QUEM PODE SER FUZILADO NO CHILE

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 17 de setembro de 1973

1. Açambarcar generos
2. Mercado negro
3. Atacar soldados ou quarteis
4. Portar armas
5. Usar uniforme militar sem pertence às Forças Armadas ou aos Carabineiros
6. Imprimir ou difundir, por qualquer meio, propaganda subversiva


Estes são os delitos que a Junta Militar está punindo com fuzilamento sumario, de acordo com o Codigo de Justiça Militar em Tempo de Guerra, em vigor no Chile desde o estabelecimento do Estados de Sitio.
No decorrer do dia de ontem, os dirigentes chilenos fizeram novas conclamações aos trabalhadores para que retomem seus postos nesta segunda-feira, a fim de normalizar a vida do país, paralisada desde a eclosão do movimento militar, no dia 11. Com o mesmo objetivo, a Junta reuniu nas ultimas horas representantes das classes produtoras - especialmente dos setores de transportes, construção civil e agricultura - traçando com eles os planos para o reinicio das atividades economicas.
O domingo, em Santiago, foi semelhante aos dias de semana passada: suspenso o toque de recolher, milhares de pessoas sairam às ruas em busca de generos alimenticios. Falta quase tudo na capital chilena, mas já estão chegando caminhões com legumes e frutas. O pão voltará a ser fabricado na terça-feira, quando se espera a regularização do abastecimento de trigo.
O general Augusto Pinochet, em entrevista concedida à Radio do Luxemburgo, afirmou que a ação contra Allende provocou menos de uma centena de mortos e cerca de 300 feridos. Segundo Pinochet, a situação tende à normalidade em todo o pais.
Em, Castelgandolfo, o Papa Paulo VI referiu-se aos acontecimentos do Chile, classificando-se como "drama politico trágico" e perguntou se não seria possivel evitar a guerra civil.
O New York Times, analisando em editorial o golpe militar, disse que os Estados Unidos tiveram "apenas uma reduzida responsabilidade na derrubada do governo Allende", e que "pretender outra coisa é simplesmente esquecer as razões basicas da tragedia chilena".

Pena de morte para restaurar a ordem

SANTIAGO DO CHILE - A Junta Militar chilena declarou que ainda há grupos de resistência e advertiu que aplicará a pena de morte caso estes não deponham as armas.
Em panfletos jogados ontem por helicopteros militares, a Junta declarou também que "o uso dos uniformes das Forças Armadas e dos Carabineiros (policia militar) por parte de pessoas alheias a essas instituições será punido com o fuzilamento, no proprio local."
A ação contra os franco-atiradores pareceu diminuir na noite de anteontem, depois da intensas batidas nas zonas industriais.
Continua incerto o total das baixas ocorridas até agora.
Os calculos oscilam entre 500 a 2 mil mortos, entre uns, e até mais de 15 mil entre outros.
Até agora conhece-se apenas uma lista oficial de 16 mortos e 100 feridos.
Pelo menos três pessoas foram fuziladas sumariamente até o momento, segundo confirmação oficial, mas fontes não oficiais afirmam que o numero de execuções foi mais elevado.
Segundo essas fontes existem cerca de 3 mil detidos em dois estados de Santiago.
Os presos são interrogados no estadio menor. Se eles são considerados culpados, são levados ao estadio nacional "e então a coisa é grave", disse uma pessoa ligada à policia civil, que afirmou que "muitas pessoas foram condenadas a morte e executadas no proprio estadio, inclusive estrangeiros."
"Numerosas pessoas", na maior parte cubanos, morreram por oferecer resistencia à Junta Militar, informou o coronel Rigoverio Rubio, secretario-geral do Exercito.
O oficial, em declarações feitas a "RCN" (Radio Cadena Nacional) disse também que "todos os ministros de Allende estão detidos em um quartel militar".

Venezuelanos

Em Caracas, esperava-se ontem à noite a chegada de um avião militar venezuelano com 84 estudantes da Venezuela, procedentes de Santiago do Chile.
O aparelho seguiu anteontem para a capital chilena com 16 toneladas de alimentos, plasma e medicamentos.
O Ministerio das Relações Exteriores informou também que encarregou o consul geral da Venezuela em Santiago, Oswaldo Gomez, de pedir a Junta Militar a libertação de seis venezuelanos detidos.
Em Buenos Aires, informou-se que dez chilenos conseguiram-se cruzar a fronteira na localidade de Huaytiquina, no norte do pais.

Direitos humanos

Duas organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, solicitam ao secretario-geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, e à Organização dos Estados Americanos (OEA), para que intercedam imediatamente em auxilio de "milhares de refugiados politicos no Chile", que enfrentam a possibilidade de repartição forçada aos paises latino-americanos de onde fugiram ou foram banidos.
Os telegramas foram enviados pela "Anistia Internacional" e a "Comissão Internacional de Juristas".
Os telegramas expressam também preocupação "pelas informações de prisões em massa e, em alguns casos, execuções sumarias de opositores politicos no Chile".

Jornalistas

Em Mendoza, na Argentina, um grupo de jornalistas de todo o mundo reuniu-se no hotel Plaza e emitiu uma declaração de protesto contra o atual governo chileno, que proibiu a imprensa de entrar no pais.
A declaração é intitulada "O que acontece no Chile que não se pode informar ao mundo?"

Previsão

O embaixador chileno no México, Higo Vigorena, vaticinou ontem uma guerra civil no Chile e acusou a Agencia Central de Inteligencia (CIA) aos Estados Unidos de ter planejado a deposição do presidente Allende.
"Eu soube, de um plano da CIA denominado "Centeuro" somente alguns dias antes do golpe", disse Vigorena numa declaração à imprensa.
Fernando Murillo, Encarregado de Negocios da embaixada do Chile em Pyongyang, anunciou que renunciaria a seu cargo segundo informou a Radio Pyongyang, da Coreia do Norte.
A transmissão captada em Toquio acrescentou que Murilo declarou numa entrevista a imprensa que tomou a decisão, porque "eu sou um representante do povo combatente do Chile".
Segundo a transmissão, Murilo acusou a Agencia Central de Inteligencia dos Estados Unidos (CIA), de dirigir e auxiliar o grupo militar do golpe que depôs o presidente Allende.
O presidente da Coreia do Norte, Kim II Sung enviou um tellegrama manifestando suas condolencias à viuva de Allende.
O embaixador do Chile no Uruguai, Raul Elgueta, apresentou renuncia a seu cargo.
Atitude semelhante foi adotada pelo presidente da delegação Latino-Americana de Livre Comercio (ALAC), Pedro Daza.

Na Dinamarca

O dirigente socialista chileno Carlos Parra pediu ontem em Copenhague, ao governo dinamarquês, que se recuse a reconhecer "a Junta que se assenhoreou do poder no Chile, mediante um golpe militar".
O embaixador do Chile em Londres Alvaro Bunster, será recebido hoje, a seu pedido, pela chancelaria britanica.
Bunster, apesar de ter sido exonerado do cargo pela Junta Militar, continua sendo oficialmente considerado pelas autoridades britanicas o embaixador do Chile em Londres, e pediu para explicar ao "Foreign Office" a delicada situação em que se encontra.
O presidente Nicolai Podgorny enviou telegrama de condolências a viuva do presidente Allende.

A viuva

A viuva do presidente chileno Salvador Allende chegou ontem ao México, a bordo do avião especial.
A sra. Hortensia de Bussi Allende, foi recebida pelo presidente Luis Echeverria e por sua esposa, ambos vestidos de luto.
A viuva de Allende lançou um apelo à solidariedade internacional em favor daqueles que resistem aos militares, no Chile.
A Sra. Allende afirmou, em breve entrevista à imprensa, que em seu país há resistência ao golpe de Estado: "Temos noticias de que os que ficaram passaram à clandestinidade".

Neruda está vivo

SANTIAGO - O poeta Pablo Neruda, Premio Nobel de Literatura, está vivo e, embora enfermo, trabalha normalmente em sua casa, informaram membros de sua familia.
Os rumores de que Neruda havia sido morto ou preso foram desmentidos também pelo general Augusto Pinochet, lider da Junta, que disse estar o poeta em sua residencia de Isla Negro, em absoluta liberdade.
 

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