KAMIKAZE
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Publicado
na Folha da Manhã, quarta-feira, 16 de maio de 1945
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Neste texto foi mantida a grafia original
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Em 1281, uma esquadra chinesa saiu de um pôrto da costa oriental
do país de Confúcio, com a incumbência de promover
a invasão do território japonês. A meio caminho,
um furacão colheu a referida esquadra e destruiu-a. Os japonêses,
sempre inclinados a ver deuses e manifestações divinas
diretas, a seu favor, nos casos de boa sorte, passaram a adorar o
furacão como se fôra mais um deus da sua mitologia religiosa
já naquele tempo nada pobre em divindades. O furacão
recebeu, no quadro dos mitos japonêses, o nome de "Kamikaze",
ou seja, "Furacão divino".
Alguns anos antes do comêço da conflagração
atual, a casta militar japonêsa fundou, em Okinawa - (a ilha
que os norte-americanos há pouco tempo invadiram e da qual
já se assenhorearam quase que completamente) - o "Clube
Kamikaze", ou, em outras palavras, uma organização
de elementos suicidas, destinados a agir em operações
de guerra. O clube tem jurisdição nacional, isto é,
exerce a sua influência em todo o território japonês.
Mas conservava, até poucas semanas atrás, o seu campo
de treinamento em Okinawa. Os membros do clube são, de preferência,
moços, de comprovada fidelidade para com a pátria e
o imperador. Os suicidas são treinados em vários ramos
de atividade. O treinamento é rigoroso, porque cada suicida
só realiza a sua tarefa uma única vez na vida. Se não
realizar bem essa tarefa, não terá oportunidade de renovar
a experiência, visto que o fim da sua primeira tarefa é
também o têrmo de sua vida.
Depois que teve início a guerra entre o Japão e os Estados
Unidos, os "Kamikaze" passaram a ser treinados, principalmente,
em atividades aviatórias. A incumbência de cada "Kamikaze"
aviador é a seguinte: - pilotar um avião especial, de
proporções relativamente pequenas, carregado de explosivo
- atravessar, se possível, a cortina de fogo anti-aéreo
dos norte-americanos - e lançar a sua máquina volante
contra qualquer objetivo militarmente útil, que pode ser, e
que é, em regra, um navio.
A teoria é a de que a carga de explosivo, contida no pequeno
aeroplano, basta para pôr a pique o navio atingido. A bomba
japonêsa usada pelos "Kamikaze" tem o nome de "baka",
e seu pêso é de cêrca de uma tonelada. Na explosão,
diz a teoria que tudo deve desaparecer - o navio inimigo, o avião
e o seu pilôto "Kamikaze". Na prática, porém,
não é sempre que isso acontece. Os navios de guerra
modernos, feitos nos Estados Unidos, para a frota do Pacífico,
já possuem couraças especiais, que resistem ao choque
do avião "Kamikaze" - que suportam mais ou menos
galhardamente a explosão da carga japonêsa - e que fazem
o barco continuar navegando enquanto o pilôto "Kamikaze"
morre e o seu avião se estilhaça.
A família de cada pilôto "Kamikaze" que morre
recebe um diploma - sendo que êste diploma é considerado,
nos círculos fanáticos japonêses, principalmente
os das classes populares, como autêntico título de glória.
Os "Kamikaze" compreendem outras atividades, além
das aviatórias. Possuem um quadro de nadadores. Êstes
nadadores saltam ao mar, à noite, de barcos a remo, nas proximidades
de um navio de guerra norte-americano. E, levando petardos seguros
pelos dentes, nadam para o navio de guerra, com o propósito
de explodir os petardos, se possível, junto à sua quilha,
muitos metros abaixo do nível das águas.
Está claro, para qualquer criatura civilizada ocidental - embora
não seja igualmente claro, aos olhos dos japonêses -
que um petardo, por mais poderoso que seja, mal chega a arranhar a
quilha de aço de navios de guerra modernos. Mas os nadadores
"Kamikaze" insistem na tentativa de afundar belonaves por
êsse processo quase inócuo.
Os "Kamikaze" possuem, agora, também esquadrilhas
suicidas, que consistem em grupos de navios, tripulados por membros
do clube. Tais navios, quando saem para alguma tarefa, estão
destinados a não voltar mais à sua base - seja qual
fôr o desfecho final do empreendimento.
Os observadores norte-americanos, especialmente destacados para examinar
a maneira pela qual os aviadores suicidas japoneses se desempenham
da sua incumbência, verificaram que tais aviadores se lançam,
de fato, contra navios inimigos. Entretanto, na medida em que êles
se aproximam do alvo, se tornam cada vez menos conscientes, até
que, nos últimos instantes, suas máquinas de vôo
não parecem mais governadas por uma inteligência lúcida.
Acredita-se que o fato de o "Kamikaze" sair de sua base,
com o dever "sagrado" de não regressar a ela, lhe
modifica a psicologia. Quando o "Kamikaze" parte, êle
já é considerado, por todos os japonêses, inclusive
por êle mesmo, um homem morto - um homem cuja alma já
foi entregue aos deuses do outro mundo. Afigura-se que esta circunstância
exerce alguma influência no sentido de lhe empanar a lucidez
do raciocínio. Na hora da iminência do choque final,
a lucidez de raciocínio desaparece de todo, dando, então,
o resultado de o avião suicida não ser devidamente orientado
para o objetivo, exatamente no instante em que a orientação
mais necessária se torna.
A última novidade, no capítulo dos "Kamikaze",
é a que a frota japonêsa, destruída pelos norte-americanos,
no mês passado, em Okinawa e que incluia o supercouraçado
"Yamato", de 45.000 toneladas, era uma frota suicida, que
saíra de sua base para não mais voltar a ela. Em face
da destruição que coroou o empreendimento dessa frota,
não há dúvida que o que as Nações
Unidas mais desejam é que a técnica suicida japonêsa
prossiga. Os homens e as máquinas que não regressam
à sua base são homens e máquinas contra as quais
nunca mais as democracias terão de lutar.
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