaram dois desses bilhetes, escritos durante os 32 minutos em que o aparelho manteve-se no ar depois da perda do estabilizador traseiro.
"A meus três filhos: tomem conta de sua mãe. O avião está caindo e vem uma fumaça branca da parte de trás. Podemos ter apenas mais cinco minutos. Nunca mais quero entrar em um avião", escreveu Hiroshi Kawagushi, 52, chefe do escritório da empresa de navegação Mitsui Osk Lines em Kobe, perto de Osaka. Dirigindo-se ao seu filho mais velho, ele escreveu: "Não há esperança. Foi uma vida feliz para mim. Tsuyoshi, tome conta de todos. Deus nos ajude. Adeus". A mensagem ocupava sete páginas de sua agenda.
O químico e chefe de escoteiros Massakatsu Tanigushi, 40, escreveu apenas um pequeno recado para sua mulher, escrito às pressas em um saco de papel higiênico: "Machiko tome conta dos garotos". O bilhete foi encontrado dentro de sua carteira de motorista, em meio aos destroços do avião.
Este foi o mais grave acidente aéreo de todos os tempos envolvendo um único avião. Até a manhã de ontem, as equipes de resgate haviam recuperado 473 corpos no monte Osutaka, dos quais apenas 267 foram identificados. Segundo um bombeiro, o trabalho só será interrompido quando todos os corpos tiverem sido encontrados.

Vivos após a queda

Além das quatro sobreviventes que se recuperam dos ferimentos em um hospital da cidade de Fujioka, outras duas pessoas sobreviveram à queda do avião, mas morreram antes que as equipes de socorro chegassem ao local. O diário "Akahata", do Partido Comunista Japonês, traz em sua edição de ontem uma declaração da sobrevivente Keiko Kawakami, 12, que afirmou ter falado com seu pai e sua irmã antes que morressem.
Logo depois da queda do Jumbo, Keiko disse: "Ajude-me, pai". E Eiji Kawakami, 41, teria respondido "Não posso me mexer, não posso ajudá-la". Mais tarde, Keiko perguntou à sua irmã Akiko, de sete anos, o que o pai estava fazendo. Ela teria respondido: "Papai e mamãe estão frios". Segundo o jornal, Keiko afirmou que Akiko morreu nessa mesma noite. O hospital onde ela está internada não confirmou essas declarações.
Especialistas japonesas e norte-americanos continuavam ontem a tentar descobrir a causa do acidente. Bill Mellon, porta-voz da Boeing, empresa fabricante do avião, disse em Seattle, Noroeste dos EUA, que as informações disponíveis até agora não permitem que se tire uma conclusão. Sabe-se, porém, que a cauda do aparelho desprendeu-se com uma explosão, treze minutos após a decolagem em Tóquio. Grandes pedaços da cauda foram encontrados no mar a 200 km do ponto da queda, perto do local onde o avião estava no momento em que o comandante Massami Takahama comunicou pelo rádio a ocorrência de problemas. Depois disso, o avião ainda permaneceu no ar por 32 minutos.
Um membro da equipe de peritos que não quis se identificar disse à imprensa japonesa que Takahama manteve a calma durante todo esse tempo, ao tentar controlar o avião. Essa informação teria sido obtida da "caixa preta", equipamento que grava as comunicações entre o avião e os controladores de vôo em terra. Mas o escritório que coordena as investigações não confirmou essa declaração, dizendo apenas que os registros da "caixa preta" ainda estão sendo decifrados.
O governo japonês determinou uma inspeção em todos os 69 aparelhos Boeing 747 em serviço no pais e uma verificação rigorosa nos dezesseis Jumbos que cumpriram mais de quinze mil horas de vôo. No inicio do ano passado, técnicos da Japan Air Lines localizaram fissuras nas caudas de três aviões desse modelo, causadas, segundo a Boeing, por superpressurização da cabine de passageiros. Técnicos da Boeing em Seattle acharam "prematura" a teoria de que esse problema teria causado a tragédia da semana passada.

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