GOLPE E CONVULSÃO: CAI A PRESIDENTE BOLIVIANA
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Publicado
na Folha da Tarde, sexta-feira, 18 de julho de 1980
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Militares bolivianos rebelaram se ontem e depuseram a presidente Lídia
Gueiler, poucos dias antes da data prevista para a posse do presidente
que deveria ser eleito pelo Congresso para normalizar a vida politica
do país. Os amotinados, que ontem controlavam La Paz e as principais
cidades bolivianas, disseram que sua ação se deveu "à
necessidade de impedir a ascensão ao poder do esquerdista Hernán
Siles Zuazo", o candidato mais votado nas últimas eleições.
Os militares prenderam dirigentes políticos e sindicais e até
a presidente deposta. Uma greve geral em reação ao golpe
já começou. Há notícias de mortos e feridos
em consequência da ação.
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Bolívia:
militares depõem presidente |
LA PAZ - Forças militares e civis lançaram ontem
um golpe de Estado contra o governo da presidente Lídia Gueller,
da Bolívia, para pôr fim ao processo democrático
que deve culminar com a posse de um regime constitucional no dia 6
de agosto próximo.
A rebelião começou na madrugada de ontem em Trindad,
mil quilômetros a nordeste de La Paz, e se propagou rapidamente
às principais cidades do país. Os rebeldes querem entregar
o poder ao comando das Forças Armadas bolivianas, que, até
ontem à noite, não definira sua posição.
Tropas militares, fortemente armadas e em uniforme de combate, patrulhavam
ontem as cidades de Trindad, Santa Cruz e Tarija, onde ocuparam os
principais prédios públicos e particulares.
Em La Paz, militares à paisana tomaram, segundo testemunhas
oculares, o Palácio Quemado, sede do governo, retirando o pessoal
administrativo e os jornalistas, estes últimos a empurrões,
da mesma forma que alguns ministros de Estado, entre eles o assessor
de imprensa presidencial Oscar Pena.
Inicialmente não se sabia o paradeiro da presidente nem de
seus ministros, mas, à noite, se dizia que ela estava presa
no palácio.
Pouco antes do meio-dia outros grupos atacaram a sede da Central Operária
Boliviana (COB), onde estavam em reunião os principais dirigentes
sindicais e alguns politicos. Os atacantes invadiram o prédio
disparando rajadas de metralhadoras. No incidente perdeu a vida o
dirigente mineiro Gualberto Vega, informando-se que teria morrido
também o deputado comunista e lider sindical Simon Reyes, notícia
esta não confirmada.
Os atacantes levaram presos, com as mãos na nuca, mais de doze
dirigentes sindicais e políticos, entre os últimos Marcelo
Quiroga Santa Cruz, candidato presidente pelo Partido Socialista derrotado
nas últimas eleições, Juan Lachin, o principal
lider sindical boliviano, foi também preso pelos invasores.
Simultaneamente, outros comandos, também à paisana,
ocuparam as emissoras de rádio de La Paz, exigindo seu silenciamento.
Relatos de testemunhas deram conta de que a rádio católica
Fides foi totalmente destruida e detidos alguns de seus funcionários.
A Comissão Nacional de Defesa da Democracia (CONADE) decretou
uma greve geral e o bloqueio da estradas, como parte da "resistência
civil organizada" contra o golpe militar.
Por meio das rádios mineiras, os dirigentes de várias
minas próximas entre si fizeram apelos aos soldados para que
"não disparem contra seus irmãos". Ignora-se
o resultado dos apelos.
ACOB pediu, num comunicado, "a solidariedade da comunidade democrática
internacional nesta hora de prova para o destino da liberdade e dos
direitos fundamentais da América Latina".
Ontem à noite, após a ocupação da Universidade
San Marcos por forças militares, La Paz era uma cidade totalmente
tomada pelas tropas que aderiram ao golpe. Tiros eram ouvidos esporadicamente
e os soldados paravam pessoas nas ruas, para verificar seus documentos.
A situação era semelhante nas demais principais cidades
bolivianas.
Nos bairros operários de La Paz, mulheres saíram no
fim da tarde às ruas para comprar alimentos, como que para
resistir a um longo cerco. A tarde, um único jornal circulou
em La Paz, "Ultima Hora", com um editorial na primeira página,
pedindo que "não se destrua a pátria". Uma
patrulha militar não teve êxito em impedir sua distribuição.
A Sexta Divisão do Exército, acantonada em Trindad,
que se sublevou, expressou num comunicado que a vitória do
candidato presidencial centro-esquerdista Hernan Siles Zuazo - também
preso ontem - nas eleições do dia 29 de junho foi "fraudulenta"
e acusou este de querer chegar ao poder "só para acatar
as determinações do comunismo internacional", justificando,
assim, o golpe.
A Bolívia está tentando consolidar a democracia desde
1978, ano em que o general Juan Pereda ganhou a eleição
presidencial por esmagadora maioria, mas esta foi anulada por escandalosa
fraude a seu favor. Pereda chefiou então um golpe que derrubou
Hugo Banzer, e, por sua vez, foi deposto pelo general David Padilla,
que entregou o poder a Walter Guevara, nomeado pelo Congresso para
ocupar interinamente a presidência. Guevara caiu vítima
de um golpe lançado pelo coronel Alberto Natush, em novembro
de 1979, este não conseguiu apaziguar a resistência popular
e foi derrubado 15 dias mais tarde, depois de se ter declarado presidente.
No dia 16 de novembro, o Congresso elegeu a sra. Gueller presidente
interina.
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Novo
presidente |
Um desconhecido general de aviação de sobrenome Murillo
teria sido designado como novo presidente da Bolívia pela Junta
Militar de Governo, segundo versões veiculadas à noite
em La Paz. Os informantes assinalaram que existe a possibilidade de
que Murillo tome posse imediatamente no palácio Quemado, sede
do Governo Nacional.
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Reações
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O governo norte-americano anunciou ontem à noite a suspensão
imediata de qualquer ajuda econômica e militar à Bolívia,
após deplorar o golpe e pedir a devolução do
poder às autoridades legalmente constituídas.
Ainda em Washington, o vice-presidente eleito da Bolívia, Jaime
Paz, denunciou o golpe como "uma ação provocada
por pequenos grupos militares e desqualificados politica e moralmente,
junto com delinquentes civis e paramilitares". Paz expressou
sua confiança na capacidade do povo de seu pais em resistir
aos golpistas e garantir a democracia.
Em Bogotá, o Conselho Sindical Andino condenou ontem o golpe.
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Turbulência |
Cinquenta e sete regimes militares 32 governos civis, 378 revoluções,
sublevações e golpes de Estado marcaram os 155 anos
de vida independente da Bolívia, segundo as estatísticas
realizadas pelo Centro de Estudos Históricos e Sociológicos
de La Paz.
Estes resultados justificavam o ceticismo dos bolivianos com respeito
ao futuro de seu país, apesar da convicção generalizada
da viabilidade das últimas eleições. "O
golpe de Estado foi adiado para o desenlace do escrutínio",
comentou-se nos meios políticos e jornalísticos. "O
pais está destinado, historicamente, à instabilidade
de suas instituições", concluída o centro
de estudos.
A Bolívia contou com apenas 26 presidentes eleitos pela via
constitucional. Trinta e seus chegaram ao poder mediante golpes de
Estado e 27 se fizeram nomear por assembléias constituintes,
previamente reunidas por eles mesmos. Se, após a Segunda Guerra
Mundial, a maioria dos países latino-americanos tende à
estabilidade de seus governos, na Bolívia o ritmo das mudanças
se acentuou, segundo o centro. Desde 1964, se sucederam 15 governos
(12 militares e dois civis), o que dá uma duração
média de um ano e 28 dias para cada regime.
Na realidade, o governo mais longo no pais foi o do marechal Andrés
de Santa Cruz, de 10 anos, enquanto, entre os mais curtos, citam-se
os seguintes: cinco dias para o general Pedro Blanco (1928), 10 dias
para o general Eusébio Gullart (1848), 104 dias para o general
Juan Pereda Asbun (1978(, 92 duas para Walter Guevara (12979), 16
dias para o coronel Alberto Natusch Busch (1979), sem contar três
juntas que mantiveram o poder entre três dias e 90 minutos.
Outros dados significativos são os assassínios de nove
chefes de Estado e a morte no exílio de outros oito.
O estudo conta também sobre a indisciplina quase tradicional
do exército boliviano: um dos primeiros levantamentos foi dirigido
contra um dos "pais da pátria", Antonio José
Sucre, que ficou ferido após suceder ao libertador Simon Bolivar.
Durante a Guerra do Pacífico, na qual os chilenos cortaram
todo acesso da Bolívia ao mar, uma divisão se sublevou,
a poucos quilômetros de La Paz, e seu comandante, o coronel
Ladislao Silva, declarou-se chefe de uma efêmera junta militar.
Mas o acontecimento mais grave da conduta do Exército boliviano
é apresentado pelo centro de estudos nos seguintes termos:
"Em 27 de novembro de 1934, em plena guerra com o Paraguai, o
presidente Daniel Salamanca visita a base de Villa Montes, que se
acha frente à linha de combate."
"Salamanca tinha o propósito de reorganizar o estado maior,
que conduzia as operações ao desgaste."
"Nesse momento, três personalidades da politica boliviana,
os generais Enrique Penaranda, German Busch e David Toro, decidem
derrubar o presidente diante do próprio inimigo."
A história se repetiu em diversas oportunidades, acrescentou
o estudo, afirmando: "O último exemplo de incoerência
foi a celebração da tradicional sexta-feira do solteiro
pelo coronel Carlos Estrada, na noite de 6 a 7 de junho passado, que,
enquanto responsável pela segurança da presidente da
Bolívia, não vacilou - ao amanhecer e em estado de embriaguez
- em tentar violar o dormitório da própria presidente,
com fins ainda não esclarecidos."
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