RECUPERADOS OS ASTRONAUTAS RUSSOS


Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1969

Neste texto foi mantida a grafia original

MOSCOU, 17 - A União Soviética concluiu hoje com exito a delicada operação de trazer de volta à Terra a cosmonave Soyuz-4 com três astronautas a bordo, enquanto sua gemea, a Soyuz-5, com um solitario viajante espacial, continuava em orbita terrestre depois da operação de acoplamento e separação dos dois veiculos realizada ontem.
O tenente-coronel Vladimir Shatalov comandou com segurança a descida de sua capsula espacial Soyuz-4 numa região da Asia Central batida pelo vento e pela neve. A cosmonave desceu suavemente, reduzindo sua vertiginosa velocidade por meio de um enorme para-quedas alaranjado.
O "Izvestia", orgão do governo sovietico em uma de suas raras manchetes com letras vermelhas descreveu como "final brilhante" a descida do astronauta, enquanto que o vespertino moscovita "Vechernaya Moskva" dava sua informação sob o titulo "Gloria aos herois do espaço".

Na neve

A televisão e a radio refletiram a onda de entusiamo que percorreu a nação de um extremo a outro quando se anunciou a descida da Soyuz-5 sobre monticulos de neve de uma desolada fazenda coletiva situada a 40 quilometros ao noroeste de Karaganda, na qual os termometros marcavam no instante do pouso 31 graus abaixo de zero.
Shatalov e os andarilhos espaciais, o tenente-coronel Yevgeny Krunov e o civil Alexei Yeliseyev, ao que parece desceram exatamente no ponto previsto para a aterrissagem. Pouco depois, convenientemente abrigados com seus capotes de inverno, deixaram a nave e confundiram-se em abraços com os cientistas e os surpreendidos camponeses da localidade, antes de serem apanhados pelos helicopteros enviados a sua procura pelo centro de operações espacial de Baikonur.

Soyuz-5

Enquanto isso, o tenente-coronel Boris Volynov, comandante da Soyuz-5, prossegue sua solitaria missão em orbita terrestre depois do engate espacial de ontem. Durante o qual os seus dois companheiros se passaram para a Soyuz-4.
A nave espacial de Volynov descreve uma orbita em tono da Terra cada 88 minutos a uma altura que oscila entre 201 e 299 quilometros, esperando a ordem para regressar tambem a superficie do planeta.
Depois de ser cumprido aparentemente a maior parte das tarefas previstas para o seu vôo, Volynov passa grande parte do tempo a fazer transmissões de televisão ao vivo. Os telespectadores veem-no a fazer calculos com o sextante, mostrando exemplos da imponderabilidade no interior da cabine ou fotografando a Terra.
As vistas do territorio da União Sovietica transmitidas pelo astronauta mostram o terreno nevado que a agencia Tass descreveu como "uma grande e branca esponja".
O Centro de Controle advertiu a Volynov: "Aperte o botão, aperte o botão", para que a transmissão pudesse efetuar-se. "Obrigado, agora podemos vê-lo", disse em seguida o instrutor do centro de controle quando o astronauta encontrou o botão e o pressionou. Volynov apareceu na tela, e disse medrosamente: "mas agora quem não pode ver sou eu".
Aparentemente os cientistas sovieticos ordenaram a descida da capsula para amanhã.
Shatalov revelou o sentimento de solidão que sentia quando disse aos dois viajantes da outra nave, ao recebê-los a bordo de sua cosmonave: "Esperei-os durante todo o dia". Acrescentou que havia ouvido suas vozes quando a Soyuz-4 entrou em orbita "mas senti uma alegria maior quando ouvi baterem a porta".
Também disse que os "andarilhos" lhe haviam levado o primeiro correio espacial, entregando-lhe jornais, cartas de seus parentes e uma nota do instrutor de cosmonautas, general Nikolai Kamanin.
Um dos "andarilhos", Yeliseyev, disse que as naves espaciais" são muito mais bonitas do que em terra" quando são vistas recortadas contra o fundo negro do espaço em que metade do planeta Terra está coberto por nuvens".
Quando as duas espaçonaves se separavam depois do acoplamento de quatro horas em 15 minutos, os astronautas da Soyuz-4 enviaram mensagem a Volynov desejando-lhe um feliz vôo. Volynov respondeu: Eu desejo-lhes uma feliz aterrissagem. Até breve".

Reações

Os observadores ocidentais em Moscou acreditam que as experiencias com as astronaves Soyuz mostram que a União Sovietica está construindo uma plataforma orbital em torno da Terra, de onde partirão seus astronautas nas viagens para a Lua e para os planetas do sistema solar.
Um diplomata ocidental disse que os russos escolheram o caminho mais difícil para chegar à Lua, porem seu programa espacial tem mais objetivos que o norte-americano, segundo a maioria dos observadores, a União Sovietica ainda está atrás dos Estados Unidos na corrida espacial, embora isso não desmereça os feitos de seus astronautas e cientistas.

Comparações

Analisando as ultimas experiencias com a nave Soyuz, os observadores dizem que parece fora de duvida que os russos não possuem atualmente um foguete tão potente como o Saturno-5 norte-americano, que levou o Apolo-8 ao espaço. Isto seria porque os foguetes do tipo Saturno não tem emprego militar, o que dificultou o seu planejamento e construção na União Sovietica.
A potencia do Saturno-5 é de 3.400 toneladas de empuxo. O foguete que leva os Soyuz a orbita teria, segundo os observadores, a metade desta potencia. Parece agora que os sovieticos levarão para orbita, pelo menos em quatro viagens, as peças para a construção de uma plataforma espacial, de onde sairia para a Lua outros foguetes com uma espaçonave do tipo Zond.
Este processo sai muito mais caro que o norte-americano. Não existem dados oficiais sobre o assunto, mas as estimativas são de que cada lançamento sai para os russos por 10 milhões de rublos. Os observadores concordam, porem, em que as ultimas experiencias foram conquistas importantes dentro do programa espacial russo. Sublinham principalmente o avanço da tecnica sovietica no retorno das astronaves à terra. O pouso da Soyuz foi realizado sob condições de tempo e temperatura muito dificeis . As grandes qualidades aerodinamicas do veiculo, deram-lhe tambem uma otima margem de segurança na aterragem.
Pelo exame da saida dos astronautas no espaço, exibida pela televisão sovietica, os observadores chegaram a conclusão de que os russo desenvolveram uma nova tecnica para operações orbitais. Aparentemente os cientistas tiraram a pressão do interior da nave para facilitar a saida dos astronautas para o espaço, mas não foi possivel ver como se processou a reentrada dos astronautas no veiculo.
Durante o periodo da troca de tripulações das duas naves, os pilotos de cada uma ficaram em compartimentos isolados do resto do veiculo, não sendo atingidos pela descompressão. Os novos tipos de roupa espaciais mostrados pela televisão parecem ser melhores que as norte-americanas, tendo reguladores proprios de temperatura e de oxigenio.
Os sovieticos, ao contrario dos norte-americanos, não precisam ficar ligados às espaçonaves através de um cabo chamado na giria do espaço de "cordão umbilical". Por isso, têm mais liberdade de movimento e podem realizar melhor as manobras de acoplamento destinadas à construção de uma plataforma espacial.

Em Bochum

O diretor do Instituto de Investigação de Satelites Espaciais, de Bochum, na Alemanha Ocidental, Heinz Haminski, disse que os sinais ouvidos parecem indicar que a nave espacial sovietica Soyuz-5, tambem desceu na manhã de hoje.
Aparentemente, afirmou Haminski, o veiculo desceu às 5h20 horas de Brasilia. A Soyuz-4, que se acoplou no espaço à Soyuz-5, desceu às 3h53 horas de Brasilia, segundo a agencia Tass.

Mensagem

Em uma de suas orbitas finais antes de que a "Soyuz-4" regressasse à Terra, os quatro cosmonautas dirigiram mensagem aos povos latino-americanos e africanos, para lhes desejar exito "na luta pela consolidação da independencia nacional".
Tambem dirigiram mensagem a outras partes do mundo. Aos europeus votaram por "bem-estar e paz mais solida" ; ao povo vietnamita, desejaram "novos triunfos no erguimento do socialismo e na pugna pela liberdade, independecia e unidade do Vietnã".
Na saudação aos chineses, os astronautas externaram "confiança na imperecivel amizade entre os povos sovieticos e chinês".
Finalmente, os cosmonautas dirigiram "amistosas saudações ao povo dos Estados Unidos".


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