MOSCOU PREPARA FESTA PARA OS COSMONAUTAS

Publicado na Folha de S.Paulo, quinta-feira, 16 de agosto de 1962

Neste texto foi mantida a grafia original

MOSCOU, 16 - Os dois cosmonautas russos, que desceram ontem, estão sendo submetidos a uma serie de exames, enquanto Moscou lhes prepara boas-vindas de heróis.

Mais façanhas

Ao mesmo tempo, os jubilosos russos vangloriam-se de sua superioridade no espaço e prevêem vôos a outros planetas.
Possivelmente amanhã se realizará na Praça Vermelha uma grande concentração para dar as boas-vindas aos cosmonautas russos. Andrian Nikolayev e Pavel Popovich.
É certo que o primeiro-ministro Nikita Kruchev interromperá as ferias que está passando no mar Negro, para estar presente em Moscou durante a recepção aos cosmonautas.

Advertencia

O ministro da Defesa, Marechal Rondion Malinovsky, advertiu hoje o mundo sobre a significação espacial sovietica.
"Que nossos inimigos saibam a importancia tecnologica e militar que a União Sovietica possui" - declarou Malinovsky em uma mensagem de felicitação aos dois astronautas russos, publicada hoje no jornal "Estrela Vermelha", do exercito sovietico.

De volta à Terra os dois cosmonautas; as naves desceram na "zona prevista"

MOSCOU, 15 - Os cosmonautas Adrian Nikolayev e Pavel Popovitch aterraram esta manhã, em perfeito estado de saude, na "zona prevista", a qual se encontra, ao que parece, no mesmo local em que Gagarin e Titov, os primeiros exploradores sovieticos do Cosmos, pousaram no ano passado. Esta zona, segundo se acredita, está situada a uns cem quilometros ao sul da cidade de Saratov, na Russia Meridional, proximo da localidade de Krasny, nas margens do Eurouslan, afluente do Volga. A entrada dos cosmonautas na atmosfera terrestre efetuou-se com seis minutos de intervalo.
A Radio Moscou anunciou que Nikolayev aterrou às 9h55 (03h55 de Brasilia) e que realizou 64 voltas em orbita, cobrindo 2.600.000 quilometros. Nikolayev permaneceu no espaço 94 horas e 25 minutos. Popovitch, por sua vez, deu 48 voltas ao redor da Terra. Esteve no espaço 70 horas e 59 minutos. Os dois cosmonautas percorreram em conjunto uma distancia equivalente a cinco viagens de ida e volta à Lua. Sua missão foi totalmente cumprida.
Foi informado que em várias oportunidades assumiram o controle manual das naves, sob a direção do "cosmodromo" terrestre.
Durante a viagem os pilotos espaciais começaram, dormiram, trabalharam, leram e deixaram suas poltronas varias vezes por dia, em pleno estado de imponderabilidade.

Vôo em formação

Quase três dias voaram "em formação". Os russos em momento algum informaram sobre a distancia que separava as duas naves, mas disseram que "estavam à vista entre si". O academico sovietico Eugeny Fyodorov afirmou que os cosmonautas sovieticos do futuro "farão manobras, trocarão de orbita e formarão em grupos em variadas estruturas, em pleno espaço cosmico". Os observadores informados interpretam o anuncio como indicio de que a União Sovietica projeta uma "reunião" e uma junção no espaço de capsulas com cosmonautas, bem como o estabelecimento de estações espaciais, como pontos de partida para viagens aos planetas. Foi informado que Popovitch e Nikolayev realizaram experiencias preliminares de junção de naves no espaço. A agencia "Tass" revelou, sabado ultimo, no mesmo dia em que foi realizado o lançamento de Popovitch, que haviam sido traçados meticulosos planos para a descida dos cosmonautas.

A descida

Segundo os calculos dos tecnicos, ainda não confirmados oficialmente, o mecanismo dos retropropulsores que comandam a descida, foi posto em funcionamento quando as naves se encontravam sobre a Africa Central. Esta operação, que precede de uns vinte minutos à aterragem, pode ter sido efetuada do solo por telecomando ou "ditada" aos pilotos, os quais fizeram funcionar, por seus proprios meios, o mecanismo de descida. A julgar pelas experiencias precedentes, o ingresso dos "Vostok" III e IV nas camadas densas da atmosfera deve ter engendrado, por efeito do atrito, um forte calor, capaz de dar às naves cosmicas a aparencia de incandescencia. Depois desta breve "passagem infernal", que submete os astronautas aos efeitos brutais da "desaceleração", Gagarin e Titov, em 1961, foram projetadas automaticamente fora de suas cabinas a 7.500 metros de altura e desceram em para-quedas individuais.

Duvida

No presente caso não se sabe ainda qual foi o metodo de aterragem empregado. É muito possivel que o sistema tenha sido igual ao dos vôos anteriores. Ressalta-se a respeito que, durante as emissões televisionadas da cabina dos cosmonautas, viu-se que Nikolayev e Popovitch estavam providos de para-quedas. Entretanto, os tecnicos não excluem a possibilidade de que nesta ocasião se tenha utilizado um novo sistema de aterragem: o que os norte-americanos chamam de "aile rogallo", e que previram para seu projeto "Gemini". Consiste de um duplo para-quedas rigido que se abre na capsula e que permite a esta aterrar sem que os cosmonautas tenham a necessidade de abandonar sua cabina. Esta hipotese está corroborada pelo fato de que o comunicado que anunciou a colocação em orbita de Nikolayev mencionou que, entre os objetivos desta experiencia, figurava a experiencia de um "novo metodo de aterragem de precisão".

No solo

Tão logo os cosmonautas abandonaram duas naves espaciais na região de Karanganda, foram recolhidos por helicopteros. Karanganda se encontra no Kazakhstan, a uns 650 quilometros de Omsk e a uns 2.500 quilometros de Moscou. Ambos foram conduzidos diretamente a um centro espacial onde serão submetidos a observação medica para estabelecer se sua permanencia no Cosmos lhes ocasiou algum dano.
"Os dois cosmonautas estão muito bem" - dizia o primeiro comunicado oficial que foi transmitido pela Radio Moscou, enquanto todos os sinos da capital sovietica dobraram em rogozijo pela façanha.
Durante todo o percurso foram aclamados por uma grande multidão que dificultava a circulação e que gritava: "Gloria aos heróis do Cosmos".

«Melhor no Cosmos»

Os dois cosmonautas tinham aspecto sereno e quando chegaram a seu destino e entraram na casa que lhes tinha sido reservada, Popovitch disse: "Uf, que calor, estava-se muito melhor no Cosmos" e Nikolayev acrescentou: "É, havia muito menos gente".
Os habitantes da região lhes ofereceram uma enorme melancia, que os "irmãos celestes" saborearam calmamente, afirma a agencia "Tass".
Diante da casa onde se encontraram os cosmonautas foi improvisado um comicio e, não tendo tribunas, foram trazidas duas cadeiras para os dois heróis. Depois de uma ovação que durou varios minutos, Nikolayev pôde fazer uso da palavra e disse "agradecido, por esta recepção entusiastica. Vimos e comprovamos que o voo se efetuou bem, e estamos em perfeito estado de saude".
Popovitch acrescentou: "Faço minhas as palavras de meu amigo. O vôo decorreu normalmente". grandes aplausos acolheram as palavras dos dois cosmonautas que abandonaram as cadeiras e se retiraram para o interior da residencia.

Telefonema a Kruchev

Algumas horas depois de sua aterragem. Adrian Nikolayev e Pavel Popovitch telefonaram para a residencia de verão de Nikita Kruchev, da Criméia. O chefe de Estado sovietico achava-se nesse momento com o sr. John Cronin, deputado britanico, que assistiu à palestra telefonica. Depois de saudar os dois cosmonautas, Kruchev afirmou: "Camaradas, vocês serão recebidos com todas as honras. Esperamos-los. Toda a nação está orgulhosa de seu exito e o celebrará".
Dirigindo-se a Adrian Nikolayev, Kruchev declarou: "Você tornou famosa sua patria, os povos da URSS e seu povo chuvaco. No estrangeiro se conhece a composição nacional da URSS. Agora o mundo todo saberá que há chuvacos na URSS, que o povo chuvaco ocupa um lugar digno no seio da grande familia socialista dos povos sovieticos e dá uma contribuição admiravel para a edificação do comunismo, a conquista do espaço cosmico. Por seus esforços comuns, nosso povos desenvolvem a economia, a ciencia, a cultura de nosso país e edificam o comunismo com exito".
"Todos os povos da URSS - acrescentou Kruchev - todas as pessoas honradas da Terra, que querem viver em paz com as demais, estão orgulhosas da façanha dos cosmonautas sovieticos. A significação desta proeza não é apenas nacional, mas ultrapassa nossas fronteiras para transformar-se numa proeza de todos, pelo bem da paz e do progresso".
"Estou orgulhoso porque cumprimos a missão que nos foi confiada" - declarou a um correspondente da agencia "Tass" o terceiro cosmonauta sovietico, Nikolayev.
Seu companheiro Pavel Popovich, que se encontrava no "Vostok IV" disse, após sua aterragem: "A coisa mais importante de nosso voo reside no fato de que tudo se desenvolve bem e que conseguimos, pela primeira vez na historia da humanidade, um vôo no espaço com duas naves cosmicas".
"Durante todo tempo mantivemos contato pelo radio entre as nossas naves cosmicas. Numa palavra, tudo correu perfeitamente bem" - concluiu Popovich.

Comunicado da «Tass»

É o seguinte o comunicado da agencia "Tass" sobre a aterragem dos dois cosmonautas:
"De conformidade com o programam de vôo, no dia 15 de agosto deu-se a aterragem, no lugar previsto, das cosmonaves "Vostok III", com o cosmonauta Adrian Nikolayev, e "Vostok IV", com o cosmonauta Pavel Popovich.
"As cosmonaves aterraram normalmente; Nikolayev às 9h55, e Popovich às 10h01.
"Depois do vôo cosmico e da aterragem, os dois cosmonautas encontram-se em bom estado de saude. O programam de vôo foi inteiramente cumprido."

Linhas radiotelefonicas

MOSCOU, 15 - Varias linhas radiotelefonicas foram instaladas nas cabinas dos "Vostok III e IV", afirmou hoje a agencia Tass. Uma delas foi utilizada para a conversação entre ambos os astronautas, conversação que era captada na Terra. Alem disso, servia de linha de reserva para as comunicações com a Terra.
Cada cabina estava provida de um magnetofone que se punha em funcionamento automaticamente quando o ocupante da nave começava a falar. Servia para gravar as conversações entre os cosmonautas e as destes com a Terra. As cabinas contavam tambem poderoso receptor de ondas curtas e medias, a fim de que os ocupantes pudessem captar as radios de todo o mundo.
Alguns aparelhos gravavam automaticamente quando o cosmonauta começava a falar e serviam para gravar as conversações entre os cosmonautas e as destes com a Terra. Tambem gravaram automaticamente as emissões terrestres, facilitando o trabalho dos cosmonautas. Atualmente - concluiu a agencia Tass - os especialistas sovieticos estudam a experiencia de uma ligação pelo radio dos cosmonautas no espaço.

Problemas juridicos

RIO, 16 - O jurista Helvio Fernandes Pinheiro, do Instituto dos Advogados e da Sociedade Brasileira de Direito Aeronautico, que é tambem consultor juridico do Conselho Nacional de Pesquisas, comentando o lançamento das ultimas espaçonaves sovieticas, afirmou à FSP:
"Essa experiencia deixa atrás de si copiosos problemas juridicos, como o da violação dos territorios aereos nacionais pelas capsulas que transmitam livremente no espaço extra-atmosferico, pois o resguardo visual e fotografico «latosensu» das zonas de superficie, considerado de interesse para a segurança nacional, não pode ser absoluto.
Outro problema juridico que se aproxima da realidade é o dominio da Lua. O ideal seria conseguir-se um acordo internacional no sentido de ser negada a todos os povos qualquer reivindicação de dominio ou soberania do espaço extra-astmosferico do satelite da terra ou qualquer outro planeta que vier a ser atingido. Tal espaço deveria ser utilizado livremente por todos e exclusivamente para fins pacificos."

© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.