PROCLAMADA A LEI MARCIAL NA ZONA SOVIETICA DE
OCUPAÇÃO EM BERLIM
Alastram-se as greves e disturbios na Alemanha Oriental
|
Publicado
na Folha da Manhã, quinta-feira, 18 de junho de 1953
|
|
Neste texto foi mantida a grafia original
|
Berlim, 17 - O Exercito sovietico impôs a lei
marcial no setor oriental de Berlim, depois que os manifestantes alteraram
a ordem e se mostravam provocadores, a tal ponto, que os tanques russos
e a policia popular se viram obrigados a abrir fogo acima das cabeças
dos manifestantes, com fuzis e metralhadoras.
Uma multidão de cem mil pessoas desfilou pelas ruas do setor
sovietico, queimando bandeiras comunistas e apedrejando a policia
popular.
Ao que parece, os disparos foram feitos com o unico objetivo de amedrontar
os grupos manifestantes, tendo havido apenas um ferido. Outra pessoa
pereceu, ao ser esmagada por um tanque "T-34".
Pouco depois das 12 horas, a radio do setor oriental anunciou que,
por ordem do comando militar sovietico, fora imposta a lei marcial.
A frase final da declaração significa que os soldados
russos podem atirar para matar sobre os infratores.
Os disturbios ocorreram nas ruas centrais. Os tanques russos ocuparam
posições para apoiar a policia popular e um correspondente
da United Press e outras três testemunhas confirmaram que foram
disparados tiros de metralhadoras acima das cabeças dos manifestantes.
A declaração da lei marcial foi divulgada por intermedio
de alto-falantes em varios setores, acrescentando-se que a mesma tinha
o objetivo de "garantir a ordem publica no setor sovietico".
Uma testemunha afirmou que muitas pessoas riram ao ouvir a declaração,
e não fizeram o menor gesto para dispersar-se.
Pouco depois de ser irradiada a ordem, seis caminhões conduziram
soldados russos até a Unter Den Linden, onde estes passaram
a ocupar posições na praça Marx-Engel, em que
estava reunido um forte grupo. Os caminhões foram escoltados
por três tanques "T-34", dirigindo-se para a praça
Alexander, onde as turbas apedrejaram as vitrines de uma exposição
comunista, no edificio dos Correios.
Em Unter Den Linden, os grupos derrubaram e quebraram a haste de uma
enorme bandeira vermelha e destruiram um grande cartaz de propaganda
comunista.
Soube-se que dois operarios morreram esta tarde, quando os manifestantes
foram dispersados por dois tanques, defronte ao edificio do governo,
e que um terceiro faleceu esta noite, em Potsdamer Platz.
O tiroteiro, aparentemente, tinha por objetivo principal semear o
panico entre os manifestantes e fazer com que se dispersassem, porem,
é tambem evidente que o protesto começado ontem já
não podia ser hoje dominado com medidas normais.
Os motins tiveram inicio às primeiras horas da manhã,
ao atacar a policia comunista, com seus cassetetes, cerca de 1.500
operarios do setor oriental, que tentavam invadir o edificio do governo
da zona sovietica, em Leipziger Strasse.
A marcha dos operarios começou em Stalinallee. A multidão,
que percorria as ruas de Berlim, começou a engrossar-se de
hora a hora, tendo então surgido carros blindados, caminhões
e jipes do exército russo.
Os grupos mais audaciosos começaram a lançar pedras
e barras de ferro contra os tanques. Uma multidão, calculada
em dez mil pessoas, reuniu-se defronte à embaixada sovietica,
em Unter Den Linden, e gritava: "Abaixo os comunistas" e
"Ivan, regressa à tua patria". Indignados, os operarios
derrubaram barreiras e postes de separação dos setores.
Alguns jovens subiram até o alto da porta de Bradenburgo e
derrubaram a bandeira comunista que ali tremulava desde o fim da guerra.
Pouco depois, era queimado o pavilhão sovietico. Uma multidão
de operarios siderurgicos, calculada em 15.000 homens, marchando como
um exercito disciplinado, atravessou o setor ocidental e depois voltou
para o oriental, atacando o estadio "Walter Ulbright", onde
derrubaram grandes fotos do chefe do governo comunista da Alemanha
Oriental.
A radio da zona oriental de Berlim, pouco depois das 14 horas, anunciou
que havia sido decretada a lei marcial, por ordem do comandante militar
sovietico, major-general Dibrova.
O decreto dizia: "Todas as manifestações, reuniões,
comicios politicos e grupos de mais de três pessoas ficam proibidos
das 9 até 5 horas da manhã. As pessoas que infringirem
tais ordens serão castigadas de acordo com as estipulações
da lei marcial."
Essa ordem, em outras palavras, significa que os soldados russos foram
autorizados a disparar suas armas se houver desobediencia.
Enquanto isso, prosseguia a manifestação e os operarios
gritavam: "Freiheit, Freiheit" (Liberdade, liberdade).
Nas primeiras horas da noite, os russos haviam conseguido limpar as
ruas dos manifestantes, exceto em alguns lugares onde ficaram pequenos
grupos. Ocasionalmente, são ouvidos tiros na zona oriental
de Berlim.
Horas antes, às 15 horas, informou-se que os tanques sovieticos
haviam aberto fogo com seus canhões de 7,62 centimetros, em
Unter Den Linden.
Os operarios socialistas e membros dos sindicatos de Berlim ocidental,
levaram automoveis com altofalantes até o limite dos setores
para estimular, com seus discursos, o protesto dos seus colegas orientais.
O primeiro-ministro da Alemanha Oriental, Otto Grotewohl, em tom evidente
de panico, afirmou que os responsaveis pelas manifestações
eram "provocadores e agentes fascistas de paises estrangeiros".
Tal afirmação, todavia, foi desmentida categoricamente
pelos três comandantes ocidentais.
Grotewohl pediu ao povo que apóie as medidas para o restabelecimento
imediato da ordem na cidade, tendo advertido que os provocadores serão
presos.
Disse o primeiro-ministro da Alemanha Oriental: "Os culpados
de fomentar as desordens serão severamente castigados."
|
Apedrejados
os tanques |
Berlim, 17 - Na Friedricstrassem, nas proximidades do setor
norte-americano, jovens manifestantes tentaram subir nos tanques sovieticos,
para arrancar suas antenas. Antes disso, haviam lançado pedras
sobre os tanques, sem conseguir danificar as antenas. Um dos tanques
respondeu com tiros de metralhadora. Não consta que haja feridos
em consequencia desses tiros.
|
Esmagado |
Berlim, 17 - Confirma-se que um manifestante - trabalhador
nas oficinas de reparação de linhas ferreas - foi esmagado,
por um tanque sovietico, na Alexanderplatz.
Informa-se tambem que tiros foram disparados, ignora-se por quem,
diante da sede do governo.
|
Um
morto e dois feridos |
Berlim, 17 - Duas pessoas ficaram feridas gravemente por tiros
disparados por policiais populares no cruzamento de Prinz Albrechtstrasse
(setor sovietico) e de Stresemannstrasse (setor americano). Nessa
parte de Berlim oriental, os policiais se postaram no telhado do Ministerio
da Republica Democratica.
Num outro local do quarteirão dos ministerios, um jovem de
quatorze anos foi morto a tiros. Tiros foram tambem desferidos às
20 horas, aproximadamente por policiais populares no setor sovietico,
perto do estadio Ulbricht, nas proximidades de Weding, bairro do setor
francês de Berlim. Ignora-se se houve feridos. De outra parte
o incendio que eclodira nos armazens do Estado em Columbus Haus foi
dominado pelos bombeiros do setor ocidental. Os bombeiros do setor
oriental recusaram intervir.
|
Reforços |
Berlim, 17 - Às 15 h 50 (GMT), chegaram a Berlim Oriental
reforços sovieticos: tanques blindados e caminhões carregados
de tropas.
|
Aumentam
os manifestantes |
Berlim, 17 - Às 13 horas, uma coluna de 3 ou 4.000 manifestantes,
procedentes de Hennigadorf e de Orianenburg - duas localidades da
zona sovietica, situadas a primeira a cinco quilometros, a segunda
a doze quilometros do perimetro norte de Berlim - desfilaram na Mullerstrasse,
no setor francês. Eles se dirigiam para a sede do governo da
Alemanha Oriental, em Leipzigerstrasse.
|
Dispersam-se |
Berlim, 17 - Depois da proclamação do estado
de sitio, os manifestantes começaram a dispersar-se lentamente.
Na entrada do setor francês, a população de Berlim
Ocidental lhes ofereceu, num gesto de generosidade espontanea, pão,
salsichas quentes, sanduiches, cigarros, etc.
É preciso notar que o bairro do Wadding, onde esses fatos foram
observados, é um bairro pobre, habitado por uma população
laboriosa.
Falando-se com os operarios que participaram da manifestação,
estes não dissimulam os seus sentimentos contra a intervenção
dos carros sovieticos.
"Esses sujos, dizem eles, ousaram atirar contra os operarios
e pretenderam esmagar-nos com os seus tanques, e depois vêm
falar em um governo socialista". (Die schweine, sie haben panzer
gegen die arbeiter eingesetzt und auf uns geschossen. Und dann wollen
sie noch behaupten, dass das eine soziallistische regierung sei)
A questão: Que ides fazer agora? Depois da proclamação
do estado de sitio? Eles responderam: "Continuaremos a greve".
Os operarios de macacão têm o rosto coberto de carvão.
Suas roupas estão rasgadas e sua fisionomia cansada, com os
traços de subnutrição. Mas estão graves,
exprimindo uma feroz resolução.
|
Movimentos
grevistas |
Berlim, 17 - Noticias de movimentos grevistas na zona sovietica
chegam a Berlim. Em Magdeburgo, os operarios de três grandes
usinas metalurgicas, "Thaelmann", "Rosa Luxemburgo"
e "Karl Liebknecht", entraram em greve. A direção
comunista das usinas foi destituida.
Em Brandenburgo, dez mil operarios das fundições entraram
em greve, na manhã de hoje, e fizeram uma grande manifestação
diante do palacio da Municipalidade. Movimentos operarios foram assinalados
tambem em Leipzig, Erfurt e Halle.
|
Greve
dos serviços de transporte coletivo |
Berlim, 17 - Todos os transportes coletivos de Berlim estão
em greve.
|
O
apelo à greve geral |
Berlim, 17 - Em Berlim pelo menos, e nas proximidades imediatas,
parece que a palavra de ordem da greve geral será obedecida.
A Policia Popular foi reforçada hoje em torno da sede do governo.
Ela se esforça em dispersar as concentrações
com golpes de cassetete. Em outros locais, assistem-se a cenas de
confraternização.
|
Alastram-se
os disturbios na Alemanha Oriental |
Berlim, 17 - Informações da Alemanha Oriental
dizem que se verificaram disturbios em varios lugares da zona ocupada
pelos russos.
Um ferroviario da zona oriental de Berlim declarou que foram fechadas
as estações ferroviarias de Leipzig, Halle e Bitterfeld,
e que os operarios se declararam em greve.
Tambem ocorreram desordens e greves em Dresden, Chemnitz, Zwinnau,
na grande fabrica de produtos quimicos de Leuna e em muitos outros
centros industriais. Nenhuma dessas noticias foi confirmada.
|
A
ordem do comandante militar |
Berlim, 17 - É o seguinte o texto da ordem do major-general
Dibrova, comandante militar do setor sovietico, divulgado às
14 h 30, pela agencia A.D.N.:
"Para restabelecer uma ordem publica solida no setor sovietico
de Berlim, foi decidido: 1º - a partir de 17 de junho de 1953,
treze horas, o estado de exceção é proclamado
no setor sovietico de Berlim; 2º - qualquer demonstração,
reunião, manifestação o outra qualquer concentração
de mais de três pessoas é proibida nas ruas, nas praças
publicas e diante de edificios publicos; 3º - qualquer circulação
de pedestres, automoveis e outros veiculos é proibida, a partir
das 21 horas; 4º - os contraventores dessa ordem serão
punidos segundo as leis de guerra".
|
Incendio |
Berlim, 17 - Um incendio declarou-se num estabelecimento de
organização do comercio no antigo Colombus-Haus, em
Potsdamer Platz. Grossas labaredas saem de todos os andares do predio.
Presume-se que muitos documentos se encontram no local.
|
Concitado
o povo russo a sublevar-se contra a ditadura |
Copenhague, 17 - Pessoas que passeavam encontraram, nas dunas
perto de Aalborg, boletins de seis paginas, das quais quatro em lingua
russa e duas em idioma alemão. O texto alemão convida
os que encontrarem os boletins a enviarem o texto russo à União
Sovietica, por meio de certa, ou outra via qualquer.
O texto sovietico convida os russos a sublevarem-se contra a ditadura
e a ouvir as emissões da radio de resistencia russa. Os boletins
mencionam as horas de emissão e o comprimento das ondas utilizadas.
Pouco antes da descoberta desses boletins, a população
da região ouviu barulho de motor de um avião.
|
Proclamação
de Grotewohl |
Berlim, 17 - "As manifestações que se verificaram
no setor sovietico de Berlim são obra de elementos fascista
e provocadores a soldo de potencias estrangeiras e de capitalista
alemães, declarou o governo Grotewohl, em sua proclamação
à população, divulgada pelo radio.
"Esses provocadores, acrescentou, tentaram perturbar as medias
tomadas pelo governo para melhorar a sorte da população.
Visam, assim, tornar mais dificil o restabelecimento da unidade alemã.
"O governo afirma que não há razão para
manifestações, dada a decisão tomada no sentido
de anular o aumento de 10% das normas de trabalho. Anuncia que os
culpados serão rigorosamente punidos. O governo pede, igualmente
à população, para apoiá-lo a fim de restabelecer,
imediatamente, a ordem na cidade, e instaurar as condições
necessarias a um trabalho normal e calmo nas empresas.
"Os operarios e todos os bons cidadãos são convidados
a localizar os provocadores e entregá-los aos orgãos
do Estado.
"É necessário, enfim, que os operarios, intelectuais
e tecnicos tomem as medidas necessarias para restabelecer a marcha
normal do trabalho, em cooperação com os orgãos
do poder publico."
A proclamação é assinada por Otto Grotewohl,
presidente do Conselho.
|
Convocada
extraordinariamente a Assembléia Municipal |
Berlim, 17 - O dr. Otto Suhr, presidente da Assembléia
Municipal de Berlim Ocidental, convocou esse organismo para esta noite,
em sessão extraordinaria.
|
Anistia |
Berlim, 17 - Os serviços de imprensa da Municipalidade
do setor sovietico anunciam que foram libertados ontem, de acordo
com a anistia, 782 pessoas condenadas a penas inferiores a três
anos de prisão, ou detidas para processo. Trata-se de pessoas
condenadas, em consequencia de especulação com os viveres
e produtos industriais. Outros casos são atualmente examinados
pelo procurador-geral. |
©
Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos
reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em
qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização
escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.
|
|