NIKITA KRUCHEV ARRASTA MAIS TRÊS EM SUA QUEDA


Publicado no Folha de S. Paulo, sexta-feira, 16 de outubro de 1964

Neste texto foi mantida a grafia original

Povo sovietico só soube da queda esta manhã

Moscou, 16 (Folha)
— Leonid I. Brejnev e Alexei N. Kosygin empossaram-se hoje como chefe do Partido Comunista e do governo da União Sovietica, respectivamente, em substituição a Nikita Kruchev, cuja queda o povo sovietico só tomou conhecimento esta manhã, através do noticiario do radio e dos jornais. Em sua queda, o ex-"premier" sovietico arrastou os chamados "três pilares da imprensa, radio e televisão", respectivamente Alexei Adjubei, seu genro e redator-chefe do "Izvestia" (orgão oficial do governo), Pavel Satiukov, redator-chefe do "Pravda" (jornal do Partido) e Mikhail Kharlamov, diretor da radio e televisão. Satiukov está atualmente em Paris e Kharlamov, ao que parece, na Noruega, mas o paradeiro de Adjubei é ignorado.
Esta manhã, os moscovitas —habitualmente animados e comunicativos nos transportes coletivos— dirigiam-se ao metrô e aos onibus com ar circunspecto e mudos, sem comentarem nada a respeito do que ocorria. Os motoristas de taxis, ao contrario, mostravam-se mais abertos e um deles revelou que Kruchev encontrava-se "preso" em sua quinta de Soghi. Outro comentou a queda dizendo que isso era muito bom para Nikita, que já está velho e poderá, de agora em diante, entreter-se sossegadamente com a pesca.

Notícia

Em seu boletim de informação das 6 horas (hora local de sexta-feira), a radio de Moscou silenciou completamente seu noticiario sobre a demissão de Nikita Kruchev. As principais noticias dadas por este boletim, que é o primeiro da jornada, se referiam à emulação organizada nas fabricas por motivo do proximo aniversario da revolução, a permanencia em Moscou do presidente Dorticós, ao "Vosjod" e ao aniversario do poeta Ermontov.
Milhões de russos não tiveram conhecimento algum de que seu país tinha um novo governo até a manhã de hoje, quando tiveram oportunidade de ler os jornais e ouvir o radio. O anuncio da meia-noite, feito pelas novas autoridades, foi distribuido somente aos clientes estrangeiros da agencia oficial de noticias "Tass" e o primeiro anuncio pelo radio se deu quando todos dormiam.
A colonia ocidental e ainda milhões de russos acham dificil aceitar que Kruchev, cuja deslumbrante personalidade havia dominado de maneira tão completa a cena politica, possa ter desaparecido da noite para o dia. Porem, tal como dizem os observadores ocidentais, essa é a maneira como obra o Kremlin.

"Pravda"

"O Comitê Central do Partido Comunista da URSS aplica com firmeza e constancia a linha geral leninista estabelecida no XX e no XXII Congresso do Partido" —declara esta manhã o "Pravda", ao comentar a substituição de Kruchev por Leonid Brejnev, à frente do Partido, e por Alexei Kosygin, a frente do governo. — "Em torno de seu partido, os povos da URSS lutam, heroicamente pela construção do comunismo, sob a bandeira do marxismo-leninismo e a direção do Partido, atrás de novas vitorias do comunismo". Estas frases, impressas em grandes caracteres e substituindo uma conhecida seção do jornal, à esquerda da primeira pagina, constituem o unico comentario do "Pravda" aos acontecimentos de ontem.
A noticia da substituição de Kruchev por Brejnev no Partido toma o titulo de toda a pagina. A operação analoga no governo aparece tambem na primeira pagina, mas abaixo e com titulos menores. Não se publica nenhuma foto de Kruchev. As de Brejnev e Kosygin, sem ser muito grandes, aparecem na primeira pagina. A biografia de Brejnev, difundida pela agencia "Tass", não está reproduzida. O nome do demissionario não aparece citado nem uma unica vez no resto do numero.


Posse

Leonid I. Brejnev e Alexei N. Kosygin tomaram hoje as redeas do poder das mãos de Nikita Kruchev e prometeram continuar o governo tanto na ordem interna como na externa. Os dois, um como primeiro secretario de todo-poderoso Partido Comunista e o outro como primeiro-ministro, dividirão o supremo poder que exercia Kruchev no Kremlin em uma reorganização de governo que deixou tão atonitos os russos como o resto do mundo.
Sem os habituais rumores que geralmente precedem os dramaticos acontecimentos no Kremlin, o Comitê Central do Partido Comunista anunciou à meia-noite de ontem muito rapidamente que Kruchev havia sido "afastado" a seu pedido, devido a "sua avançada idade e sua má saude".
Não há prova alguma que contradiga essa declaração com respeito à má saude de Kruchev. Conjectura-se que o ex-primeiro-ministro sovietico foi eliminado do poder, ou seja porque caiu em desgraça por razões tais como a desastrosa colheita do ano passado e as dificuldades economicas, ou por questões de politica exterior, como o conflito sino-sovietico que dividiu o comunismo mundial.

Perspectivas

Moscou, 16 — A demissão de Kruchev pode ser considerada pelo menos provisoriamente como uma vitoria de Pequim. A porta fica aberta a um possivel reinicio do dialogo entre as duas capitais do comunismo.
Primeiro ponto a favor desta tese: entre o dinamico Nikita e o grande faraó chinês, Mao Tse Tung, o dialogo já não era possivel. E, dos dois incompativeis, foi o sovietico que primeiro abandonou o cenario politico. Segundo: seja qual for a linha que escolham os novos homens da URSS, uma coisa parece assegurada: Kosygin e Brejnev podem, sem perder por isso seu prestigio, adiar a "conferencia previa" convocada para 15 de dezembro por seu predecessor.
É bem verdade que Brejnev, como todos os membros do "Praesidium" em dias vindouros, se solidarizara com "a politica chinesa" de Kruchev. Mas, em todo o caso, era só este o titular do "revisionismo antileninista", injuriado em Tirana e em Pequim. Quanto a Kosygin, sua especialidade parece ter sido sempre a de assuntos puramente economicos.
Outra consequencia imediata da inesperada demissão: a viagem a Bonn, que Kruchev devia realizar no começo do ano, poderá ser adiada, de momento provisoriamente.
Outra sequela, esta de ordem interna: a URSS parece voltar, como desde a morte de Stalin até 1958, à separação dos cargos de chefe do governo e chefe do partido. Em principio, pois, Kosygin desfrutara de menores prerrogativas que Kruchev e seu poder seria mais restrito.
Porém, bem alem de todas estas conjeturas, prevalece uma impressão, um sentimento: o de ansiosa expectativa. É uma imensa interrogação que se abre agora, tanto no plano externo como no interno. As rivalidades entre pessoas podem prevalecer sobre as grandes opções politicas. E até que se restabeleça um novo equilibrio politico, as iniciativas dos sucessores de Kruchev serão simplesmente talvez estratagemas de comitê.
Embora, naturalmente, a unanimidade de que já se faz eco o comunicado oficial da demissão, continuará sendo apresentada na unanimidade, a continuidade inclusive, a vasta campanha do "não aconteceu nada..." a solidariedade do Partido, da causa proletaria internacional.
Será necessario que estas vozes previsiveis se aclamem, para que, sobre elas, comecem a expressar-se os fatos.

Reação no mundo

Nova York, 16 — Referindo-se à demissão do presidente do Conselho Sovietico, Nikita Kruchev, o presidente Lyndon Johnson afirmou ontem à noite que os Estados Unidos estavam dispostos a enfrentar qualquer eventualidade, mas que não se desviarão nunca de seu objetivo fundamental, que é a consecução da paz. Esta declaração foi formulada pelo mandatario norte-americano em uma reunião do Partido Liberal de Nova York, organizada no 'Madison Square Garden". Afastando-se do tema principal de seu discurso, Johnson disse que o fato de que Kruchev "tenha sido substituido pode ser ou não o indicio de dificuldades mais profundas ou de mudanças de politicas".
O chefe do executivo norte-americano afirmou depois que os Estados Unidos manterão a mesma linha de conduta e que a "paz constitui a missão inquebrantavel do povo norte-americano".
Johnson concluiu dizendo: "Não pretendemos enterrar ninguem mas tampouco nos deixaremos enterrar."

China

Pequim, 16
— "Kruchev abandona o poder" - anunciou hoje na primeira pagina o "Jornal do Povo" de Pequim, citado pela agencia "Nova China". No momento não se recolhe nenhum comentario chinês.

Cuba

Havana, 16 — A substituição de Kruchev nos primeiros postos do governo e do PC sovieticos foi anunciada ontem à noite pela radio e televisão cubanas, sem comentario algum. A televisão limitou-se a transmitir o telegrama noticioso da Agencia Tass, apontando que, dada a hora em que foi anunciada em Moscou a substituição do veterano estadista, não houve reação da imprensa mundial.
Porem, o comentarista aventurou-se a dizer que "espera-se da imprensa européia comentarios inteligentes" e que "não faltarão comentarios malevolos e especulações insidiosas da imprensa norte-americana sobre o assunto".

Albania

Viena, 16 — A Albania, o unico aliado de Pequim na Europa Oriental, disse hoje que o ex-primeiro-ministro sovietico, "Nikita Kruchev, foi destituido devido à sua politica contra a China".
A Radio-Tirana, a voz da diminuta Albania, foi a unica que comentou entre as nações da Europa comunista a retirada do lider sovietico. Todas as outras estações deram a noticia sobre o afastamento de Kruchev muito tempo depois que Moscou o anunciasse ao mundo exterior.
A Radio de Moscou fez o primeiro anuncio em seu serviço polonês às 21 horas GMT de ontem e meia hora mais tarde em seu serviço para a Albania, informam os serviços ocidentais de escuta.


Mexico

Mexico, 16
— Não será que Kruchev morreu e os dirigentes sovieticos não desejam declará-lo no momento? Eis o que se afirmava, ontem à noite, nos circulos diplomaticos desta capital, ao comentar-se a sensacional noticia da demissão do dirigente sovietico.
Nesses circulos, sobretudo entre os diplomatas latino-americanos acreditados no Mexico, que são os que mostram maior inquietação ante as consequencias que possam surgir com a demissão de Kruchev, faz-se ver que o lider sovietico praticamente desapareceu da vida publica desde há varios dias, supondo-se que estava descansando em Sotchi, no mar Negro.
Os jornais, em suas edições vespertinas, publicam grande quantidade de informações que se referem a possiveis dissensões politicas no seio do grupo dirigente da URSS. Traçam, por outra parte, os primeiros esboços de Kruchev e dos dois dirigentes que lhe sucedem nos mais altos cargos do governo russo, indagando se a queda de Kruchev não significará a subida, ao poder, dos partidarios da "linha chinesa".

Colombia

Bogotá, 16 — Referindo-se, na noite de ontem, à mudança de governo na URSS, o presidente Guillermo Leon Valencia, atraves de um comunicado expedido pelo escritorio de imprensa do palacio declarou: "Pessoalmente, acredito que Kruchev foi um fator extraordinario de equilibrio na politica mundial e que, como o extinto presidente Kennedy, constituiram os dois extremos do eixo sobre o qual está assentada a paz no mundo.
"É doloroso pensar —continuou dizendo o mandatario colombiano— que um dos signatarios do Pacto de Moscou, que é sem duvida mais importante documento do equilibrio politico do mundo contemporaneo, tendo caido abatido pelas balas assassinas da incompreensão e do egoismo, e que, Kruchev outro co-signatario, tenha caido tambem em condições ainda desconhecidas, da direção politica de seu país. Temo que isso seja mau augurio para a paz do mundo, embora aspiro estar equivocado a esse respeito."

Alemanha

Bonn, 16 — "Independentemente da mudança que acaba de ocorrer no seio do governo sovietico, o governo da Alemanha Federal prosseguirá em seus objetivos, determinados pelos interesses vitais do povo alemão e seu direito a todas as liberdades fundamentais incluidas na Carta das Nações Unidas, e, em particular, o direito dos povos de dispor de seu destino por si próprios."
Isto é o que se assinala numa nota oficial de Bonn, a proposito da demissão de Nikita Kruchev.
"Não somos nós —diz por outro lado a nota— quem devemos fazer especulações sobre o desenvolvimento ou os eventuais efeitos da demissão de Kruchev. O governado sovietico dará, sem duvida, a conhecer, publicamente, sua politica externa e interna, assim como a linha ideologica que seguirá."

India

Nova Delhi, 16
— Inquietação na India contava com a presença de Kruchev para frear as acusações chinesas. Ademais, a noticia da demissão chega demasiado tarde para suscitar reações oficiais.


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