REVOLUÇÃO NA ARGENTINA


Publicado na Folha da Manhã, terça-feira, 17 de setembro de 1935

Neste texto foi mantida a grafia original


Estariam em poder dos rebeldes todas as provincias meridionais - Ampliação do estado de sitio a todo o país - Prisioneiro o governador de Córdoba, tendo passado para os revolucionarios o controle da cidade - A C.G.T. recomenda calma a seus filiados

Desconhecido O Paradeiro Do General Perón

BUENOS AIRES, 16 - Confirma-se que um levante ocorreu em certas guarnições militares do interior do pais.

Convite à renuncia

BUENOS AIRES, 16 - Chefes do Exercito teriam convidado Perón a demitir-se, segundo rumores incontrolaveis.

Ignora-se o paradeiro de Perón

BUENOS AIRES, 16 - Informa-se que é ignorado o paradeiro do general Perón. O discurso que o presidente deveria pronunciar hoje, por ocasião de uma visita de sindicalistas à Casa Rosada, não foi proferido até o momento, nem se sabe se o será ainda. Ignora-se se o general acompanha o desenrolar dos acontecimentos de sua residencia privada, ou da Casa Rosada, ou ainda do Ministerio da Guerra.

Prisioneiro o governador de Córdoba

BUENOS AIRES, 16 - O sr. Raul Luccini, governador da provincia de Córdoba, caiu prisioneiro dos insurretos - anunciou a radio de Córdoba.

O ditador acuado

BUENOS AIRES, 16 - "Aqueles que acreditam governar a nação não dominam senão a capital - anuncia a radio da base naval de Puerto Belgrano, em mãos do país se sublevou contra o regime Prosseguiremos a luta até o fim".

O país às escuras

BUENOS AIRES, 16 - O "black-out" em toda a Argentina foi decretado na noite de hoje,. Todas as reuniões e espetaculos estão vedados no pais. As forças de ordem foram colocadas sob comando unico.

Córdoba dominada pela revolta

BUENOS AIRES, 16 - Após 35 minutos de bombardeio de artilharia contra a chefatura de policia de Córdoba, toda esta cidade passou ao controle dos insurretos - anunciou uma estação de radio que deu como prefixo "Córdoba". A luta teria cessado na provincia de Córdoba.

Todo o sul em poder dos rebeldes

MONTEVIDÉU, 16 - Todo o sul da Argentina encontra-se em poder das forças insurretas. A esquadra argentina, que se acha no sul regressará para unir-se às forças navais de rio Santiago, para aderir aos insurretos. Tais afirmações foram divulgadas pela radio de Puerto Belgrano, em poder dos insurretos e capitada em Montevidéu.

A C.G.T. pede calma

BUENOS AIRES, 16 - Intensa atividade reina na sede da C.G.T. peronista, onde numerosos dirigentes sindicais se apresentaram durante o dia. A proteção do edificio é assegurada por grupos de operarios. O secretario exortou telefonicamente os dirigentes sindicais da provincia a conservarem-se em calma e aguardar as instruções que a Central lhes enviar em tempo oportuno. O que se realizava em Buenos Aires e recorda-se que o estado de sitio só esta manha foi suspenso.

Mortos e feridos chegam a Montevidéu

MONTEVIDÉU, 16 - O destróier argentino "Cervantes" desembarcou 3 mortos e 18 feridos, que resultaram do ataque que esta unidade sofreu por parte dos aviões peronistas argentinos. Aproxima-se do cais de Montevidéu o destróier leve "Rio-ja". As ambulancias estão no cais para retirar os feridos que ele trouxer.

Ampliado o estado de sitio

BUENOS AIRES, 16 - A Camara e o Senado aprovaram a extensão do estado de sitio a todo o territorio do país e decidiram manter-se reunidos em sessão permanente, até novo aviso.
Recorda-se que o estado de sitio fôra proclamado em Buenos Aires no dia seguinte à jornada de 31 de agosto ultimo, que se assinalou pela oferta da renuncia, por parte do presidente Perón.

Aguarda reforços um regimento fiel ao governo

BUENOS AIRES, 16 - O 5.o Regimento de Infantaria, leal ao governo aguarda reforços para marchar sobre a base naval de Puerto Belgrado - anunciou o Ministerio da Guerra.
Na provincia de Córdoba, sublevaram-se somente a escola de artilharia e reduzidos efeitos efetivos terrestres da aviação. Na zona setentrional do país, a sublevação foi limitada à guarnição de Curuzu Cuatia. Forças legalistas superiores em numero marcham contra os rebeldes.

Os civis em ação na capital

BUENOS AIRES, 16 - Elementos civis teriam tentado ocupar o arsenal naval de Buenos Aires, segundo uma informação não confirmada. A policia e a Guarda-Civil da capital estão de prontidão. Guardas armados de fuzis-metralhadoras interditam o acesso à zona do palacio do governo. Outros destacamentos da policia ocuparam o Correio Central. Patrulhas percorreram as ruas.
No bairro de Belgrado, um policial foi morto a tiros de revolver pelos ocupantes de um jipe. Cerca de vinte motoristas apanhados como portadores de armas foram presos em diversos pontos da cidade.
No Ministerio do Exercito, nota-se um incessante vaivem de oficiais.

Suspensos os serviços aereos

MONTEVIDÉU, 16 - Os serviços aereos em Buenos Aires foram suspensos em virtude da situação na Argentina. Os serviços telefonicos entre Buenos Aires e Montevidéu são normais. As radios uruguaias, segundo disposições dos serviços governamentais de transmissores, irradiam em seus boletins noticiosos somente telegramas das agencias noticiosas que não tenham fontes devidamente responsaveis.

Quadro geral da situação

Buenos Aires, 16 - Três meses após a sangrenta rebelião militar no dia 16 de junho, que atingiu duramente a capital, a Argentina está novamente prestes a viver gravissimos acontecimentos que podem ter consequencias incalculaveis para o pais. Parte da guarnição de Córdoba, bem como certas unidades em Caruzu Cuata, provincia de Corrientes, e outra região da provincia de Entre-Rios, no norte de Buenos Aires, sublevaram-se hoje de madrugada contra o governo do general Perón. As unidades fluviais, da marinha, estacionadas nestas duas provincias participam do movimento. Dada impossibilidade de comunicações telefonicas e telegraficas nesses setores nevralgicos, não se possuem até o presente senão informações de fonte oficiais, isto é, praticamente pouca coisa sobre o desenrolar dos acontecimentos na provincia.
Os breves comunicados da radio do Estado garantem que o governo domina a situação por toda parte. O presidente Perón, que devia pronunciar um discurso pela radio esta manhã, não fizera uso da palavra até o inicio da tarde. A zona do palacio do governo e dos ministerios esta guardada pelas tropas e policiais. Na praça de Maio grupos de curiosos cercam silenciosamente as peças antiaereas. Precauções militares foram tomadas particularmente em torno do Ministerio da Guerra, onde se supõe encontrar-se o posto de comando do general Perón.

Revolta mais ampla do que as anteriores

Circulam rumores incontrolaveis. Assim é que correu o boato principalmente de que os chefes militares teriam intimado Perón a demitir-se. É a terceira sublevação militar na Argentina depois da ascensão, ao poder, do general Perón. A primeira se produziu em setembro de 1951. A de hoje é incontestavelmente a mais grave de todas as revoltas. Seja qual for o desfecho, o movimento sedicioso deixará traços duradouros. No dia 16 de junho, somente uma fração da Marinha se revoltou, bem como alguns elementos da Aeronautica. Trata-se desta vez de um movimento muito mais amplo englobando unidades do Exercito e da Marinha.
Segundo informação de fonte governamental, o chefe da revolta seria o general Dalmiro Balaguer, ex-comandante do 14.o Regimento de Infantaria de Rio Cuarto, provincia de Córdoba, contra qual um mandado de prisão fora expedito no dia dois do corrente por conspiração tendente a sedição militar. Lembra-se que quatro oficiais da base de Rio Cuarto desapareceram, bem como o general, depois de descoberta a conspiração.
Foi por volta das 4 horas locais que rumores sobre um eventual movimento subversivo começaram a circular na capital. Mas os observadores hesitaram e acrescentaram, por sua vez, que há quinze dias rumores semelhantes corriam quase todas as noites. Entretanto, pouco mais tarde, movimentos de soldados de policia em torno da zona do Palacio do Governo deixaram entrever a possibilidade de graves acontecimentos.
Rapidamente correu o rumor de uma descoberta de novo complô contra Perón e ataques de elementos civis contra o Arsenal da Marinha. Informou-se igualmente que o movimento subversivo ter-se-ia produzido em Córdoba e outras cidades ao norte da capital. Enfim, às 8 h 20, a radio do Estado anunciava um comunicado "sobre os acontecimentos que se desenrolavam no interior do pais". Três minutos mais tarde, obteve-se a confirmação oficial da sublevação militar.

Córdoba, Corrientes, Entre-Rios

A radio do Estado confirmou sucessivamente a sublevação em Córdoba e dois pontos das provincias de Corrientes e Entre-Rios. O estado de sitio, existem na capital depois da oferta. E em seguida à retirada de demissão do presidente Perón tornou-se extensivo ao conjunto do territorio nacional. A camara e o Senado, convocados urgentemente, aprovaram essa medida e decidiram reunir-se permanentemente até o novo aviso.
O nervosismo apoderou-se da população de Buenos Aires, que entretanto se dirige às suas ocupações. Contudo, os Ministerios, bancos e a direção das escolas dispensaram o pessoal e os alunos. Os estabelecimentos de alimentação, padarias, etc., conheceram extraordinaria afluencia durante as horas da manhã, receando principalmente a população o desencadear de uma greve geral.
Por volta da manhã, numerosos estabelecimentos, restaurantes no centro da cidade cerraram suas portas. As tropas e os policiais fiscalizam as entradas para a capital. Informou-se que violentos combates ocorriam nos suburbios de Córdoba, onde o 13.o Regimento de Infantaria, que continua fiel ao governo, contrariamente às primeiras informações, esforça-se por desalojar os insurretos entrincheirados nas escolas aerotecnicas. Às 13 horas locais, a situação estava inalterada em Buenos Aires.

Delclarado O "Estado De Revolução Interna

Após manter renhido combate com quatro aviões peronistas a jacto, o "Cervantes" refugia-se em Montevidéu, com varios mortos e 18 feridos a bordo


BUENOS AIRES, 16 - O "estado de revolução interna" foi proclamado por decreto que traz as assinaturas do presidente Perón, ministros do Exercito, Aviação, Marinha, Interior e secretario de Estado para a Defesa Nacional. As forças de repressão estão colocadas sob o comando do general Franklin Lucero, ministro da Guerra, o qual esmagou a revolta de 16 de junho ultimo.
De outra parte, o comunicado do comando das forças de repressão proibe todos as reuniões, salvo as motivadas por motivos especiais. Durante as horas de toque de recolher, isto é, a partir de meia-noite até 6 horas da manhã, os restaurantes, os cafés e as salas de espetaculos deverão permanecer fechados.
O comando de repressão tomou todas as medidas para evitar que a ordem seja perturbada ou atos violentos sejam cometidos contra pessoas, igrejas, ou bens particulares.

C.G.T. preve a destruição dos postos de radio

BUENOS AIRES, 16 (A.F.P.) - A C.G.T. convidou seus delegados regionais a garantir o controle de todos os postos de radio e destruí-los em caso de perigo de ocupação pelos recebidos. Desde o anoitecer, correm rumores de que o combate cessou na base naval de rio Santiago, a sessenta quilometros da capital.

Combate no Rio da prata

MONTEVIDÉU, 16 - Um encarniçado combate se desenrolou no rio da Prata, em frente à costa argentina, entre o destróier "Cervantes" e quatro aviões a jacto leais ao general Perón. O "Cervantes" pôde seguir sua rota e refugiou-se no porto de Montevidéu, onde desembarcou seus feridos, 18 ao todo e alguns mortos.
O governo do Uruguai se acha reunido extraordinariamente para resolver a situação do navio e os marinheiros argentinos que se refugiaram no porto de Montevidéu. Uma hora depois de atracar o "Cervantes", chegou o destróier Rioja. O presidente do Conselho do governo, r. Luis Batlle Berres, acha-se ausente da capital e telefonicamente pôs-se em contacto com os restantes membros do Conselho. Segundo fontes bem informadas, são duas as possibilidades de que o Conselho estudará: 1a.) internação dos tripulantes dos dois navios e devolução, ao governo argentino, das mesmas: 2a.) em virtude do estado de guerra na Argentina, declararia beligerantes os navios e lhes concederia um prazo de permanencia de 24 horas, depois de desembarcar os feridos e mortos.

Volta a luta o "Rioja"

MONTEVIDÉU, 16 - Um suboficial ferido do destróier "Rioja" mostrou-se pessimista com respeito à evolução das forças revolucionarias. O desembarque dos feridos foi dramatico. Um morto do "Rioja" foi descido envolto na bandeira argentina. O destróier "Cervantes", que atracou ao cais do porto de Montevidéu, apresentou avarias provocadas por metralhadora.
O destróier "Rioja" que, na entrada do porto de Montevidéu, fez transportar seus feridos através de um rebocador e logo seguiu a viagem para continuar a luta, tambem tem avarias provocadas por metralhadoras. O "Cervantes" e o "Rioja" combateram contra quatro aviões "Meteors", leais ao governo, resultando avarias maiores para o "Cervantes", que se refugiou em Montevidéu.

ULTIMAS INFORMAÇÕES

Marcha sobre Buenos Aires a guarnição de santa fé - O diretor teria oferecido sua renuncia ao partido peronista - Anuncia-se a libertação do contra-almirante olivieri pelos insurretos


BUENOS AIRES, 16 - A guarnição de Santa Fé aderiu aos revolucionarios, marchando sobre Buenos Aires, segundo anunciou a emissora em poder dos rebeldes. Segundo a mesma fonte, os dincicatos, renunciando à greve geral que haviam decidido, aderiram ao movimento revolucionario.

Perón teria decidido renunciar

BUENOS AIRES, 16 - Perón teria oferecido sua demissão ao Partido Peronistas, segundo rumores incontrolaveis até o presente.

Lutarão "até acabar com a tirania"

MONTEVIDÉU, 16 - Numa transmissão captada em Montevidéu a radio rebelde de Bahia Blanca, anunciou que o Exercito, a Aviação e a Marinha, com o apoio moral do povo, lutará até acabar com a tirania. A radio convida Perón a retirar-se do governo, para evitar maior derreamento de sangue.

Olivieri em Liberdade

BUENOS AIRES, 16 - O ex-ministro da Marinha, contra-almirante Anibal Olivieri e todos os oficiais condenados pelo Tribunal Militar, por participação na rebelião de 16 de junho ultimo, teriam sido libertados da penitenciaria de Santa Rosa, na provincia de Eva Perón (ex-Pampa), a sudoeste de Buenos Aires, segundo anunciou a radio rebelde.

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